Notícia

4min leitura

Como a competição afeta o lucro e o valuation de uma empresa

Barreiras de entrada são talvez a força competitiva mais importante a ser estudada em um negócio

Por Matheus Soares

16 Aug 2022 11h58 - atualizado em 16 Aug 2022 11h58

Barreiras de entrada são talvez a força competitiva mais importante a ser estudada em um negócio. Um setor sem barreiras a novos entrantes levará o retorno dessa indústria para patamares onde não existe lucro econômico e no qual não há retorno sobre o dinheiro investido acima do custo de capital (em outras palavras, onde ROIC ≤ WACC). Eu te explico.

A empresa XYZ, cuja especialidade é produzir chuteiras, não tem concorrentes e seu valor de mercado na bolsa é R$150 milhões. Nos últimos 5 anos, ela conseguiu entregar um lucro médio anual de R$10 milhões vendendo chuteiras. Nesse exemplo hipotético, considere lucro reportado como o lucro que pode ser distribuído aos acionistas da XYZ.

Se os investidores estiverem dispostos a aceitar um retorno de 10% ao ano, a XYZ deveria valer R$100 milhões com base no lucro que ela entrega (R$10 milhões/10% = R$100M). A esses R$100M, a escola de negócios de Columbia – considerada o berço do Value Investing – dá o nome de Earnings Power Value (EPV) ou, em outras palavras, o valor do lucro sustentável que a empresa é capaz de entregar pra sempre.

Assumindo que a empresa possui R$40M em ativos tangíveis (fábrica, equipamento, estoque, contas a receber) e intangíveis (reconhecimento de marca, reputação, software, canal de distribuição etc), significa que ela dará um belo retorno de 25% ao ano (R$10M/R$40M = 25%).

Repare na diferença entre o quanto os investidores estariam dispostos a pagar pelo atual lucro da empresa (EPV = R$100M), o quanto ela possui em ativos (R$40M) e seu valor de mercado (R$150M). Diante desse cenário, é possível concluir que o setor atrairá a atenção de um competidor interessado em morder uma fatia do lucro da XYZ. Afinal, com R$40M de investimento é possível criar um negócio que retorne 25% ao ano. 

O competidor então começa a produzir chuteiras similares às da empresa XYZ e contrata vendedores experientes para acelerar as vendas. Assumindo que chuteira é um produto que qualquer empresa consegue produzir, preço é a variável mais importante na decisão de compra do consumidor (aqui estou obviamente ignorando o poder de influência de um Neymar usando determinada chuteira).

Após a entrada do competidor, o número de chuteiras disponíveis para venda aumenta, o que leva a menores preços por unidade vendida.

Com a queda dos preços e a entrada do competidor, o lucro da XYZ cai para R$8M. Com esse lucro, o EPV da empresa cai para R$80M. Tendo em vista que com R$40M ainda é possível criar um negócio de R$80M, um novo competidor entra no setor.

Diante da nova ameaça e temendo que seus lucros caiam ainda mais, a empresa XYZ tenta se diferenciar dos demais. Passa a investir em marketing e muda o design das chuteiras – iniciativas que talvez atrasem o processo de queda dos preços de seus produtos. Mas seus concorrentes continuam ali, buscando uma fatia do seu mercado.

Como dinheiro não é problema, os competidores conseguem promover os mesmos investimentos da XYZ. Ainda que a XYZ não baixe os preços, ela provavelmente passará a vender menos unidades. Como ela possui custos fixos, a menor produção também gera margens menores. Consequentemente, os lucros caem de R$8M para R$6M.

Ainda não é o fim da história. A competição tende a continuar até que o lucro da XYZ chegue a R$4M. Nesse cenário, R$40M em ativos produziriam R$4M de lucro, que é o retorno de 10% que o investidor ainda está disposto a conseguir.

Quando o valor dos ativos se iguala ao valor do lucro sustentável da empresa, já não existe dinheiro fácil a ser conquistado no setor. Ótimo para os consumidores, mas péssimo para as empresas.

Qualquer semelhança com o setor de e-commerce não é mera coincidência. Na busca pela criação de barreiras à entrada, empresas como Magazine Luiza, Via Varejo, Americanas e Mercado Livre têm acirrado a disputa no setor, “promocionando” mercadorias, oferecendo frete grátis, investindo em logística etc. Isso tudo leva o ROIC para cada vez mais próximo (ou mesmo abaixo) do seu custo de capital no curto prazo. Não significa que será assim pra sempre.

Criação de valor somente existe quando o incumbente possui habilidades que os novos entrantes não conseguem replicar. Tais barreiras somente são construídas através de vantagens competitivas. 

Mas isso é assunto para uma próxima CompoundLetter.

Food For Thought

A carta semestral da Organon Capital – gestora que tem uma predileção por investir em small caps e que participou do episódio #03 do Market Makers – trouxe uma análise clássica de value investing ao explicar o racional do investimento em BR Properties. Apesar de terem vendido parte da posição, a asset ainda enxerga potencial de geração de valor aos acionistas a ser extraído via distribuição extraordinária de dividendos.

“Apesar da geração de valor do deal [venda de ativos para a Brookfield] e perspectivas de uma alta remuneração aos acionistas no curto prazo, acreditamos que o preço em bolsa ainda não incorporou todo o potencial da transação. Com o preço de tela em R$ 8,40, a companhia após a transação estaria sendo negociada com um desconto acima de 70% caso a distribuição de dividendos seja próxima do potencial.” (Link da carta aqui). 

Compartilhe

Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br