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A morte do diálogo: quem pensa diferente virou inimigo

A sociedade está sendo empurrada cada vez mais para suas “bolhas de concordância”

Por Thiago Salomão

04 Sep 2024 16h25 - atualizado em 04 Sep 2024 04h25

Schadenfreude é uma palavra alemã que significa “ficar feliz diante da desgraça alheia”. A palavra é formada pela junção de duas palavras: “Schaden”, que significa dano, tristeza ou prejuízo, e “Freud”, que significa alegria ou prazer. 

Quem acompanha o Market Makers de perto já aprendeu isso com Eike Batista no episódio 120. Ele usou essa palavra para expressar sua alegria ao ver a disparada de quase 1.000% das ações da Ambipar, que provocou um desespero em quem estava “short” (vendido) no papel – movimento que ele disse que queria ter visto com sua OGX Petróleo anos atrás.

Não acredito que esse tipo de sentimento seja saudável para um investidor. Mas eu, demasiadamente humano que sou, confesso que fico levemente feliz pensando na raiva dos pessimistas quando nossa carteira de ações dá aquela rasgada pra cima.

Conviver e debater com quem pensa diferente de você é condição fundamental para validar uma tese de investimentos. Você dificilmente encontrará a “próxima Nvidia” se conversar apenas com todos que concordam contigo e te digam “ótima ideia”.

Mas acontece que nos dias de hoje a sociedade está sendo empurrada cada vez mais para suas “bolhas de concordância”, seja em grupos de whatsapp ou redes sociais. Discutimos muito isso no mais recente episódio do Market Makers, com Maurício Moura. A conclusão foi: se você for extremista, você não vai a lugar nenhum.

(Pra quem não viu o episódio: Maurício é especialista em psicologia política pela Stanford, mestre em ciências sociais pela Universidade de Chicago e doutor em economia política pela FGV. Trabalhou em campanhas eleitorais de 12 países e é gestor do Zaftra Gauss, um fundo que opera apenas eleições).

Até pra quem não curte muito discutir política (eu, por exemplo) esse episódio traz insights valiosíssimos sobre o comportamento humano atual. Com a polarização sendo um processo global, o debate de ideias dá lugar aos confrontos; quem pensa diferente torna-se inimigo.

Num ambiente como esse, não há espaço para diálogo. Você precisa ter posição. Se você não é parte da solução, então é parte do problema.

Enquanto escrevia esta newsletter, via muitos dos grupos de mercado repercutirem este tweet do bilionário investidor Bill Ackman:

Em outubro do ano passado, Ackman tweetou que havia zerado sua posição vendida em bonds americanos e, logo após a mensagem, o rendimento das treasuries passou a cair forte:

Mas você deve concordar comigo que, mais útil do que saber qual será a reação nos minutos iniciais de pregão, é entender o quanto isso pode afetar estruturalmente o Brasil.

Tentando resumir o Brasil em parágrafo: no lado positivo, somos um país com PIB crescendo mais que o esperado nos últimos anos, com desemprego na mínima em 10 anos e sequenciais recordes de superávit comercial. No lado negativo, temos um fiscal totalmente desajustado e, dada a falta de flexibilidade do orçamento e carga tributária sufocada, a solução deve vir pelos juros.

Agora, imagina incluir nesta equação um risco institucional/constitucional? Em outras palavras, o quanto esta decisão do STF aumenta a probabilidade de nos tornarmos “uninvestable” (lembrando que não precisamos nos tornar “uninvestable” para sofrermos as consequências, basta o mercado atribuir uma probabilidade deste evento acontecer. Basta o rumor de corrida bancária para provocar uma corrida bancária).

Tal qual Schadenfreude, o termo “uninvestable” não tem tradução exata para o português. Vamos ter que usar o termo em inglês ou criar o neologismo “ininvestível”? Honestamente, torço para que a gente não tenha que se preocupar com essa escolha.

A corda está esticando e se estourar, vai faltar alheio para tanta desgraça.

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Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br