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Brasil: Um Mau Começo (mas ainda não é um problema)
Colunista convidado da semana: Sandro Sobral, head da tesouraria do Santander Brasil
Colunista convidado: A newsletter de hoje é um texto escrito por Sandro Sobral, head da área de mercados da tesouraria do Santander Brasil. O texto foi enviado à sua base de clientes no dia 4 de janeiro e acabou viralizando no mercado de tão bom que ficou.
Certamente foi a leitura mais compartilhada e debatida da primeira semana do ano e, por isso, pedimos ao Sandro a permissão para traduzir o texto e enviar para nossa base.
Com a permissão concedida, aqui está, com exclusividade para os leitores da newsletter do Market Makers, a tradução do texto de Sandro Sobral. Boa leitura!
O início do ano não parece promissor para os mercados dado a ainda falta de clareza do cenário. E isso não é necessariamente um problema, mas talvez um sinal de que as coisas não serão fáceis este ano, especialmente porque em janeiro de 2023 a situação era praticamente oposta: todos estavam pessimistas, havia muita gordura nos preços. Agora é o contrário, com vários mercados (quase) precificados à perfeição.
Pode parecer estranho dizer que 23 era mais promissor com todos ‘pessimistas’. Veja, isso é um texto sobre mercados e investimentos. Sobre oportunidades. E o que vamos discutir abaixo é se os preços, o cenário e o posicionamento dos investidores combinados condiz com o otimismo geral dos mercados atuais.
Eu admito ter uma obsessão pelos aspectos psicológicos do mercado. E venho insistindo há algum tempo que os investidores locais têm sido mais dogmáticos (e muitas vezes passionais) do que pragmáticos. As narrativas são ajustadas ao seu portfólio e posicionamento, com os fundamentos e os níveis de preço sendo consistentemente ignorados ou mesmo ajustados.
Temos uma geração de investidores que não sabe lidar com juros altos e com a falta de incentivos fiscais e monetários maciços e contínuos, uma geração impaciente, exposta a um excesso de informações “fast food”. Tudo isso, em conjunto, tem adicionado extrema volatilidade aos preços de mercado sem que necessariamente os fundamentos básicos da economia tenham mudado.
Um bom (e muito inteligente) amigo meu compartilhou dois artigos que exploram o excesso de volatilidade e a amplificação de ruídos provenientes de ‘feedbacks endógenos’ – um está disponível em nature.com e o outro é o clássico artigo ‘Speculative Asset Prices’ de Robert Shiller. Eles exploram a ideia de que os preços dos ativos flutuam muito mais do que os fundamentos dos próprios ativos e da economia. Uma antiga teoria que se provou agora mais válida do que nunca.
Os mercados financeiros são um sistema complexo, dada a imperfeição das informações, as motivações heterogêneas, as restrições institucionais e regulatórias, entre outras coisas. Os ‘feedback loops’ (ou os efeitos reflexivos) são determinantes cruciais do sistema financeiro – e isso foi massivamente exacerbado por dois fatores. Um é doméstico e o outro é global.
O fator doméstico é o quão grande é o tamanho da indústria financeira brasileira em relação à sua economia. Além disso, o mercado financeiro no Brasil está amplamente concentrado em uma pequena região, com pessoas que compartilham o mesmo estilo de vida, a mesma educação, a mesma ideologia, as mesmas histórias e, normalmente, agem como um grupo único. Isso significa que os participantes locais tendem a ter as mesmas visões e posições ao mesmo tempo – o que é bom (e funciona bem) apenas quando o mercado tem uma tendência clara e sólida. Isso aconteceu, por exemplo, durante os longos ciclos de flexibilização e de aperto monetário no Brasil, mas também durante o ciclo de aperto nos EUA, assim como durante a interminável tendência de alta nos mercados de ações dos EUA (e em menor magnitude, a bolha no mercado brasileiro de ações também). No entanto, isso normalmente se torna um desastre quando o mercado está instável e sem uma narrativa clara para se apegar, onde a volatilidade acaba por tirar todos do jogo.
O aspecto global é o fato dos mercados terem ficado viciados em estímulos e medidas emergenciais de resgate dos governos que agora não existem mais, não são mais possíveis. Assim, os investidores precisam se ajustar e aprender a navegar sem esses fatores, o que está adicionando volatilidade extra aos mercados globais.
E ambos os fatores combinados explicam o desempenho horrível da gestão de riscos no ano passado, bem como o motivo pelo qual os economistas em geral têm estado tão errados nos últimos anos. Até mesmo analistas de ‘baixa frequência’, que deveriam se atentar ao longo prazo, têm oscilado entre o pessimismo e o otimismo, e vice-versa – e estão consistentemente contaminados por ruídos e pelo efeito reflexivo também, mudando seus cenários com uma frequência não-usual. E agora eles estão bastante otimistas – uma grande mudança do que se ouvia há pouco tempo atrás.
Eu estive ausente por duas semanas, mas observei que os investidores (especialmente os locais) estão extremamente alavancados no Brasil de novo. Também estou surpreso ao ver que boas gestoras com histórico sólido (e que estavam reticentes) acabaram por se juntar também ao novo consenso otimista – gestoras que estavam mais cautelosas estão agora fortemente expostas e apostando numa possível valorização adicional do BRL (real) – uma aposta com a qual eu não concordo.
Nosso mapa de calor (no qual tentamos estimar o posicionamento dos fundos aos ativos de risco) mostra que o posicionamento técnico voltou a ficar horrível em meio a preços que não são mais baratos, para dizer o mínimo. E isso talvez esteja por trás desse péssimo início de ano – não há ingredientes novos para sustentar outra rodada positiva no mercado, já que a economia global não está desacelerando como esperado e as quedas na inflação estão parcialmente precificadas nos ativos. Um possível gatilho para outra rodada de otimismo – o primeiro corte nos EUA – não acontecerá agora.
Olhando os fundamentos, minha visão para o Brasil não mudou muito: a inflação continua bem controlada, a economia está desacelerando lentamente, o balanço de pagamentos permanece bastante sólido e o governo continua a ter uma abordagem pragmática em relação à economia.
A questão é que isso parece estar totalmente precificado em alguns ativos: a curva de juros está “flat”, as inflações implícitas das NTN-Bs historicamente baixas e a nossa moeda já vem se valorizando há um tempo. O mercado precisa de mais combustível para continuar performando bem. Novas notícias e eventos que finalmente possam dar início a uma nova e clara tendência.
A propósito, é bem curioso ouvir de alguns investidores outrora críticos suas opiniões sobre o governo e comparar com o que eles diziam há um ano. E é curioso ver que nada dramático realmente aconteceu, já que a história fiscal continua sendo um grande desafio – e também o principal risco para o cenário, que deverá trazer mais volatilidade muito em breve.
Mas a questão é que, infelizmente, o mercado não se importa muito com o fiscal se algumas condições forem atendidas: a credibilidade do discurso (onde ajustes são prometidos para um futuro longínquo), a calibração adequada da política monetária (que ‘compensa’ o eventual risco) e as condições globais, que sempre predominam desde que se faça parte do sistema financeiro global. E o Brasil está dentro dele. E esse ‘mundo’ ainda parece conspirar para nos ajudar.
Olhando para trás, o real brasileiro “outperformou” em momentos em que a qualidade da gestão fiscal e econômica não era boa no País e se saiu muito mal em tempos de austeridade e reformas. Isso pode parecer contra-intuitivo, mas não é: outras variáveis são tão ou mais importantes para definir o desempenho de uma moeda. Estimamos que entre 70-75% do desempenho do Real é explicado por variáveis não-domésticas.
Os mercados são essencialmente pró-cíclicos e “curto prazistas”, e é por isso que os formuladores de políticas devem ignorar os ‘oráculos de plantão’: eles não se importam com nada que não seja suas próprias posições. E a teoria de ‘mercados perfeitos’ está longe de ser verdadeira.
E o Real, na minha visão, normalmente se sai bem quando:
- A economia está crescendo;
- O fiscal é expansionista até o ponto que não impacte a percepção de solvência (porque ajuda o crescimento de curto prazo);
- O governo tem credibilidade (um conceito geral, etéreo e difícil de descrever);
- O governo tem apoio social e político (do Congresso, do STF, o que reforça a própria credibilidade);
- As taxas de juros são suficientemente altas em relação às taxas nos EUA, compensando o maior risco; mas não altas demais que comprometam a percepção de solvência fiscal;
- Os preços das commodities estão altos;
- E, claro, se o dólar estiver se enfraquecendo, o que é basicamente determinado por um equilíbrio entre o juro e o crescimento da economia americana.
É por isso que o Real foi mal entre 2019-2022 (apesar da abordagem ‘pró-mercado’ ou ‘reformista’ percebida na época) – o BC cometeu um grande erro na política monetária, baixando excessivamente o juro . E em 2017-18, o Real não foi tão bem como se esperava porque o governo daquela época era percebido como temporário e não tinha apoio social suficiente para promover uma dura estabilização fiscal através de uma contração massiva da economia que poderia eventualmente causar efeitos colaterais indesejados, com risco da própria volta de um populismo reativo aos ajustes que precisavam serem feitos. Além do que, o dólar estava em período de fortalecimento.
Vejo o mercado superestimar o Real (e o quanto ele pode se valorizar) usando razões duvidosas: o saldo da balança comercial e, principalmente, da conta corrente não são os principais motivos para explicar a valorização da moeda, mas sim uma combinação dos 7 fatores listados acima. O Real se valorizou, inclusive, em períodos de forte deterioração da conta corrente.
Não há uma narrativa estrutural para sustentar uma posição comprada em real, embora eu veja este nível de preço (e próximo a R$ 5,00) como uma possível ‘zona de venda de dólar vs real’ – mas isso é apenas uma visão especulativa, não um caso estrutural. Não podemos confundir ‘trading’ com ‘grandes cases’. O cenário base é algo mais próximo da estabilidade.
Em resumo: o mercado está bem alocado em Brasil, e o atual nível de preços não está mais tão atrativo. Existem riscos de curto prazo a serem monitorados: uma frustração dos mercados se as taxas nos EUA não andarem como o esperado caso a economia e a inflação permaneçam resilientes. E isso poderia impactar o próprio dólar. E, ainda, teremos as discussões sobre como conduzir a meta de equilíbrio fiscal e dos mecanismos de ajustes do Arcabouço Fiscal que terão que ser acionados.
O crescimento está desacelerando no Brasil, e não está claro como o governo reagirá a isso, nem como ele vai lidar com o problema fiscal. Não gostamos mais de ter exposição em “duration” [prazos longos] no Brasil, já que vejo a curva de juros muito plana para os riscos existentes. Em contraste, as taxas reais ainda oferecem algum prêmio, pois a combinação de inflação implícita e de juro real está atraente.
Por outro lado, o governo conseguiu equilibrar as diferenças entre diferentes grupos políticos – e isso é bom e é o pilar principal da democracia, algo que foi subestimado pelos investidores locais mas muito valorizado pelos investidores estrangeiros que hoje nos veem como um país relativamente estável em um mundo instável.
Sua relação com o STF e o Congresso claramente melhorou, e o seu apoio social permanece estável em um nível razoável, enquanto uma oposição forte e visível o impede de implementar medidas ruins para a economia, já que o apoio da sociedade depende muito de uma inflação baixa e da estabilidade econômica – o sistema de pesos e contrapesos está funcionando no Brasil. Administrações à esquerda e à direita cada vez mais se convenceram que todo o debate é possível, menos aqueles que fazem uma sociedade mais desigual e mais pobre: inflação e desequilíbrio fiscal.
É visível que a situação política está se acalmando – e, novamente, isso é bom para os mercados, o que poderia se traduzir numa eleição em 2026 onde os debates importantes e a economia voltem a ser relevantes. Onde os investidores percebam o Brasil como um país normal. Onde trocas de poder não impactam os pilares importantes de uma sociedade moderna, que são seus fundamentos econômicos.
O ambiente para as empresas continua positivo, com a inflação arrefecendo e o BRL se estabilizando. A taxa de juros real continuará caindo no Brasil, e vejo as principais economias globais reduzindo as taxas mais cedo do que tarde.
Por outro lado, o atual nível de preços, bem como o posicionamento técnico geral, apontam para um momento propício para ser mais cauteloso dado que o ano ainda promete ser volátil.