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A economia está em modo ‘kayfabe’ e a inflação vai voltar
Todos os caminhos levam à inflação
Até o último fim de semana, eu nunca tinha ouvido ou lido sobre o termo “kayfabe”. Escutei pela primeira vez assistindo a uma recente entrevista daquele que é um dos maiores traders de todos os tempos: Paul Tudor Jones. Como analista de empresas, dedico pouquíssimo tempo tentando entender para onde vai o dólar ou os juros e muito mais tempo me aprofundando em modelos de negócios de empresas, mas quando Paul Tudor Jones e Stanley Druckenmiller falam, eu paro pra ouvir. Há 14 dias, Paul Tudor Jones foi entrevistado por Andrew Ross e por conta das eleições americanas – e as implicações desse evento, inclusive para o Brasil – parei para ouvi-lo.
Para quem não o conhece, Paul é um dos traders mais fascinantes do mundo e um dos precursores da indústria de hedge funds. Ficou conhecido por ter triplicado seu dinheiro naquela que foi uma das piores segundas-feiras da história dos mercados globais: a Black Monday, em 1987. Naquele ano, ele obteve um retorno de 126% e ganhou aproximadamente US$ 100 milhões.
Durante a entrevista, Paul faz uso de analogias e histórias para demonstrar o quão preocupado está com a trajetória da dívida americana e está se posicionando para um mundo inflacionário. Para ele, independentemente do resultados das eleições, os Estados Unidos podem ‘quebrar’.
“O que eu realmente quero falar é sobre a trajetória da dívida em que estamos. Em 25 anos, passamos de uma relação dívida/PIB no nível federal de cerca de 40% para quase 100%. Um aumento de 60% em 25 anos. E se você olhar para nossa trajetória, o que o CBO (Gabinete de Orçamento do Congresso) projeta para nossa trajetória, bem como o que vemos, vamos projetar além do CBO. O CBO diz que passamos de 98 para 122%, eu acho que 124%. Isso é muito conservador para os próximos 10 anos. Se você extrapolar para 30 anos, chegamos a 200% da dívida/PIB. E isso é algo, obviamente, que não pode continuar para sempre – e não vai. A questão é: após esta eleição, haverá algum ponto de reconhecimento, especialmente com todos os cortes de impostos que estão sendo prometidos por ambos os lados e os planos de gastos? Quero dizer, eles estão distribuindo cortes de impostos como colares no Mardi Gras. Estamos fazendo cortes de impostos em tudo, de gorjetas a tucanos.”
O gráfico abaixo ilustra as projeções dele e do CBO:
Ao ser perguntado sobre o por que do mercado ainda tolerar essa trajetória – e sobre isso não me surpreende o yield da treasury americana ter avançado desde a entrevista – Paul discorre:
“É engraçado, porque crises financeiras se formam ao longo de anos, mas explodem em questão de semanas. Essa é, de certa forma, a história delas. E, para mim, esta eleição se torna um daqueles pontos fundamentais onde, de repente, surge um ‘Hmm’.”
Para explicar por que a “crise” ainda não estourou ele faz uma analogia com o “kayfabe”.
“Eu estava assistindo a um documentário sobre Vince McMahon, e nele – e eu adoro wrestling, especialmente quando era com Stone Cold e The Rock, e todos eles – aparece um termo que eu nunca tinha ouvido falar, chamado kayfabe. No jargão do wrestling, isso representa o acordo tácito, não escrito, entre os lutadores e os fãs sobre a ilusão que ocorre no ringue – a suspensão da descrença que ocorre no ringue é, na verdade, algo que sabemos ser roteirizado e uma performance, mas eles nos pedem para pensar que é genuíno e real. E estamos em um kayfabe econômico agora. E não é só nos Estados Unidos. Estamos nisso no Reino Unido, na França, na Grécia, na Itália, no Japão – o Japão sendo o maior de todos. É esse kayfabe econômico, e a questão é: após esta eleição, teremos um momento de Minsky aqui nos Estados Unidos e nos mercados de dívida dos EUA? Teremos um momento de Minsky onde, de repente, há um ponto de reconhecimento de que o que vai acontecer – ou do que estão falando – é, na verdade, fiscalmente impossível, financeiramente impossível.”
A partir do kayfabe, Paul Tudor Jones sustenta sua crença de que as economias de vários países estão vivendo uma “ilusão econômica” que, eventualmente, poderá colapsar.
“Acho tão interessante porque os candidatos e os partidos estão tão interessados em vencer esta eleição. Mas, se você olhar, certamente do ponto de vista fiscal, estão ganhando o prêmio de consolação. […] Ele (Trump) herdou um déficit orçamentário de 3% em 2016. Em 2019, isso já estava próximo de 5%, antes da COVID. E então, é claro, Biden entra, vê o que Trump fez, e diz: ‘Aqui, deixe-me superar isso com o Ato de Reativação da Inflação’, e aqui estamos nós hoje. Então, posso dizer que, entre Trump e Harris, provavelmente temos as duas pessoas menos preparadas para o trabalho que têm pela frente. E é por isso que, novamente, depois da eleição, isso será tão importante. […] Acho que também estamos fazendo um kayfabe político com eles.”
E para ele não há outra saída para o país não quebrar se não lidar de forma séria com os problemas de gastos. Para ele, são inúmeras as opções para não deixar o país quebrar:
“É preciso deixar os cortes de impostos de Trump expirarem. Isso representa 390 bilhões de dólares. É preciso aumentar o imposto sobre a folha de pagamento para cada trabalhador em 1%. Isso é mais uma grande parcela. Poderíamos reduzir 25% da força de trabalho federal. Algumas pessoas talvez façam isso. Você pode aumentar a alíquota de ganho de capital de 21% para 28% – isso só gera 10 bilhões de dólares por ano. Na verdade, não gera o que é necessário. Então, estou apenas mostrando algumas das coisas que podem ser feitas. Sim, seria necessário aumentar a taxa de imposto para os mais ricos – acho que provavelmente todos que ganham mais de 200 mil dólares – provavelmente teriam que aumentar para 49,5%. Se você fizer todas essas coisas, todas essas coisas – aumentar a idade da Seguridade Social de 65 para 70 – se fizer todas essas coisas – aplicar teste de meios para o Medicare – se fizer todas essas coisas, tudo o que consegue é alcançar um equilíbrio primário. O que isso significa é que você estabiliza a relação dívida/PIB. Na verdade, você ainda está aumentando sua dívida. Ainda está aumentando, porque isso exclui o custo dos juros, que, a propósito, a conta de juros este ano é maior do que qualquer outra linha orçamentária, exceto a Seguridade Social. É maior que os gastos com defesa. Maior que o Medicare.”
Para ele, “todos os caminhos levam para a inflação” e por conta disso está zerado em renda fixa, comprado em ouro, bitcoin, commodities – que para ele estão ridiculamente baratas – e Nasdaq.
“O manual para sair dessa é inflacionar para sair da situação, aplicar uma pequena ‘taxa’ ao consumidor, manter as taxas de juros abaixo da inflação e o crescimento nominal acima da inflação. E é assim que você reduz sua relação dívida/PIB. […] Se estamos tentando estabilizar a relação dívida/PIB, queremos adotar a política monetária mais acomodatícia possível, sem permitir que a inflação se torne um imposto excessivo sobre a população. Então, sim, todos os caminhos levam à inflação. Historicamente, essa é a forma como todas as civilizações superaram suas dívidas – elas as reduziram por meio da inflação”.
A entrevista inteira está aqui e saio dela mais preocupado sobre a trajetória da dívida americana e as implicações desse ambiente para o Brasil, mas convicto da necessidade de ter uma carteira composta por empresas com baixo nível de endividamento – ainda que a solução apresentada por ele seja juro baixo – e capazes de repassar a inflação sem impacto nas vendas. Também saio com a vontade de aumentar a exposição da Carteira Market Makers às commodities.