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E se o mercado não ligasse para a guerra?
Na segunda-feira, os mercados estavam… tranquilos. Ou melhor, funcionando como sempre

Não tem como não ficar abalado com os vídeos que pipocaram na sexta à noite, de mísseis iranianos atravessando o céu de Tel Aviv. Pareciam cena de videogame, mas eram reais. Israel retaliou. E o mundo inteiro prendeu a respiração: era o prenúncio da Terceira Guerra Mundial? Do petróleo a US$ 150? Do bear market definitivo?
Nada disso.
Na segunda-feira, os mercados estavam… tranquilos. Ou melhor, funcionando como sempre.
E, por mais frio que isso pareça, essa é a lógica do mercado. Em tempos de guerra, as emoções podem até trazer um tom mais volátil no início, mas no final o pragmatismo econômico prevalece.
Essa newsletter não é sobre geopolítica. Não vamos entrar nos méritos morais, religiosos ou históricos do conflito. E minha essência de “pessoa de humanas” não consegue ficar tranquilo diante de tantas vidas inocentes impactadas e perdidas nesta guerra sem fim.
Mas ao mesmo tempo é meu dever como analista de investimentos fazer uma análise racional dos impactos destes eventos. Para isso, vou trazer evidências históricas para explicar como o mercado costuma reagir diante disso – a história não se repete, mas ela rima.
Antes de tudo, um breve contexto: EUA e Irã estavam prontos para se reunir para outra rodada de negociações neste fim de semana. O Irã ameaçou atacar bases americanas no Oriente Médio se Israel atacasse o Irã por causa de seu programa nuclear. Na sexta, Israel atacou as instalações nucleares iranianas, matando líderes militares e cientistas. Teerã respondeu primeiro com ataques de drones e, em seguida, mísseis balísticos disparados em direção a Tel Aviv, alguns dos quais escaparam pelas defesas rígidas de Israel. Obviamente, as negociações planejadas entre EUA e Irã foram canceladas.
Mesmo depois da troca de ataques entre Israel e Irã, tanto o S&P500 quanto o MSCI World Index caíram apenas 1,1% na sexta. O petróleo disparou até 13%, mas devolveu parte dos ganhos ao longo do dia.
Mas como assim?
A explicação não está nas manchetes. Está na história.
Conflitos no Oriente Médio não são novidade. E, quando olhamos com calma, vemos um padrão: os mercados até reagem no curto prazo, mas voltam rapidamente ao curso original, desde que não haja uma ruptura grave no funcionamento da economia global.
Mesmo quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em 2022, o bear market durou só até outubro daquele ano. A guerra continuou – e continua – mas os mercados andaram. É cruel? Talvez. Mas é realista.
E, no caso atual, o mercado já fez as contas.
- O Irã responde por 4% da produção global de petróleo – não é irrelevante, mas também não é um swing player.
- O maior comprador do petróleo iraniano é a China, que seria a mais afetada se o Irã bloqueasse o Estreito de Hormuz – e, portanto, tem todo o interesse em evitar essa escalada.
- Os estoques globais de petróleo estão acima da média histórica, o que dá uma folga na oferta.
- A OPEP+ quer aumentar produção. E os EUA, se o preço subir demais, também têm incentivo a colocar mais petróleo no mercado.
Ou seja: o petróleo pode subir, mas não deve explodir. E sem um choque brutal de energia, os mercados seguirão girando.
Ilustrando bem estes pontos, esse gráfico abaixo mostra o comportamento do preço do petróleo nos últimos quase 3 anos. Mesmo com três eventos de gravíssima magnitude geopolítica, a reação da commodity foi tímida se enxergar em um horizonte de prazo mais longo.
Isso não significa que devemos ignorar o conflito. Longe disso.
Se a guerra escalar, tudo pode mudar. Mas, por ora, o que temos é mais um capítulo de uma longa história de tensões regionais que geram volatilidade, mas não paralisam o mundo. E nós, como investidores, precisamos saber lidar com isso.
Uma outra forma de encarar isso: em 2024, o índice de ações da bolsa de Israel subiu 38,3%, mais que o dobro do MSCI All Country World Index (+17,5%). Ora, se havia a chance dos conflitos escalarem, certamente as ações de empresas israelenses seriam as que mais teriam suas expectativas de fluxo de caixa impactadas.
Costuma-se dizer que “os mercados podem lidar com más notícias – o que eles não suportam é a incerteza”.
O que vimos nos últimos dias foi um pico de incerteza, mas (ainda) sem mudança estrutural. Sem disrupção generalizada. Sem colapso econômico iminente.
As manchetes, por pior que pareçam, nem sempre afetarão as perspectivas de longo prazo de uma empresa, um setor ou um país.
Por mais “fria” que possa parecer essa análise, o fato é que o investidor precisa saber dissociar a emoção do fundamento. Mantenha a cabeça no lugar, mesmo que o mundo pareça prestes a explodir.
🟢 P.S.: Abri uma discussão sobre esta análise mais pragmática lá no chat do M3 Club no WhatsApp. Me conta lá no grupo o que você achou. Se você ainda não faz parte, fica de olho que em breve abriremos novas vagas.