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É o fim do Trade Tarcísio após as tarifas de Trump?
Política é que nem nuvem. Você olha pro céu e vê uma coisa. 5 minutos depois, você vê outra coisa totalmente diferente

O Market Makers foi um dos primeiros canais (se não o primeiro) a apresentar o hoje tão falado “Tarcisio Trade”. Era agosto de 2024 quando, em uma reunião exclusiva com os membros do M3 Club, o CIO da Truxt Investimentos, Bruno Garcia, apresentava os fundamentos desta tese e que, posteriormente, se popularizou nas redes.
A tese é fácil de entender: o governo Lula vem sofrendo com o desgaste da popularidade, mesmo com indicadores econômicos favoráveis a um político. A imagem que diz mais que mil palavras: o Índice de Miséria (soma da inflação com o desemprego; quanto menor, melhor), que sempre andou junto com a avaliação de um governo, descolou-se totalmente nos primeiros dois anos do Lula III. Enquanto o índice de miséria nas mínimas históricas, a avaliação do governo está bem negativa.

Vale dizer que este gráfico é de janeiro/2025, e de lá pra cá as avaliações não melhoraram, mesmo com o governo tendo adotado algumas medidas mais populares neste meio de caminho.
Soma-se a isso outros fatores, como o episódio da “derrota do IOF” (que mostra como o governo também está isolado dentro da Câmara) e o crescimento da população evangélica (que costumam votar em candidatos mais conservadores) e temos vários ingredientes que apontam para uma mudança de governo em 2026.
E o nome “Tarcísio” vem do governador de São Paulo e um dos políticos mais conectados à figura do ex-presidente da Jair Bolsonaro. Dentre vários nomes ligados à direita, Tarcísio de Freitas acaba tendo uma predileção maior pelo mercado.
A eleição de um presidente com maior compromisso fiscal seria muito bem vista, já que temos um compromisso inadiável com nossa insustentável dívida pública. De maneira bem resumida, um novo governo que enderece esse problema ajudaria a derrubar a taxa de juros, colaborando para uma forte valorização das empresas listadas em bolsa.
Mas já diria o poeta: “política é que nem nuvem. Você olha pro céu e vê uma coisa. 5 minutos depois, você vê outra coisa totalmente diferente”.
E no dia 9 de julho, um anúncio do governo americano bagunçou todas as peças do tabuleiro do War Tupiniquim.
Os bens e produtos brasileiros, que seriam taxados em apenas 10% pelos EUA, tiveram a tarifa elevada para 50%. Pior que a medida, são os motivos expostos pelos americanos: o fato do governo brasileiro estar perseguindo Jair Bolsonaro. Adotaram uma medida econômica para resolver um problema político.

O mercado (e principalmente a fintwit) panicou com a notícia, principalmente pelos fatores políticos. O motivo: uma decisão intervencionista de um outro país pode provocar um sentimento de “nós contra eles”, unindo os brasileiros em torno do governo atual. Foi o que vimos no Canadá, quando uma intervenção do Trump ajudou na vitória da esquerda.
Lula pode tentar usar o episódio pra reforçar a narrativa do “nós contra eles”, jogar a culpa no Bolsonaro e acionar a militância. Em outras palavras: uma medida dessas pode ser politicamente positiva para o governo.
As tarifas anunciadas por Trump poderão enterrar o “Trade Tarcísio”?
Foi com essa dúvida na cabeça que guiei a conversa que tive no último episódio do Market Makers com Daniel Leichsenring, da WHG, e Matheus Spiess, da Empiricus Research.
A conclusão da conversa foi: essa tarifa é barulhenta — mas seu impacto na economia brasileira é, na prática, pequeno.
Eis os motivos para isso:
Somos fechados demais para sofrer com isso
“O Brasil é tão fechado pro comércio que, infelizmente, uma tarifa de 50% não muda quase nada.”
Atualmente, o Brasil exporta cerca de US$ 40 bilhões por ano pros EUA, o equivalente a 2% do nosso PIB. Grande parte disso é petróleo e combustíveis — que nem entraram na lista de tarifas. O resto? Commodities, que podem ser redirecionadas pra outros mercados, que geraria algum custo logístico, mas sem grandes rupturas.
Alguns setores e empresas de bens manufaturados, como Embraer, Weg, Iochpe Maxion, que têm exposição direta ao mercado americano e menos flexibilidade pra reposicionar produção, devem sentir mais. Mas o grosso da economia brasileira — voltada pra dentro, fechada em si mesma — não deve sofrer.
Boa notícia? Claro que não. Isso só reforça o retrato de um país isolado das cadeias globais de valor. Não conseguimos importar insumos de ponta com facilidade, nossa indústria opera sempre com atraso tecnológico, e o consumidor brasileiro paga mais caro por produtos piores. E aí, quando o mundo resolve nos punir com uma tarifa, o impacto é… pequeno. Porque a gente já tá fora do jogo.
A tarifa é ruim pra nós mas é pior pra eles – o caso “Apple”
Se a tarifa do Trump é ineficaz contra o Brasil, ela é ainda mais burra do ponto de vista americano. Por décadas, os EUA construíram um modelo de geração de valor baseado na propriedade intelectual e na terceirização da produção.
Daniel trouxe o exemplo da Apple: ela consegue uma margem absurda de resultado, mas se cada iPhone custasse US$ 1.000, só US$ 60 ficariam com a China – que monta todo o aparelho. Todo o resto (margem, royalties e marca) fica com os EUA.
Agora, se o Trump avançar com a ideia de “reindustrializar” os EUA, esse mesmo iPhone vai custar US$ 4.500. Se ninguém comprar, a margem evapora, o modelo quebra e o sonho do Trump vira pesadelo da Apple.
O quão relevante isso será para o eleitor daqui 12 meses?
A narrativa política vai ser muito usada neste momento para angariar votos ao governo. Mas o quanto isso será relevante quando a eleição de fato começar, daqui mais de um ano? E mais: seria isso mais grave do que o escândalo do INSS e o assalto dos aposentados brasileiros?
Na esfera política, é difícil prever o que terá mais peso daqui pra frente. O jeito é acompanhar se esse episódio vai gerar réplicas e tréplicas e como isso se refletirá nas pesquisas eleitorais e de avaliação dos políticos.
Tanto Daniel quanto Matheus lembraram no episódio que político extremista não ganha eleição no Brasil. Lula só ganhou em 2022 porque vestiu o terno do paz e amor. Em outras palavras: se forçar a radicalização, corre o risco de afugentar o centro — de novo.
O quanto isso está precificado no mercado?
Por último, mas não menos importante: quase nada do “Tarcísio Trade” está precificado no mercado brasileiro. Boa parte da nossa performance positiva no primeiro semestre foi em linha com os pares globais – ou seja: subimos muito mais por “fluxo” do que por razões endógenas.
Além disso, a transição política é apenas um dos vários motivos para se investir na bolsa brasileira neste momento: temos valuations historicamente descontados, empresas operacionalmente bem, menor alocação da história em ações e política monetária prestes a iniciar um ciclo de queda.
Conclusão
A tarifa em si, se de fato for mantida, não vai afundar nosso PIB, mas coloca mais um ingrediente no caldeirão eleitoral: um Brasil isolado e vulnerável. O impacto é pequeno mas o alerta é grande.
Temos a chance de usar o episódio como gancho pra discutir o que nunca discutimos de verdade: por que somos tão isolados? Talvez seja a hora de rever o nosso modelo, repensar o papel do Estado, abrir a economia com responsabilidade, e buscar acordos comerciais que nos coloquem de volta no mapa.
Mas até eu, que vejo uma oportunidade gigante de investimento em ações no Brasil, não sou ingênuo o bastante de acreditar no parágrafo acima.