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A saudade de Luis Stuhlberger e João Braga

A definição de saudade nas falas desses dois grandes investidores nos traz a seguinte ideia: tenha uma carteira nem tão “Braga”, nem tão “Stuhlberger”

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

31 Jul 2024 14h15 - atualizado em 31 Jul 2024 02h18

A saudade de Luis Stuhlberger e João Braga

Saudade é a lembrança de se haver gozado em tempos passados, que não voltam mais; a pena de não gozar no presente, ou de só gozar na lembrança; e o desejo e a esperança de no futuro tornar ao estado antigo de felicidade”.

(Carolina Michaëlis, em “A Saudade Portuguesa”)

Existe uma grande mística em torno da palavra saudade. Ouvi, por muito tempo, que ela só existe na língua portuguesa e, como tal, não tem vocábulos equivalentes em outras línguas para que ela seja traduzida. Infelizmente, uma rápida pesquisa no Google me provou o contrário, mas fica o registro que a língua inglesa não possui uma tradução perfeita.

A palavra saudade descreve a mistura dos sentimentos de perda, falta, distância e amor. Ela pode ser algo mais fugaz e facilmente resolvida, como a saudade de ver uma pessoa querida  que você logo encontrará no fim de semana… ou ela pode ser perpétua, tal qual a saudade de uma época da vida que já passou, ou de um ente querido que já deixou esse plano.

A palavra saudade carrega um poder absurdo de ativar gatilhos totalmente diferentes na cabeça de cada um de nós. Não à toa ela é tão usada em poesias e letras de músicas em língua portuguesa.

Eu, por exemplo, estou sentido uma saudade gostosa neste momento: esta é a 100ª CompoundLetter que escrevo desde que o Market Makers nasceu. Enquanto escrevo, recordo dos anseios e expectativas que me guiavam na época da 1ª newsletter escrita.

Tive toda essa reflexão etimológica por ter visto dois grandes investidores ( Luis Stuhlberger e João Braga) usarem a palavra saudade na última semana para definir o momento atual do mercado brasileiro. Mas o significado embutido na palavra em suas declarações foi tão diferente um do outro que nem parecia que falavam do mesmo assunto.

Foram essas duas declarações:


Declaração 1: Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde, em entrevista ao Valor do dia 24/7.

“O governo do PT quer sempre acelerar, vai no limite. Só que aí obriga o BC a brecar, e se tirar esse equilíbrio, que é o que a Dilma fez, colocando o Tombini, aí há um estrago. Se isso acontecer, eu garanto que a coisa que você vai ter mais saudades é do tempo que conseguia comprar dólar a R$ 5,60, porque ele vai pra R$ 7”.

Declaração 2: João Braga, analista da Encore, no episódio #115 do Market Makers, publicado 25/7

“A gente normalizou coisas que não são normais e que vamos morrer de saudade: Localiza a 11 vezes o lucro [ou P/L de 11x], varejo a 10x lucro, Petrorio a 30% de “yield” de fluxo de caixa livre… estou no mercado desde 2000 e nunca vi coisas como essa. O valuation hoje das empresas brasileiras é mais barato do que no pior momento do Covid. Se eu tivesse uma máquina do tempo e levasse vocês de volta para o pior momento do Covid, vocês não comprariam bolsa?”

Stuhlberger, gestor de um dos mais longevos e vitoriosos fundos multimercados da história do Brasil, está preocupado com a filosofia de “gasto é vida” do PT e suas consequências no fiscal, pois caso isso ocorra a política monetária terá que atuar de forma anticíclica para aparar os danos (em outras palavras: o Copom vai ter que subir a Selic).

O medo do gestor do fundo Verde é que o próximo presidente do BC tome decisões com influência política ao invés de usar argumentos técnicos. Por isso, poderemos ter “saudade” desse dólar de hoje, pois ele pode ser ainda mais alto.

Braga, por sua vez, enfatiza os níveis baixíssimos de valuation da nossa bolsa, o que significa que se as coisas simplesmente pararem de piorar por aqui, podemos ter muito a ganhar em algumas empresas na bolsa. Nesse caso, a “saudade” que o gestor da Encore se refere está ligado a  uma grande oportunidade que pouca gente consegue perceber.

Mas qual seria o gatilho para o investidor perceber isso? Quem ouviu nosso episódio com o Braga já sabe que esse gatilho seria uma mudança de postura do governo e que, inclusive, já foi acionado:

Durante o episódio, Braga relembrou um evento que ocorreu em junho onde Rubens Ometto, “talvez o empresário mais regulado do Brasil”, nas palavras do Braga, disparou duras críticas ao governo neste evento. Após aquele evento público, outras vozes começaram a apontar os riscos da condução política do Lula. A partir daí, Lula parou de falar todo dia (o que estava causando stress no mercado) e o Haddad se prontificou a anunciar antecipadamente um contingenciamento maior do que o esperado. 

“O trigger que a gente precisava para melhorar já aconteceu. Mas a bolsa não andou porque ninguém está com coragem para fazer esse movimento”conclui Braga no nosso podcast.

Uma mesma palavra, mas diferentes conotações: será que teremos saudade do dólar “baixo a R$ 5,60” ou da bolsa nestes níveis ridiculamente baratos? Pra mim, essa divisão de opiniões só reflete o quão incerto está o mercado neste momento. Por isso, não é seguro nem se agarrar na convicção do Stuhlberger nem no otimismo do Braga.

No mercado financeiro, não precisamos aprender com nossos próprios erros: podemos tirar lições das decisões alheias. Meu conselho pro investidor diante disso é que equilibre sua carteira, diversificando o portfólio entre os dois cenários. Nem tão “Braga”, nem tão “Stuhlberger”.

No futuro, é melhor sentir saudade dos preços atuais do que sentir saudades do que você perdeu por colocar todas as fichas em um destes cenários.

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br