Notícia

6min leitura

icon-book

A cilada do “O não você já tem”

Fazia tempo que eu não via uma analogia tão didática para explicar a piora do Brasil

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

10 Jan 2025 12h15 - atualizado em 10 Jan 2025 12h15

“E aí, não vai chamar aquela garota pra sair?”

“Eu quero chamar, mas não sei… estou inseguro…”

“Ah, para com isso! Vai sem medo. 
Afinal, o ‘não’ você já tem”.

Você já deve ter passado ou presenciado a cena acima durante sua vida – seja como a pessoa insegura em fazer o convite, ou como a conselheira “gente boa”. Embora o conselho pareça de fato honesto, ele está longe de ser verdade: há coisas bem piores que o “não”.

Foi com essa analogia que o economista-chefe da Itaú Asset, Thomas Wu explicou a piora drástica do Brasil nas últimas semanas. Aliás, vale o registro: fazia tempo que eu não via uma analogia tão didática para explicar algo tão complexo.

Isso inclusive serviu de pano de fundo para as revisões baixistas nas projeções da Itaú Asset para o Brasil: a gestora espera que a Selic chegue em 15% ao ano em 2025, enquanto o IPCA deve ficar em 6% (lembrando que o centro da meta do BaCen é de 3%). Já o PIB deve crescer 2,6% no ano que vem.

Wu usou uma história pessoal de cunho tragicômico para explicar o momento atual do Brasil: 

Em setembro, eu fui pro Rio de Janeiro fazer um bate volta numa sexta-feira para visitar uns clientes. Aí me ligam dois amigos me oferecendo ingressos para o Rock in Rio naquela sexta e no sábado e um ingresso para ir ao jogo domingo no Maracanã. Eu disse que não podia pois tinha obrigações com minha esposa em casa. 

Daí eles trouxeram a brilhante ideia: ‘pergunta lá pra sua esposa. Você não tem nada a perder. 
O ‘não’ você já tem’. Aí o inocente aqui perguntou. 

Final da história: tomei uma baita bronca e voltei pra casa pra fazer o que já estava planejado. Mas vocês acham que minha esposa estava feliz ou triste? Objetivamente, não aconteceu nada: eu ia voltar pra casa e de fato eu voltei pra casa. Só que no meio do caminho eu fiz uma pergunta. Objetivamente não teve nada, 
mas subjetivamente eu perdi credibilidade e reputação – óbvio e com razão. Eu perdi o benefício da dúvida que levei anos para convencer que eu sou um marido que entende que não é papel da mulher ficar em casa com os filhos, é o papel do homem também. Que o emprego dela é tão importante quanto o meu. 

Isso me explica por que chegamos até aqui. Na minha opinião, a política econômica foi conduzida dessa forma. Objetivamente, não é que o Brasil era solvente antes da semana passada e agora ele está quebrado. Objetivamente não foi isso que aconteceu, mas subjetivamente os eventos da semana tiveram um custo.

Qual foi o benefício da dúvida que o Brasil perdeu? Todo mundo sabe que o Brasil tem desafios fiscais complicados. Além disso, a gente ainda não é um país estável: país estável tem inflação baixa e juro baixo. A gente tem inflação baixa, mas não tem juro baixo. Nós somos aquele paciente que até saiu do hospital, mas ainda tem que tomar antibiótico. E ninguém quer tomar antibiótico, só que a gente não pode parar na marra. Pra parar, é preciso mudar algumas coisas. Os nossos problemas estruturais já foram diagnosticados lá atrás mas ainda não foram tratados. 

O investidor sabe disso e, mesmo assim, ele foi emprestando o dinheiro para o Brasil, pois ele estava dando o benefício da dúvida de que, mesmo sendo um cenário difícil, o Brasil demonstrava que entendia a gravidade do problema e que estava lutando para resolver isso. 

Então você pode argumentar ‘ah, mas é uma injustiça. O Thomas voltou pra casa, ele só estava perguntando. Isso é injusto!”. Justo ou injusto, se a pessoa que financia está se sentindo mais desconfortável, ela se protege. E como ela se protege? Ela vende o título e compra dólar. 

Então a perda do benefício da dúvida tem efeito no preço dos ativos e que, se a gente não recuperar o benefício da dúvida, esse efeito volta sobre os ativos reais em forma de inflação. 
As perdas deste ano, em especial nestes últimos eventos, foram mais subjetivas do que objetivas. É muito importante a gente recuperar o benefício da dúvida.

(Você pode assistir este trecho da fala do Thomas Wu neste link)

Para dar mais cor ao que Thomas Wu disse acima, trago um compilado de números que retratam bem o Brasil e que foram expostos por Luis Stuhlberger (gestor do fundo Verde) em entrevista ao Neofeed logo após o anúncio do Haddad:

> O Brasil gasta 38% do PIB de maneira corrente. Disso, 20% é gasto do Governo Federal e 18% são dos governos estaduais e municipais.

> A receita tributária é por volta de 34% do PIB. Soma com isso 2,5% do PIB de “carga não tributária”, que é basicamente os royalties pagos pelas empresas e chegamos a uma 
arrecadação estrutural de 36,5% do PIB.

> Subtraindo um pelo outro, chegamos a um 
déficit estrutural de 1% a 1,5% do PIB.

> O Brasil terá um PIB de R$ 13 trilhões em 2025. Com 38% de gasto estrutural, temos R$ 5 trilhões de gastos da União, Estados e Municípios. 

> Com uma dívida PIB de 80% e uma Selic de 12% ou um juro real de 7%, temos R$ 1 trilhão adicional de gastos com juros. 
No total: R$ 6 trilhões em gastos

> O governo diz que vamos economizar R$ 30 bilhões. Isso é 
0,5% do gasto para 2025. Então, mesmo que o governo consiga honrar o arcabouço, o filme é muito ruim. 

> O Brasil 100 milhões de pessoas recebem um cheque por mês do governo, seja por previdência, funcionalismo público ou programas sociais, que gera um custo de R$ 2,7 trilhões.

> Desse montante, R$ 1,6 trilhão vem de aposentadoria ou programas como Bolsa Família, BPC, auxílio-doença, seguro-desemprego. Em 2021, essa fatia era de R$ 1 trilhão, ou seja, cresceu 60% em 4 anos. No final das contas, o que o governo está dizendo é que esse número cai cair para R$ 1,55 trilhão.

> É mentira dizer que a taxa de desemprego de Brasil é de 6%. O desemprego é zero porque esses 6% recebem dinheiro do governo.

> O Brasil tem 220 milhões de habitantes. 100 milhões recebem benefícios, 50 milhões são idosos ou jovens e os outros 50 milhões que trabalham para sustentar a base. A conta não fecha.

Em meio a isso tudo, a bolsa brasileira vai ficando cada vez mais fora do radar dos investidores, que têm buscado as ações americanas e o mercado de crédito interno como o principal destino de seus recursos.

Isso ficou evidente no mesmo evento do Itaú: após a fala do Wu, os 4 gestores dos 4 fundos multimercados apresentaram 4 maneiras diferentes de dizer “estamos pessimistas com o Brasil” – aliás, na própria quinta eu enviei um resumo deste painel aos membros do M3 Club, o hub de investidores do Market Makers.

Mas é justamente nestes cenários que surgem as grandes oportunidades para comprar boas empresas a preços estupidamente baratos. Quem tem paciência e capital para aguentar o longo prazo encontrará nestes preços ótimas empresas para virar sócio. Tão simples quanto isso.

Como disse o meu competentíssimo sócio Matheus Soares semana passada: hoje podemos pagar 3,5x o EV/EBITDA para 2025 da Mills, e diante dos inúmeros investimentos em infraestrutura que o Brasil fará nos próximos anos. Ou comprar Priner também a 3,5x EV/EBITDA, mesmo crescendo 27% ao ano com maior ROIC e mais diversificada. E o que dizer da Tupy, que com um anúncio de JCP + recompra de ações foi suficiente para a ação subir 9% na última semana.

Nosso investimento não é uma “aposta no Brasil”, mas sim uma oportunidade de estar junto para o longo prazo de empresas que, a despeito dos solavancos do Brasil, conseguirão sobreviver ou até prosperar em meio a tudo isso

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br