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A revolução que a indústria de fundos precisa enfrentar
"É preciso que os multimercados se reinventem e comecem a fazer coisas do zero, que adicionem valor ao cotista"
No futebol, quando todos os jogadores estão em campo pelo mesmo objetivo (ganhar a partida), as relações tornam-se muito mais sinceras – sejam os elogios ou as cobranças. Não importa se você é o CEO ou o estagiário da empresa, no campo somos todos iguais. E se não houver cobrança, não haverá mudança.
Percebi esta cobrança sincera no episódio 132 do Market Makers: foi como se Bruno Merola e Guilherme Zaczac jogassem no time “Indústria de Investimentos Futebol Clube” e foram bem críticos ao apontar o que o time todo (gestoras, distribuidores de fundos, investidores etc) precisa fazer para que alcance a vitória (que no caso seria um desenvolvimento sustentável da indústria).
Mais do que uma aula sobre o momento da indústria de fundos, esse episódio foi um grito por mudanças que devem ou precisam acontecer logo. Todo participante deste mercado deveria assistir, do mais nobre gestor ao pequeno investidor.
Deixo aqui as 3 principais reflexões que tive no episódio:
- O jogador multimercado precisa mudar seu estilo de jogo
Durante o episódio, perguntou ao Merola e ao Zaczac se o pior já havia passado para os fundos multimercados e eles disseram que não dava pra dizer se todo dinheiro já havia saído. Na semana seguinte, a Anbima mostrou que tivemos em agosto o maior resgate líquido mensal destes fundos em 2024: R$ 40 bilhões.
Sim, a Selic mais alta ajuda nos resgates, mas a janela ruim de performance nos últimos 3 anos e a bolsa com dificuldade de ter uma tendência contribuem para a saída em massa destes fundos.
Acontece que este evento pode não ser apenas cíclico: as mudanças regulatórias na indústria de fundos (em especial, o desmonte dos fundos exclusivos e as melhores regras para previdência) certamente farão com que essa classe de fundos não seja tão grande quanto no passado – a menos que eles mudem radicalmente.
Nas palavras de Guilherme Zaczac:
”É preciso que os multimercados se reinventem e comecem a fazer coisas do zero, que adicionem valor ao cotista (…) as taxas precisarão ser condizentes ao risco que o fundo corre: um fundo com volatilidade-alvo de 3 a 5 e que se propõe a entregar um sharp (retorno sobre o risco) na casa de 0,6 terá um retorno-alvo de “CDI + 3%”. Mas se ele custa 2% ao ano, tem algo errado aí, porque no final você tem um retorno líquido de CDI + 1%. Você tem que cobrar uma taxa que seja condizente ao nível de risco que sua estratégia se propõe a correr”.
“Nos EUA, as melhorias surgiram num momento de crise da indústria, em 2008: como havia menos dinheiro disponível, os investidores tornaram-se mais exigentes por custo. Daí surgiram os ‘mutual funds’, que são fundos com mais ‘beta’ e menos ‘alpha’ e, por isso, cobram menos. Nós precisamos passar por isso: todos os agentes participantes desta indústria precisam chegar numa conclusão de como vamos oferecer ao dono do dinheiro uma proposta de valor melhor. E acho que isso passa por entender como melhorar a relação entre custo e retorno”.
- Fundos de crédito: o “bola de ouro” pode virar o “bola murcha”
Boa parte do dinheiro que saiu dos multimercados pode ter ido para os fundos de crédito. A suspeita para isso é simples: além do alto montante que entrou nessa indústria, estes fundos cobram menos que o tradicional “2 com 20” dos multimercados e tiveram uma performance bem melhor nos últimos 18 meses.
Mas aí que mora o perigo.
Essa boa performance veio como consequência do “efeito Americanas”, que lá em janeiro de 2023 provocou uma abertura no spread de crédito (traduzindo: spread é o diferencial entre o juro praticado no mercado e o juro cobrado pela empresa; abrir significa aumentar; então, as empresas passaram a ter que pagar mais juros pela sua dívida emitida).
Quando o mercado percebeu que aquilo não se espalharia, os spreads foram se fechando. Os fundos de crédito, que foram às compras, tiveram uma gorda rentabilidade de lá pra cá. E com isso, esses fundos passaram a captar muito dinheiro.
Acontece que dizer “os spreads fecharam” seria análogo na bolsa a “o valuation está caro”. Muito dinheiro novo mas sem novas boas opções para alocar: uma combinação que a gente conhece o final. E essa história tem um agravante extra, como bem contou Bruno Merola:
“Grande parte dos investidores migraram seus investimentos em multimercados e ações, com desempenhos recentes abaixo do esperado, para o crédito, sem considerar a história que os spreads contam. Pra piorar, percebemos que grande parte desse fluxo foi para fundos de créditos muito líquidos [leia-se com prazos de resgates abaixo de 30 dias]”.
Num primeiro momento, fundos de alta liquidez parecem mais seguros, pois você pode resgatar rapidamente o dinheiro. Mas é exatamente o oposto: como os cotistas podem resgatar rapidamente, estes fundos estão mais suscetíveis a resgates em massa em qualquer momento de stress, provocando vender das posições para atender os resgates, provocando ainda mais queda nas cotas do fundo, provocando novos resgates e retroalimentando um ciclo vicioso.
Resumindo: se o investidor entrou nestes fundos de crédito pela performance dos últimos 18 meses, provavelmente está fazendo uma besteira das grandes.
- Fundos de previdência: o “Endrick” dos investimentos
Se existe uma classe com futuro promissor é a de previdência. Resumindo um papo que já ficou longo: a previdência precisa passar pelo seu próprio “financial deepening”, movimento que revolucionou a indústria de fundos a partir de 2016.
A regulação já permite que as estratégias de previdência já sejam tão boas quanto as estratégias “tradicionais”, mas ainda há muitos interesses que precisam ser quebrados para essa classe se desenvolver. “Previdência é o caminho que eu vejo com mais otimismo: se o investidor parar de ver a previdência como uma classe, ela tem tudo para andar”, resume Merola.