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A distorção do mercado de petróleo e a culpa do ESG
Sobre petróleo, oferta, demanda e distorções
Não sou um negacionista das mudanças climáticas, mas também não sou negacionista das leis básicas da economia. Por isso, uma coisa que me intriga há algum tempo é como o mundo pode fazer uma transição dos combustíveis fósseis para a energia limpa sem que vivamos em um mundo estilo Mad Max, onde as pessoas se matam por gasolina.
E aparentemente eu não sou o único com essa dúvida.
Na semana passada, uma das maiores autoridades do assunto energia no Brasil, o Adriano Pires, publicou um texto no Estadão e nas suas redes sociais no qual ele faz exatamente essa reflexão. Pires é fundador do CBIE, o Centro Brasileiro de Infraestrutura, e chegou a ser convidado para presidir a Petrobras ainda no governo de Jair Bolsonaro, mas não pôde assumir.
Sua reflexão parte de um gráfico semelhante a esse:
Como você pode perceber, a demanda global por petróleo no mundo subia consistentemente até a pandemia, quando caiu abruptamente. Como ninguém podia se deslocar, não havia necessidade de combustíveis e seu consumo despencou, levando junto o petróleo, sua matéria-prima. Desde 2021, a demanda vem subindo de novo, e, neste ano, já encontrou e ultrapassou os patamares pré-Covid.
O que o gráfico mostra, portanto, é uma retomada da demanda por petróleo e da sua trajetória de alta. Pode-se dizer que hoje consumimos petróleo como nunca.
E é nesse ponto que começo a pensar na lei da oferta e da demanda, provavelmente a mais importante da economia. Ela diz que, se a demanda por um produto sobe, os preços também devem subir, a não ser que a oferta também aumente. O preço sai do equilíbrio no qual se encontrava antes para encontrar um novo.
Se a demanda por petróleo aumenta, e o preço sobe, é de se esperar que a oferta cedo ou tarde vá acompanhar esse movimento e subir também. Mas não é isso que acontece nesse momento.
Este outro gráfico abaixo, da IEA (Agência Internacional de Energia), mostra que os investimentos em petróleo vêm, na verdade, diminuindo.
As barras em azul claro, à esquerda, representam investimentos em energias renováveis. Em 2015, esses investimentos eram de US$ 1,07 trilhão, enquanto os investimentos em petróleo, representados pelas barras mais escuras, eram de US$ 1,32 trilhão. Oito anos depois, as energias limpas têm US$ 1,75 trilhão em investimento, enquanto o petróleo tem US$ 1,05.
Percentualmente, o investimento em petróleo caiu 20% em oito anos, enquanto as energias limpas tiveram aumento de 62% no investimento no mesmo período.
Juntando os dois gráficos, temos uma conclusão óbvia: a demanda pelo petróleo cresce, mas a oferta não, já que não temos investimentos. Se consumimos mais do que nunca, mas produzimos menos do sempre, só resta ao preço subir.
Temos claramente uma distorção. Mas de onde ela vem? Deixo o Adriano Pires responder.
“O movimento açodado de realizar a transição energética está promovendo esse desequilíbrio da oferta x demanda, que se acentuou com a demonização dos combustíveis fósseis, levando a um comprometimento no abastecimento de energia, aumento do preço da energia e uma má alocação de recursos para que realizemos com sucesso o movimento da transição energética”, disse ele no seu artigo do Estadão.
Ou seja: as energias renováveis ainda não dão conta do recado, mas o mundo está abrindo mão de investir no petróleo mesmo assim. Isso parece inteligente, do ponto de vista da oferta, demanda e dos preços.
Informações e concepções do público
Esse movimento açodado, como diz Pires, encontra eco no público, que costuma ser tão bem intencionado quanto mal informado. Quando esteve aqui no Market Makers, o Ruy Alves, gestor da Kinea, já havia expressado uma grande preocupação com alguns pontos quando o assunto é mudança na matriz energética.
Em primeiro lugar, poucos sabem sobre o resultado dos investimentos. Esses trilhões de dólares gastos em energias renováveis mudaram muito pouco a matriz energética global, aumentando a fatia das energias renováveis no consumo global em apenas cerca de três pontos percentuais de 2015 até hoje, de cerca de 9,2% para 12,6%.
Composição da matriz energética global
Em segundo lugar, existe o foco excessivo que se dá aos carros. “Se todo carro de passeio hoje virar elétrico e for alimentado com a energia de fontes limpas, sabe quanto das emissões de carbono você tira do ambiente? 8%. Ninguém sabe desse número (…) e mesmo assim os carros são subsidiados. Muitas atividades produzem muito mais carbono que transporte”, diz Ruy.
Preço
E qual é a consequência disso tudo no preço do petróleo?
Não podemos esquecer que esse é um mercado bastante artificial, no qual um cartel formado por Opep e Rússia acaba fazendo muita pressão sobre o preço. Desde o ano passado, ambos vêm cortando a produção da commodity, portanto afetando a oferta, hoje defasada em mais ou menos 3 milhões de barris por dia.
Sem investimentos e com um cartel interessado em ganhar mais dinheiro, é claro que o custo do petróleo só poderia subir. E é isso que vem acontecendo. Quando o Ruy participou do podcast, três meses atrás, um barril custava US$ 70. Hoje, já passa dos US$ 90, o maior preço em 9 meses.
Como dissemos no começo, não se trata aqui de negar mudanças climáticas, nem de tapar o sol com peneira. É claro que algo precisa ser feito para que um desastre ambiental não nos engula, mas o ponto é o de que a economia deve ser levada em conta também, em um processo inteligente de transição energética. E se tivermos uma energia tão cara que exija subsídios, como já vem acontecendo na Europa? E se tivermos um combustível tão caro que o ir e vir dos mais pobres acabe comprometido? E se os combustíveis subirem a ponto de deixar os alimentos mais caros? Tudo isso precisa ser questionado.
O que nos separa dos animais hoje em grande parte é o uso da energia. No fim, é ela que está por trás de todos os nossos confortos, da nossa indústria, da nossa ciência, dos nossos serviços. Cuidar dela com açodamento, como diz Pires, parece uma má ideia.