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A última decisão de Daniel Kahneman
Será que foi uma decisão coerente ou apenas um de medo profundo?

Meu “trabalho” no Market Makers consiste em duas tarefas principais: ler e conversar. Passo o máximo de tempo lendo notícias, livros, relatórios, estudos, resultados… quando não é isso, estou conversando com algum investidor, executivo, analista ou “conversando” no podcast.
E no meio de tantas leituras que fazemos, um texto de março deste ano publicado no The Wall Street Journal ainda ecoa na minha cabeça como uma das leituras mais impactantes que fiz nesse ano – e quiçá na minha vida inteira.
E como eu percebi pelas minhas interações (lembre-se que meu trabalho é “ler” e “conversar”, risos), que muita gente não leu este texto, resolvi transformar minha newsletter num resumo + reflexão.
O título do artigo é “The Last Decision by the World’s Leading Thinker on Decisions” (na tradução livre: A Última Decisão pelo Maior Pensador do Mundo sobre Decisões) e conta sobre a decisão de Daniel Kahneman fazer seu “suicídio assistido”.
Sim, este foi o primeiro grande choque com o artigo: Kahneman morreu em 27 de março de 2024 mas a causa não foi revelada. Somente um ano depois, com a publicação deste texto, o mundo soube da decisão dele tirar a sua própria vida na Suíça – um dos poucos países do mundo onde é permitido esse processo.
Ok, vamos ao texto
Daniel Kahneman passou a vida estudando como nós, seres humanos, tomamos decisões ruins. Mostrou que não somos racionais, mas inconsistentes, emocionais e muitas vezes enganados por nós mesmos. E, no entanto, quando chegou a sua vez de tomar a decisão final — como morrer —, ele pareceu aplicar uma lógica fria, quase matemática: não queria viver o que considerava “os anos supérfluos da decadência”.
Em março de 2024, aos 90 anos, ele escreveu um e-mail de despedida aos amigos: estava a caminho da Suíça, onde encerraria a própria vida em uma clínica de suicídio assistido.
“Esta é uma carta de despedida que estou enviando aos amigos para dizer que estou a caminho da Suíça, onde minha vida terminará em 27 de março”, dizia a mensagem.
Kahneman não sofria de dores atrozes, tampouco apresentava sinais claros de declínio cognitivo. Pelo contrário, ainda trabalhava em pesquisas. Vinha de dias mágicos em Paris ao lado da parceira Barbara Tversky e da família. Ria, caminhava, escrevia. Estava lúcido — e, por isso mesmo, decidiu parar.
Jason Zweig (renomado jornalista e autor de diversos best sellers de finanças) foi o autor do artigo publicado no WSJ e conviveu com Kahneman por três décadas. Ele descreve o incômodo de não ter tido a chance de dizer adeus. E levanta a questão central: como o maior estudioso das falhas de decisão chegou a essa escolha?
Será que foi uma decisão coerente com sua teoria do “cálculo hedônico” — pesar benefícios e custos da vida restante? Ou apenas um de medo profundo de perder a própria consciência, como já havia testemunhado na doença da mãe e da esposa? (Nesse medo, aliás, os relatos são bem fortes no texto de Sweig).
Philip Tetlock, outro psicólogo renomado, disse: “Nunca vi uma morte tão bem planejada”. Annie Duke (autora de “Pensar em Apostas”), por outro lado, ficou frustrada: “Há uma diferença entre parecer cedo e ser cedo demais”.
Essa ambivalência é o ponto. Para uns, ele foi racional até o fim. Para outros, prisioneiro de uma crença antiga que não conseguiu reavaliar, apesar de sempre ter se orgulhado de mudar de ideia.
O que me impressiona é como sua decisão escancara um dilema que vai muito além da biografia de um Nobel: a morte é um ato individual ou coletivo? É só nosso direito decidir quando ir embora, ou devemos permanecer pelo impacto que causamos nos que ficam?
Kahneman escreveu ao final do email:
“Não estou envergonhado com minha escolha, mas também não tenho interesse em torná-la uma declaração pública. A família vai evitar dar detalhes sobre a causa da morte na medida do possível, porque ninguém quer que isso seja o foco dos obituários. Por favor, evite falar sobre isso por alguns dias”.
E logo continuou:
“Descobri depois de tomar a decisão que não tenho medo de não existir e que penso na morte como dormir e não acordar. O último período realmente não foi difícil, exceto por testemunhar a dor que causei aos outros. Então, se você estava inclinado a ter pena de mim, não fique”.
A serenidade dele contrasta com a dor dos que ficaram. E talvez essa seja a resposta desconfortável: nossas decisões sempre têm duas faces, a racionalidade que aplicamos a nós e a irracionalidade do impacto que causamos nos outros.
A leitura me trouxe inúmeras reflexões e nenhuma conclusão. Mas me lembro do primeiro podcast que gravei após ler este artigo, com Martin Escobari, da General Atlantic. Ele falou muito sobre Kahneman e, mais perto do fim da conversa, perguntei a ele o que achara do texto publicado no Wall Street Journal.
Martin respirou profundamente antes de responder, como se tivesse ficado emocionado ao recordar do texto ou do amigo, e disse: “nos EUA, 95% das pessoas morrem no hospital. Só 5% delas são médicos. Eu acho que escolher como morrer é divino. Eu sei que os religiosos vão me odiar, mas eu entendo a decisão dele”.
O link do artigo está aqui (é só para assinantes), mas se você chegou até o aqui, me responda este email pedindo o texto que eu te mando.