Notícia

7min leitura

icon-book

8 lições que Abel Ferreira me ensinou

Sua forma de liderar tem muito a ensinar

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

03 Nov 2025 09h55 - atualizado em 03 Nov 2025 01h51

Eu poderia escrever linhas e mais linhas exaltando a vitória de 4 a 0 do Palmeiras sobre a LDU, a maior virada da história do time na Libertadores e o carimbo para a 3ª final no torneio continental em 5 anos.

Mas o que interessa aqui não é o placar ou a festa que nós palmeirenses fizemos. É sobre processo, crença e personalidade. E sobre como a forma de liderar do Abel Ferreira tem muito a ensinar, sobretudo a quem precisa performar sob pressão.

Pela minha paixão futebolística, acompanho cada passo do Abel Ferreira no Palmeiras nestes 5 anos que ele acabara de completar como treinador do time. E não apenas acompanho pelos jogos e coletivas, mas também pela leitura do seu livro, “Cabeça Fria, Coração Quente”.

Abel é um exemplo de líder antifrágil. Manter-se técnico durante tanto tempo, enfrentando críticas, desconfianças, crises e provações, mostra uma combinação rara entre resiliência, lucidez e fé no trabalho bem-feito.

Revisitei algumas anotações minhas e preparei um playbook de liderança com 8 lições que extraí dele:

1. Não há fórmula mágica, há processo

“Todos que têm uma empresa ou gerem uma equipa procuram a fórmula mágica do sucesso. Eu acho que não há fórmula mágica — há um processo que nos aproxima mais dos resultados.”

Parece clichê, mas Abel reforça que consistência não se compra em farmácia. É preciso método, repetição, preparação e — principalmente — gente que acredita no plano mesmo quando o placar ainda está 0x0 – ou até 3 a 0 para o adversário.

O cronograma de uma virada histórica como a que vimos na Libertadores obviamente só começa após a derrota… mas a preparação vem de muito antes, pelo planejamento técnico, pela confiança na repetição do processo e pela escolha de quem estará em campo quando o jogo pedir.

2. “Com quem eu vou trabalhar?”

Pouca gente entende o valor dessa pergunta tanto quanto Abel Ferreira: “a base de tudo é o planejamento. Quem eu quero que trabalhe comigo? A capacidade que eu tenho para escolher as pessoas certas é o que define tudo”.

Para ele, há uma diferença fundamental entre os melhores e os certos. As pessoas certas são aquelas que compartilham o objetivo comum, que sabem o papel que têm no time e que estão dispostos a pagar o preço da excelência.

Na coletiva após o jogo com a LDU, Abel destacou o caráter do Raphael Veiga, embora tenha revelado a chateação do jogador com ele após tê-lo substituído no jogo que o Palmeiras perdeu por 3 a 0. Falou também sobre as virtudes pessoais do jovem Allan, que foi destaque da partida de volta e que dias antes havia ganhado um aumento por causa de sua dedicação.

Na sua empresa, o que vale mais: pessoas talentosas ou pessoas alinhadas e com caráter? Como Abel disse uma vez num evento no mercado financeiro: um líder precisa saber comunicar, delegar e, o mais importante, CUIDAR. 

3. “Eu só quero a melhor versão de cada um”

Essa frase foi dita pelo Abel, mas mereceria ser dita para cada investidor (seja profissional ou amador) que fica se comparando com outros investidores ou fundos afim de ter uma melhor avaliação sobre si próprio.

“Eu não tenho que me comparar com o Guardiola ou com o Bernardinho. Tenho que perceber qual é a minha melhor versão — e torná-la o mais consistente possível.”

Abel não exige que cada jogador seja o melhor do mundo, mas exige que seja o melhor de si mesmo todos os dias. E, pra isso, o líder precisa conhecer quem está à sua frente.

Por isso, Abel diz que o líder precisa ter uma comunicação eficaz, decisiva, inclusiva e prática.

Ele sempre ressalta que não adianta pedir mais de 3 coisas para um jogador antes da partida, pois a pilha do jogo o impede de absorver tudo. Além disso, a importância da transparência e de dizer “um não honesto e um frontal ao invés de um sim falso”.

4. Liberdade é combustível de performance

Em complemento à lição acima, Abel já disse: “quando coloco cercas à volta das pessoas, mandando ‘faz isto, faz aquilo’, eu acabo castrando o potencial máximo delas.”

Quantos gestores e diretores criam processos tão rígidos que aniquilam o talento que contrataram?

Abel entende que a verdadeira liderança não é controle — é contexto. Ele mostra o mapa, mas deixa o jogador encontrar o melhor caminho até o gol.

Até porque, como ele mesmo já disse: dentro de campo, quem decide o que será feito é o jogador. O treinador pode no máximo dar a orientação, mas a escolha no final é do atleta.

5. “Os bons jogadores são os que fazem os outros melhores

Um craque que melhora seus números mas destrói o espírito coletivo é o equivalente, no mundo corporativo, a um “top performer” que faz o time todo querer pedir demissão.

Abel prefere quem multiplica o ambiente a quem monopoliza o destaque. Isso inclusive foi notório em certa fase do Palmeiras onde alguns promissores jogadores da categoria de base começaram a ser cada vez menos escalados no time principal. O aspecto comportamental pesou para essa decisão.

Infelizmente, muitos destes jogadores estão hoje bem distantes do seu potencial apresentado no início de carreira no Palmeiras.

6. Ninguém nasce campeão. Campeão se forja.

“Você pode nascer com um talento, mas o campeão vai muito além disso. O campeão é aquele que faz com que o time performe melhor. É quem treina, dedica, se entrega, lida com pressão e faz os outros crescerem.”

Craque ganha jogo, mas não necessariamente o campeonato. Para isso, é preciso ser dedicado, acreditar no processo repetitivo de buscar excelência todos os dias – mesmo quando não tem troféu. Transformar talento em hábito – e hábito em cultura.

Impossível eu não lembrar do meu sócio Josué ao ler isso, pois foi com quem eu mais aprendi a importância da consistência e do “trabalho chato”. E sem querer soar convencido, mas cada vez mais consigo ver esse aprendizado no meu trabalho como entrevistador.

7. Amor pelo jogo, paixão por competir – mas tudo tem um preço

“O que me move é a paixão por competir e o amor pelo jogo”, já disse Abel. Mas tenho que dizer que não basta apenas isso: a resiliência do Abel é totalmente fora do normal e para tirar a prova disso basta ver essa imagem de quantos treinadores os 4 grandes clubes de São Paulo tiveram nos últimos 5 anos:

Abel ama o que faz, mesmo quando o amor dói: ele já foi duramente criticado pela torcida (acredite, até hoje há quem não queira mais ele como técnico do Palmeiras).

Mesmo quando o time é criticado, a imprensa persegue e os resultados oscilam. Amor pelo jogo é o que faz você levantar todos os dias pra fazer de novo. 

Mas isso tem um preço: uma passagem do Abel que ficou muito marcada foi quando, ao ser eleito melhor técnico do Brasil, ele disse que o preço disso foi que ele foi um pior pai e um pior marido. Nem todos estão dispostos às renúncias que precisam ser feitas para ser o melhor.

8. Cabeça fria, coração quente 

Pra encerrar, a frase mais icônica de Abel. Sinta tudo, mas decida como se nada estivesse em jogo.

Conclusão 

A beleza do futebol está no aleatório, e o Abel fala isso sem medo: existe um acordo com o acaso. Às vezes entra, às vezes não. A paz vem de fazer tudo que está sob seu controle — desenho, treino, gente, contexto, mensagem, execução. O resto é bola batida na trave.

Abel havia prometido uma “noite mágica” na quinta-feira da virada histórica. Mas quem conhece bem o Abel sabe que essa magia nada tem a ver com a ideia de uma solução tirada da cartola inesperadamente. Ela tem a ver com método e processo.

Ou como ele mesmo definiu na coletiva pós-jogo com a LDU: “Magia é acreditar sem ver — e trabalhar como se o milagre dependesse de você.”

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br