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A Tupy e seus incentivos

A nomeação de Rafael Lucchesi para o cargo de CEO da Tupy (TUPY3) não seguiu incentivos técnicos, mas sim conchavo político.

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

24 Mar 2025 12h37 - atualizado em 24 Mar 2025 12h37

“Mostre-me o incentivo e eu lhe mostrarei o resultado”.

Charlie Munger

Já escrevi em newsletters passadas sobre o poder dos incentivos. Nas palavras de Morgan Housel neste texto, essa é a força mais poderosa do mundo, que pode levar as pessoas a justificarem ou defenderem quase qualquer coisa.

A “trégua de natal” em 1914, durante a 1ª Guerra Mundial, ilustra bem isso: soldados britânicos e alemães pararam o combate por um dia para celebrarem a data juntos – até jogaram uma partida amistosa de futebol. No dia seguinte, eles voltaram a se matar.

O que você faria para manter o seu bem estar e o da sua família? Ou melhor: existe algo que você deixaria de fazer por princípios éticos e morais, mesmo que isso colocasse em risco o bem estar daqueles que você ama?

Munger explica: mostre-me o incentivo e eu lhe mostrarei o resultado.

Na última terça-feira, eu e o Matheus fomos surpreendidos com uma reportagem do Valor, apontando que a Tupy teria uma troca de CEO: o excelente Fernando Rizzo (7 anos como CEO e 30 anos dentro da Tupy) cederia a cadeira para Rafael Lucchesi, que por 18 anos preside a CNI e desde fevereiro de 2023 é presidente do conselho da BNDESPar.

A notícia da troca do comando na Tupy veio na mesma semana em que o Estadão informou que a CVM abriu processo para apurar a nomeação – na eleição de 2023 – dos ministros Carlos Lupi (Previdência), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Vinicius Marques de Carvalho (CGU) para o conselho da Tupy sem consulta prévia de conflito de interesses à Comissão de Ética. Os três foram indicados pela BNDESPar.

A notícia da troca de CEOs surpreendeu a todos, de investidores a executivos da Tupy, o que justifica a queda de 6% da ação minutos após a publicação.

Embora já era previsto em abril uma eleição para escolha do novo presidente da Tupy, o tema era tratado como uma formalidade e o Rizzo deveria ser mantido, dado o que ele vem fazendo – e que foi muito bem detalhado para mais de 160 mil espectadores em nosso podcast, em junho de 2024.

Parte do nosso otimismo ancorava-se ao contexto atual de descarbonização do planeta, sendo que a Tupy tem desenvolvido projetos que atendem esse propósito altruísta e também possuem alto potencial de rentabilidade. A liderança do Rizzo nesse processo era fundamental, como abordamos no episódio do Market Makers citado acima.

E nada contra o Lucchesi pessoalmente falando, mas havendo a necessidade (por mais estranha que pareça) de trocar o CEO da Tupy, por que não escolher alguém internamente? E se quisesse alguém de fora, por que não alguém com mais experiência na área ou em gestão de empresas?

Pois bem, o fato é que a indicação de Lucchesi dificilmente sofrerá resistência, já que ela foi feita pela BNDESPar e deve ter a chancela da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil). Juntas, elas têm 53% das ações da Tupy. No entanto, há questionamentos se ela está de acordo com a política de indicações do próprio BNDES:

Ficamos “decepcionados” (eufemismo ativado) com isso. E de novo, nada contra o Lucchesi, mas com as informações que temos em mãos de seu histórico profissional e de quem o indicou para este cargo, nós concluímos, como analistas de ações, que os principais incentivos para esta nomeação não foram técnicos.

(Vale dizer que, por conta disso, retiramos totalmente as ações da Tupy da carteira Market Makers na quarta-feira pela manhã).

No entanto, a publicação de uma reportagem indicando que havia um consenso entre quase todos os minoritários da Tupy sobre a indicação de Lucchesi nos causou estranheza – até porque, conversamos com muitos deles na própria terça-feira e não encontramos ninguém feliz.

Para sanar esta dúvida, fizemos na sexta-feira uma reunião com o 2º maior acionista minoritário da Tupy (Camilo Marcantonio, da Charles River), que foi transmitida para os membros do M3 Club, a fraternidade de investidores do Market Makers.

O resumo da conversa no M3: ele confirmou que a notícia foi uma surpresa negativa e que quase todos os minoritários não concordaram com a indicação, com exceção de um: o maior acionista minoritário, que é a Trígono.

Ele expôs essa opinião na coluna “Painel S.A.”, da Folha de S. Paulo, no sábado (Link aqui). E na manhã desta segunda-feira, enquanto eu finalizava esta newsletter, saiu no Brazil Journal uma apuração bem detalhada dessa história, feita pela competentíssima Ana Paula Ragazzi.

A matéria do Brazil Journal cita todos os minoritários contrários à indicação de Lucchesi – as gestoras 4UM Investimentos, Organon Capital, Charles River e Real Investor, que juntas somam quase 10% das ações da Tupy – e também traz a opinião da Trígono sobre o fato:

“O BNDES, maior acionista da companhia, fez a indicação de um nome de seu quadro para CEO e o conselho vai avaliar o assunto. A decisão será de todos os conselheiros, que trabalham para a companhia, não para um ou outro acionista. Eles votam segundo as próprias avaliações,” disse Werner Roger, gestor da Trígono.

Werner, já havia comentado a notícia da troca de CEO da Tupy em uma live no seu canal do Youtube na quarta-feira. Você pode ver o comentário entre 27:00 e 36:00 deste vídeo, mas deixo abaixo um resumo em tópicos da fala do Werner:

Às vezes o CEO quer sair. Ele já foi CEO por 7 anos, 14 anos como diretor e 30 anos de companhia.

A empresa pode escolher por indicar alguém de dentro ou ir atrás de alguém de fora. O conselho pode atuar indicando alguém. 

“Ah, mas ele não tem currículo de executivo”; por outro lado tem participação dentro da indústria (presidente da CNI) e como conselheiro do BNDES.

No final, quem decide são os conselheiros, que são 9, sendo 3 indicados pela BNDESPar, 3 pela Previ e 3 pelos minoritários e esses minoritários não atuam por ordem de uma gestora ou acionista, mas sim por todos os minoritários.

Nós acreditamos que podem vir outros esclarecimentos, como por exemplo: qual é a nova composição do conselho? Isso ninguém sabe, a gente vai ver na Proposta de Administração que vai vir no final de abril. Precisamos ver isso e saber se o Rafael Lucchesi vai ser indicado.

Ele não caiu de paraquedas, ele tem um cargo muito importante que é ser presidente do conselho do BNDES.

Em relação à governança, a Tupy tem um crescimento fantástico e os acionistas BNDES e Previ estão desde os anos 1970. Não lembro de decisões deles contra a empresa desde que estou dentro dela, não tenho lembranças disso, nem dos diretores quanto dos conselheiros. Pelo contrário, eles ajudaram nesse processo.

Quem soltou esse “furo” pro mercado pode ter feito só um balão de ensaio pra ver a reação do mercado.

Não há porque eu fazer qualquer objeção à governança da Tupy, jamais me senti prejudicado.

Era possível concordar com o Werner sobre os acionistas ligados ao governo nunca terem prejudicado de forma tão significativa os planos da Tupy… até agora.

Não vejo incentivos para achar razoável essa troca repentina de CEOs. Os minoritários precisam se unir para conseguir influenciar BNDESPar e Previ a repensarem esse processo – seja indicando alguém mais preparado ou até, quem sabe, manter o Rizzo.

Essa sucessão precisa ser baseada em tecnicidade, e não em conchavo político. 

Para isso, é necessária a união de todos os minoritários, inclusive a Trígono, que além de ser a principal minoritária também tem uma maior proximidade com a Previ: em outubro de 2024, a Previ anunciou que iria terceirizar até 1% dos R$ 74 bilhões da sua carteira de renda variável (equivalente a R$ 740 milhões). Segundo reportagem da Funds Society, a Trígono era uma das gestoras pré-aprovadas.

Vale lembrar também que a Trígono tem como sócia a BB Asset, que comprou uma fatia ”minoritária relevante” na gestora em 2023.

Roger rebateu, ao Brazil Journal, as dúvidas do mercado de que essa proximidade possa afetar sua independência: “Me assusta este tipo de associação com BB. O que tem a ver BB com isso? Quem indicou um nome para possível eleição pelo CA (Conselho de Administração) foi a BNDESPar,” disse o gestor da Trígono.

Bom, em meio a essa guerra de narrativas, nós, do Market Makers, torcemos para que essa história termine guiada pelos incentivos corretos. Para nós, está claro qual é o incentivo que move os minoritários – e eles são bem diferentes dos incentivos do Previ e BNDESPar.

Fechando com uma reflexão mungeriana: se o incentivo da indicação do CEO da Tupy não for técnico, qual será o resultado final?

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br