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6 dicas pra todo analista de ações saber analisar pessoas

Analisar pessoas é tão importante quanto uma boa análise fundamentalista

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

15 Jan 2024 10h00 - atualizado em 15 Jan 2024 10h13

6 dicas pra todo analista de ações saber analisar pessoas

Ser humano é um bicho complexo.

E, infelizmente, avaliar corretamente o capital humano de uma empresa é tão importante quanto fazer uma boa análise fundamentalista.

Analisar uma pessoa é difícil em vários aspectos. A começar pelo fator subjetivo: enquanto os números de uma empresa estão disponíveis para todos, a compreensão do que é uma pessoa “boa” ou “ruim” é quase que abstrata. Como não existe um “Damodaran da análise humana”, cada um faz seu próprio juízo de valor.

A biologia nos lembra ainda como é imprevisível a tomada de decisão de alguém: nosso cérebro contém tanto o sistema límbico (instintivo e imediatista) quanto o córtex pré-frontal (racional e ponderado), que estão frequentemente em conflito sobre como devemos agir, abrindo um leque enorme de possíveis decisões que podemos tomar para uma mesma coisa.

Isso sem contar que os comportamentos e valores de uma pessoa podem mudar completamente se ela for colocada em um novo ambiente. Sim, isso mesmo: o ser humano tende a ter novas convicções se perceber que precisa ser aceito em um novo ambiente coletivo.

Todo esse pano de fundo sobre a complexidade humana foi exposto pela Sharp Capital na sua última carta anual, publicada esse mês e disponível aqui (aliás, as cartas da Sharp deveriam ser leitura obrigatória para todo investidor). São 10 páginas de conteúdo sobre a importância e a dificuldade de analisar as pessoas. A conclusão da Sharp sintetiza bem isso: “Ao investir em empresas, escolhemos não só negócios e valuations, mas também, pessoas. Quando as pessoas de uma organização se tornam sua principal vantagem competitiva, a distância em relação aos competidores raramente se reduz. É muito difícil copiar cultura e competência”.

Essa foi uma das melhores leituras que fiz nos últimos tempos, por isso preparei esta CompoundLetter com 6 lições que tirei da carta. A última é a mais especial.

LIÇÃO 1: Fuja de bullshiteiros

Não confunda pessoas inteligentes com pessoas espertas. As inteligentes têm boa memória, raciocínio lógico, habilidades matemáticas, seguem as regras. Já as espertas têm alto nível de empatia, detector de “bullshit”, organização, habilidades comunicativas, persuasão, consciência social e entende as consequências de seus atos.

“O mundo não para de evoluir em ‘intelligence’, mas, infelizmente, as polarizações, o viés de confirmação das redes sociais e a incapacidade típica de pensar por si próprio talvez estejam nos dragando para trás em ‘smart’”, escreve a Sharp.

Pense nisso: um analista sempre terá assimetria negativa de informação ao falar com o diretor de uma empresa, pois este saberá enaltecer as virtudes e esconder os riscos da própria empresa. Se você não for esperto e se especializar ao máximo em um tema, vai ser passado pra trás.

É óbvio que um analista sozinho não poderá saber o funcionamento detalhado de cada uma das empresas da bolsa. Por isso a importância de uma abordagem colaborativa neste trabalho. Por coincidência, isso é algo que usamos e muito aqui no Market Makers: temos acesso às mentes mais brilhantes de diversos setores da economia, o que nos faz ganhar muito tempo e acelera nosso aprendizado, facilitando tanto nossas entrevistas do podcast quanto nossas tomadas de decisão de investimentos.

LIÇÃO 2: Cuidado com o CEO que nunca errou

Essa é simples: quando o diretor de uma empresa discorre sobre suas conquistas e aparenta nunca ter errado, não se coloca em dúvida e não gosta de ser questionado e desafiado, é indício de predomínio da politicagem. Sem enfrentar a verdade, não há diagnóstico preciso, não há correção de rota, não há meritocracia. 

Acompanhou uma teleconferência, entrevista ou até podcast em que o diretor da empresa esquivou-se de uma pergunta difícil ou demonstrou desconforto com uma crítica? Fique esperto, esse aí dificilmente passará na análise humana.

LIÇÃO 3: Atenção ao alinhamento OBJETIVO dos diretores com a empresa

A melhor forma de uma empresa conquistar a confiança dos investidores é demonstrar que está alinhada com eles. E se o objetivo do investidor é maximizar o retorno do capital investido, nada mais justo (e até simples) para uma empresa do que fazer com que seus diretores tenham a remuneração atrelada ao sucesso da empresa – via bônus e/ou pagamento de ações.

Qual é o problema disso: vários, na verdade. 1) bônus podem ter pouca variabilidade; 2) executivos podem manipular metas para justificar (ou impedir) um atingimento; 3) Pagamento via ações muitas vezes funciona mais como forma de reter um funcionário insatisfeito (como se fosse um “dinheiro futuro”) do que alinhá-lo por incentivo.

Estar objetivamente alinhado é melhor do que não estar, mas fique atento pra não cair na falácia do “skin in the game”, que é quando o diretor diz ter ações da empresa mas aquilo é uma parcela ínfima do seu patrimônio pessoal ou um pedaço irrelevante da sua remuneração anual. 

LIÇÃO 4: Atenção ao alinhamento SUBJETIVO dos diretores com a empresa

Essa lição é quase uma consequência da falácia do skin in the game que citei acima. Um CEO, mesmo que alinhado com os interesses do investidor, pode ter um “desalinhamento psicológico” caso ganhe tanto dinheiro a ponto de não querer mais trabalhar. As ausências no escritório começam a ser mais comuns, chega mais tarde e sai mais cedo, tira mais “day offs” e férias, vira subcelebridade… enfim, se acomoda.

Mesmo alinhado OBJETIVAMENTE, o alinhamento PSICOLÓGICO não existe mais. E não me venha com papo de que isso é “saber delegar”: nada espalha mais a cultura de uma empresa para todos os colaboradores do que o exemplo. Se o CEO está lá todo dia mesmo com a vida feita, isso contagia o resto da empresa; da mesma forma, se o CEO está mais presente no Instagram do que no escritório, isso contamina a empresa.

A Sharp traz uma matemática simples sobre isso: “em mercados competitivos, vemos uma certa arrogância associada a se trabalhar pouco. Um executivo que trabalha 20% menos horas que seus pares deveria, teoricamente, supor ser 25% mais produtivo para alcançar o mesmo resultado que o competidor”.

LIÇÃO 5: Atenção aos conselheiros

“Um estudo publicado pelo atual secretário de reformas do Governo, Marcos Barbosa Pinto (2012), levantou informações de 315 companhias abertas brasileiras e notou que quanto menor a concentração da base acionáriamaior era a remuneração dos administradores e conselheiros”, escreve a Sharp.

As corporations, que são as empresas “sem dono”, pagam em média 80% a mais aos conselheiros e administradores do que empresas de controle definido. Não há uma solução pra isso, mas é importante que tenha isso em mente na hora de investir em uma empresa de capital pulverizado.

Atenção também aos conselheiros independentes: eles costumam ganhar bem menos que os conselheiros e executivos, têm uma parcela menor de ações da companhia dentro de seu patrimônio pessoal e dedicam menos tempo para a empresa. Lembre-se disso quando alguém querer te tranquilizar que “tal empresa tem fulano como conselheiro”. É ótimo uma empresa ter conselheiro independente, mas isso não é o Santo Graal da governança corporativa.

LIÇÃO 6: Cuidado com a “pessoa certa na hora errada”

É muito difícil separar sorte de competência. Existem pessoas competentes, mas se elas não estivessem no lugar certo e na época certa, talvez essa competência não teria servido pra nada.

A Sharp cita o livro “Outliers”, do Malcolm Gladwell, para exemplificar várias histórias que retratam a importância da sorte. Eu adorei essa menção pois Outliers é um dos meus livros favoritos.

O trecho do livro citado pela Sharp cita a quantidade de gênios da informática que nasceram na estreita janela entre 1953 e 1955. Isso inclui nomes como Bill Gates, Paul Allen, Steve Ballmer, Steve Jobs, Eric Schmidt e os quatro fundadores da Sun Microsystems.

“A teoria de Gladwell é que quem estava apto a aproveitar a ascensão do PC, em 1975, não poderia nem ser muito velho a ponto de estar ancorado no paradigma antigo e nem muito novo de modo a não ter condições de ser pioneiro”, escreve a Sharp.

A lição disso: da mesma forma que a época pode influenciar no sucesso, ela também pode explicar o fracasso de um executivo. “Ano após ano, observamos empresas anunciando um novo ‘ex Ambev’ com as melhores credenciais possíveis para liderar certa iniciativa. Curiosamente, a mágica esperada acontece com menos frequência do que se imagina”.

Os motivos para esse fracasso podem ser novos acessos, processos, equipes, tecnologias… ou podem estar relacionados ao fato que pessoas mudam com o tempo e, com isso, mudam o quanto elas eram eficientes em determinadas funções.

Enfim, ser humano é um bicho complexo.

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br