Notícia

11min leitura

icon-book

A emoção de Omaha 2025 e o Legado de Buffett e Munger

Um texto de Pedro Gonzaga, da Mantaro Capital

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

12 May 2025 10h29 - atualizado em 12 May 2025 10h29

Por: Pedro Gonzaga, CFA, MSc, sócio e analista de ações da Mantaro Capital

Desde 2015 viajo para Omaha, capital do estado americano de Nebraska, para participar do encontro anual dos acionistas da Berkshire Hathaway e de eventos paralelos. Após muitas interações com executivos da empresa, gestores de recursos e autores de livros nessas viagens e a leitura de mais uma dezena de livros relacionados à Berkshire, gostaria de compartilhar aprendizados e reflexões acumulados.

Pela dedicação ao tema explicitada acima, é óbvio que Warren Buffett e Charlie Munger são meus ídolos. Como investidor institucional, é impossível não admirar a construção de um histórico de tanto sucesso por tanto tempo. De 1965, quando Buffett assumiu o controle da empresa, até 2024, o retorno anual composto foi de 20% contra 10% do S&P500 no mesmo período. Pelo poder de juros compostos, o ganho acumulado investindo nas ações da Berkshire são de incríveis 5.502.284% contra 39.054% do S&P. 

Isso quer dizer que mil dólares investidos desde o início da gestão do Buffett na Berkshire seriam mais de 55 milhões dólares hoje, contra menos de 392 mil dólares investidos no S&P no mesmo período.

Não só isso: os ensinamentos de Buffett e Munger fora do mundo de investimentos influenciaram a minha vida e a de muitos que os acompanharam. Esse contexto ajuda a explicar o que se tornou o evento anual em Omaha. A idolatria por Buffett e sua empresa é tão grande que dezenas de milhares de pessoas fazem a viagem a Omaha.

Não há um número oficial, mas é estimado que mais de 40 mil pessoas participam presencialmente do evento anual. Por isso, esse é o Woodstock do Capitalismo, quando uma gigante tribo de investidores se reúne. Além de aprender com as respostas de executivos da Berkshire em sessão de perguntas e respostas de até 5 horas, é uma grande oportunidade de networking para profissionais de mercado, de aprendizado também em eventos paralelos e de festa. Há recepções aos acionistas em coquetel e brunch na joalheria local (Borsheims), além de um churrasco na loja de móveis da cidade (Nebraska Furniture Market) e uma corrida de 5km (patrocinada pela Brooks). Todas essas empresas são subsidiárias da Berkshire. Além disso, milhões de dólares são gastos na cidade no período, incluindo vendas pelas subsidiárias da Berkshire de chocolates, camisetas, casacos, meias, joias, imãs, bolsas, pijamas e mais vários outros itens.

Foi em meio a esse ambiente festivo que caiu como uma bomba o anúncio do Buffett de sua saída do cargo de CEO. Claro que não era um cenário fora de cogitação considerando sua idade (95 anos em agosto) e sua demonstração de maior fragilidade desde o encontro anual do ano anterior (o primeiro sem seu parceiro de décadas). Por outro lado, não é óbvio imaginar a saída de um controlador que é imagem da própria empresa e que ainda tomava decisões financeiras de enorme sagacidade.

Depois de anos criticado por não investir em empresas de tecnologia, Buffett iniciou em 2016 seu investimento de maior sucesso, ao perceber que a Apple era uma empresa de bens de consumo de luxo e não necessariamente um negócio de complexidade incompreensível.

Outra crítica comum à Berkshire era sua concentração geográfica nos EUA. Até que em 2019 a Berkshire investiu em cinco tradings japonesas, quando aquele país estava fora de moda – o oposto do que vemos hoje. Para completar, financiou parte da transação com a emissão de dívida em moeda local, a taxas de juros inferiores ao que essas empresas pagariam de dividendos a seus acionistas (dividend yield).

Finalmente, em um ano de grande volatilidade no mercado norte-americano, a Berkshire está com mais de 30% de seu valor de mercado em caixa, após trimestres de vendas de ações de suas investidas de capital aberto, incluindo uma redução de 70% de seu investimento em Apple.

Ou seja, é possível até argumentar que Buffett saiu no auge, o que combinado com sua idolatria causou o choque de quem estava presente no último encontro. Mesmo após minutos de palmas em sua homenagem, ainda havia muitos incrédulos na plateia, alguns desorientados. Foi o fim de uma era.

Mesmo com o anúncio de que Buffett continuará como presidente do Conselho de Administração da Berkshire, a especulação quanto ao futuro da Berkshire atingiu outro patamar desde 3 de maio. Se o dia-a-dia das subsidiárias pouco muda pois elas já estavam sob Ajit Jain (diretor de negócios de seguros) e Greg Abel (diretor dos demais negócios e CEO até o fim do ano), muitas dúvidas persistem. A maior é como será a alocação de capital da Berkshire, especialmente nos momentos raros com grandes oportunidades (como a atuação do Buffett na Crise de 2008) ou nas grandes aquisições (Apple, a ferrovia BNSF ou os negócios de utilities).

Abel terá que se provar alocando capital em outra escala em relação ao que fazia originalmente como gestor dos negócios de utilities. O atenuante é ter o Buffett como mentor nesse começo.

Ainda em alocação de capital, ficaria a responsabilidade de investir em empresas listadas em bolsas para os dois gestores contratados nos anos 2010 pela Berkshire (Todd Combs e Ted Weschler)? Não está claro se essa será a divisão de responsabilidades, tampouco se o histórico dos dois inspira otimismo (não há dados públicos). O maior elogio a um deles ocorreu na última reunião, quando Jain exaltou o desempenho de Todd como CEO da maior seguradora da Berkshire, a Geico. Por sinal, talvez o sucesso de Todd como executivo o credencie a sucessor de Jain.

Também não está claro o quanto Abel pode mudar aspectos emblemáticos da Berkshire. Em entrevista recente, o membro do Conselho da Berkshire, Ron Olson, demonstrou curiosidade em saber se Abel precisaria de mais suporte ao seu lado, enquanto hoje Buffett tem um time muito enxuto de executivos ao seu lado. Antes de 2018, a diretoria executiva da Berkshire era composta apenas por Buffett (CEO) e Marc Hamburg (CFO). Desde então, Abel e Ajit assumiram os cargos mencionados.

E claro, fica a dúvida de que alterações haverá no Woodstock do Capitalismo. Nos últimos dois anos, há sinal claro de redução de sua magia. Primeiro pela perda do Charlie Munger, falecido em novembro de 2023 e cujos comentários diretos e repletos de sabedoria eram destaque nas sessões de perguntas e respostas. Este ano, deixou de ser exibido antes do começo das perguntas o tradicional vídeo de apresentação, com imagens antigas da Berkshire, cenas de comédia preparadas para cada ano e as propagandas de empresas do grupo. Além disso, foi novamente encurtado o tempo de interação de Buffett com os milhares de presentes em Omaha. Mais importante ainda, desde que Abel e Jain ajudam na resposta a acionistas, é possível argumentar que suas respostas contribuem mais aos analistas da empresa, mas frustram muitos dos participantes por seu menor carisma do que Buffett e Munger. Muitos vão a Omaha em busca de respostas além da evolução do negócio da Berkshire, querendo entender o que Buffett e Munger achavam sobre temas variados: conselhos de vida e profissionais, opinião sobre criptomoedas, geopolítica e macroeconomia, o impacto de tecnologias na sociedade, dentre outros assuntos. Não há sucessor claro para essa função do “Oráculo de Omaha”.

Dessa forma, parece razoável imaginar que daqui a algum tempo, o “Encontro Anual dos Acionistas de Berkshire” estará mais próximo de uma burocrática “Assembleia Geral Ordinária dos Acionistas da Berkshire”. Contudo, seria cético de decretar o fim dessa grande festa. Mesmo imaginando uma redução massiva de sua escala, ainda é possível imaginar que milhares de pessoas encarem a viagem a Omaha como uma forma de melhor acompanhar um importante investimento que tenham e/ou de interagir com investidores de filosofia parecida com a sua. Não há um substituto claro para a capital do value investing no mundo.

Ademais, é possível que esse novo ciclo da Berkshire estimule um desapego saudável de muitos em relação a Buffett e Munger. Os dois são geniais. Mas o sectarismo pode cegar, como bem mostra o livro “O Poder da Persuasão”, uma das maiores recomendações de leitura do Munger e do autor Robert Cialdini (assíduo frequentador do encontro anual). É necessária crítica para aprender, especialmente com os ídolos.

E nesse aspecto, esse já é o grande legado de Buffett e Munger. A festa pode acabar, mas seus incontáveis aprendizados ficam. Muitos de seus ensinamentos são geniais justamente por sua simplicidade. Eles dão a falsa sensação de serem de fácil aplicação, o que subestima o valor dessa sabedoria. Mas a realidade, em investimentos e na vida, é bem diferente.

Um atributo essencial para o sucesso da Berkshire foi capacidade de Buffett e Munger se manterem racionais. Parece simples, mas esse grau de autocontrole contraria vieses comportamentais bastante estudados e estímulos sociais. Já com mais de 60 anos, os dois foram muito criticados por não compartilharem da euforia com empresas de tecnologia no final dos anos 90, antes de ficar flagrante seu acerto. A posição de caixa da Berkshire foi motivo de crítica por mais uma década para hoje ser motivo de admiração.

Por trás desses acertos, há um esforço contínuo em se manter racional e muito estudo. Ainda nos anos 90, Munger já havia compilado uma relação de 24 causas de erros de julgamento humano* a partir de seus estudos e de sua experiência de vida. Apenas anos depois o conhecimento de economia comportamental estaria mais difundido entre investidores.

*The Psychology of Human Misjudgment é uma transcrição de palestra do Charlie Munger na Universidade de Harvard em 1995. O texto pode ser encontrado na internet e no incrível livro Poor Charlie’s Almanack – que recentemente ganhou versão em português.

Outra demonstração de grande disciplina dos dois é na definição de seus círculos de competência para investir, ou seja, a abrangência de setores e empresas nos quais se sentiam aptos a investir. Parece evidente que qualquer um só deveria investir em negócios dentro dessa restrição. O admirável dos dois é o rigor na definição desse círculo de competência, conforme ilustrado pelos erros imateriais para o sucesso na Berkshire que foram cometidos e pela quantidade relativamente baixa de decisões de investimento que tomaram na carreira (quando comparado a outros investidores institucionais).

Mais um atributo essencial de sucesso em investimentos preconizados pelos dois é a curiosidade. Por sinal, essa foi uma mensagem mais forte de minha última viagem a Omaha, abordada por Buffett e Abel em suas respostas e por outros palestrantes que assisti (Charles Jennings, em cujo fundo de private equity o Munger investia, e Bill Ackman, fundador de Pershing Square). É a curiosidade em continuar aprendendo, permitindo se desvencilhar de preconceitos e hipóteses defasadas. 

Como diria Munger: “If you’re going to live a long time, you have to keep learning. What you formerly knew is not enough. If you don’t adapt, you’re like a one-legged man in an ass-kicking contest.”

É a curiosidade para entender minúcias de negócios para ter a convicção adequada para tomar decisões de investimento. É a curiosidade para compreender modelos mentais de fora de finanças que melhoram a tomada de decisão, a famosa multidisciplinaridade – novamente Munger: “To a man with a hammer, every problem is a nail.” 

É a curiosidade para estudar um pouco mais e ter um diferencial informacional frente a outros investidores (em vez de uma curiosidade apenas intelectual). Curiosidade como vetor de aprendizado constante é essencial para retornos excepcionais e, antes disso, sobreviver no mercado financeiro, onde a competição é altíssima.

Com o passar dos anos, fiquei mais admirado na capacidade de Buffett e Munger conciliarem esses dois atributos: rigor na definição de círculo de competência e curiosidade. É fácil se empolgar pelo conhecimento do que é novo, em particular porque é um processo prazeroso (irrigado por dopamina em nosso organismo) e porque, em investimentos, executivos são bastante talentosos em vender bem a tese de investimentos em suas empresas. Ter a disciplina de ignorar esse super estímulo de entrar em algum labirinto intelectual e acreditar em alguém cativante é uma lição que me ajuda recorrentemente.

A verdade é que a genialidade de Buffett e Munger não foi só inata, mas sim uma construção. Os dois tomaram uma série de cuidados de forma precoce de maneira a potencializar suas evoluções como investidores e indivíduos. Uma escolha flagrante é a escolha de bons parceiros, porque hábitos são contagiosos e a vida é curta para estar mal acompanhado. Outra é a demonstração de serem pessoas confiáveis e íntegras. O efeito cumulativo (compounding effect) de racionalidade, curiosidade, disciplina, boas relações e integridade é poderoso ao longo do tempo. É como o enorme poder de juros compostos na matemática após “n” anos.

Tive muitas experiências marcantes visitando Omaha ao longo dos anos, mas nada vai superar a emoção da passagem de bastão do Buffett para o Abel este ano. É o começo de uma nova fase para a Berkshire e para seus admiradores. Devemos incorporar o que aprendemos e honrar esse legado.

Como falaria Munger após uma resposta de Buffett no encontro anual: I have nothing to add.

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br