Notícia

4min leitura

icon-book

RIP, bolsa brasileira

A sucessão de anúncios em 2024 fez a bolsa se auto penitenciar. Já debilitada, teve seu óbito confirmado na última semana

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

15 May 2024 10h12 - atualizado em 15 May 2024 10h15

RIP, bolsa brasileira

É o fim da bolsa brasileira.

O choro já foi chorado e o velório já foi contratado. O “bull market” tentou a duras penas ressurgir, mas a falência múltipla de órgãos foi mortal.

Para muita gente, era óbvio que iria acontecer, basta ver os inúmeros avisos sobre a bolsa brasileira é um ativo ruim sobre o Brasil não ter a menor chance de dar certo – até o Stuhlberger jogou a toalha para o Brasil ao anunciar que trocou a antiga posição que tinha em “B longa” (Tesouro IPCA de vencimentos longos) pelas “tips”, produto análogo lá dos EUA.

Acendam as velas e rezem para os seus deuses favoritos: a bolsa brasileira morreu.

Tenho em mãos o obituário:

Infarto causado pela ansiedade por uma queda de juros nos EUA

A paciente ansiava por uma longa sequência de queda de juros nos EUA. O obituário diz que no final do ano passado ela previa 7 doses do ansiolítico ao longo de 2024, com a primeira dose concedida em março. Mas a dose foi primeiramente postergada para junho, depois setembro… agora deve vir apenas em dezembro.

A paciente, que condicionava a essas doses o principal remédio deste ano, cedeu tal qual um viciado sofrendo de abstinência.

Frustração Selicana de dois dígitos

Sem os juros caírem lá fora, ficou difícil para o BC do Brasil justificar o ritmo de corte esperado. Isso porque o “diferencial de juro” entre EUA e Brasil não pode ficar muito baixo (não temos a mesma credibilidade dos americanos, então nossa taxa tem que ter uma boa gordura). O senso comum da medicina sugere 4,5 a 5,5 pontos a mais na dose de Selic sobre Fed Fund Rate (que atualmente está em 5,25% e por lá deve ficar em 2024). Fica difícil esperar uma Selic de “um dígito baixo” nessas condições.

A última reunião do Copom foi a pá de cal para este cenário: o “doutor” Felipe Guerra, da Legacy Capital, definiu em entrevista ao Neofeed que a decisão provocou um “bear steepening”, que é quando os juros abrem como um tudo, com a curva inclinando. Isso porque o BC foi “hawkish” (ao cortar a Selic em apenas 0,25 p.p.) e ao mesmo tempo que a expectativa para a inflação piorou. Esse choque foi mortal para o já morimbundo bull market.

Escoamento de liquidez para substâncias viciantes 

Paralelo a esses dois eventos acima, a paciente já sofria com a saída de glóbulos para uma substância que atacava em cheio a renda variável. Essa substância é de difícil combate pois ela apresenta muitas características capazes de tornar seu usuário dependente: isenção de imposto de renda, liquidez relativamente alta e boa remuneração. 

Essas substâncias são conhecidas pelas suas siglas (CRI, CRA, LCI e LCA) e contam com o empurrão de agentes externos para chegar ao usuário final. Algumas medidas recentes foram tomadas para reduzir o efeito desses sintéticos no organismo, mas a frustração Selicana infelizmente ofuscou isso tudo, levando a paciente ao óbito antes dos efeitos positivos aparecerem.

Hemorragia de resgates de investimentos na região dos fundos

A Selic alta e os vários produtos incentivados têm provocado um sangramento na região dos fundos, que ainda se agravou pelo quadro de baixa performance que estes fundos estão apresentando, principalmente na região multimercado. Estima-se que centenas de bilhões de glóbulos reais foram evacuados destes fundos nos últimos dois anos – e a sangria continua.

Auto penitência no lado esquerdo do peito por acreditar em quem não devia

Um quadro que dificilmente causaria o óbito da paciente, mas a combinação de todos os fatores fez com que esse fosse a gota d’água. A paciente acreditou que sua própria recuperação poderia vir de uma maior disciplina fiscal por parte do governo, após bons sinais emitidos ao longo de 2023. Contudo, a sucessão de anúncios em 2024 fez a bolsa se auto penitenciar. Já debilitada, teve seu óbito confirmado na última semana.

O velório da bolsa aconteceu na segunda-feira (13 – sugestivo) após o fechamento do pregão. A cerimônia será conduzida por todas as celebridades da “fintwit”, anônimas ou públicas, que já sabiam que tudo isso iria acontecer pois proferiam “faz o L” a torto e a direito – embora não se tenha notícia de que nenhuma delas ficou rica apostando contra o Brasil nesse período.

Então se você tinha esperança que a bolsa sobreviveria a isso, esqueça. Afinal, é assim que as pessoas ficam ricas no mercado de ações: evitando ele quando todos estão fugindo e ninguém quer ouvir falar de bolsa, para comprar só depois que a capa da revista semanal apresenta os novos milionários da bolsa e os fundos estão captando dinheiro até as tampas.

Então deixe de lado os vários resultados positivos que muitas empresas brasileiras divulgaram nas últimas semanas, ignore as velhas lições de behavior finance como “não siga a manada” e faça de conta que o mercado não colocou o “pior cenário possível” já nos preços dos ativos: compre uma vela bem bonita, um arranjo de flores e compareça ao velório da bolsa brasileira.

Ah, e compre dólar. Dizem que é uma excelente proteção em tempos de bolsa ruim.

(ps: contém ironia).

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br