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Em busca de assimetrias

Camilo é fundador e gestor da Charles River, uma casa que entregou mais de 1100% de retorno nos últimos 14 anos

Matheus Soares

Por Matheus Soares

16 Jul 2025 10h44 - atualizado em 16 Jul 2025 10h46

Toda vez que o Camilo Marcantonio vem no Market Makers é uma aula. A capacidade que ele tem de explicar temas complexos e trazer exemplos práticos faz com que seja fácil entender o que ele está falando.

E o episódio #231 do Market Makers, no qual ele foi brilhantemente entrevistado pelo meu sócio Salomão, não foi diferente.

Camilo é fundador e gestor da Charles River, uma casa que entregou mais de 1100% de retorno nos últimos 14 anos – quase 10 vezes o que fez o Ibovespa. Mas não é isso que mais me chama atenção. O mais impressionante é a consistência.

Num estudo da Empiricus, que analisou seis janelas de períodos diferentes desde 2020, a Charles River ficou no primeiro quartil em todas elas. Não é uma gestora que acertou uma tese ou pegou um bull market, mas sim um jeito de escolher ações que tem funcionado no curto, médio e longo prazo.

Na sua volta ao podcast, ele conseguiu explicar de modo extremamente didático o seu processo de investimento – e várias coisas me marcaram.

Logo no começo, Camilo solta uma frase que diz muito sobre como ele vê o mercado:

“É tão mais fácil investir, quanto pior o humor. Quanto mais vai melhorando o humor, mais vai aumentando nossa barra. Os preços vão subindo e as oportunidades vão diminuindo.”

Durante a conversa, o Camilo explica, na prática, conceitos importantes do value investing, como (i) margem de segurança e (ii) risco.

“Vamos dizer que chegamos à conclusão de que uma ação deveria valer R$ 100. Para comprar, a gente exige uma margem de segurança, que é a diferença entre preço e valor. Se exigimos uma margem de 30%, só vamos pagar até R$ 70. Se for mais arriscada, exigimos mais: 35%, 40%…”

Ouvindo o Camilo falar, pode até parecer fácil saber quanto pagar por uma ação, estimar uma margem de segurança e só comprá-la quando houver uma grande diferença entre preço e valor. Mas na prática, isso é difícil.

Primeiro, porque projetar os resultados futuros de uma empresa é extremamente desafiador. Segundo, porque é preciso identificar a margem de segurança adequada levando em consideração temas como governança e estratégia corporativa – pontos que ele abordou ao falar dos erros de investimento em Livrarias Saraiva e Fertilizantes Heringer. Terceiro, porque mesmo que se faça um bom trabalho nesses dois aspectos, é difícil ter a paciência para esperar e a humildade para reconhecer quando a margem de segurança era, na verdade, um erro de análise.

No caso da Tupy, eu e o Camilo tomamos decisões diferentes após a saída do Fernando de Rizzo, ex-CEO da empresa, em abril deste ano. Na visão dele, a margem de segurança aumentou, ainda que o risco também tenha crescido. Para mim, a margem diminuiu, porque entendo que a saída de uma liderança que conduzia a companhia com maestria pode impactar o desempenho de curto e médio prazo – justamente num momento em que o negócio já vinha sofrendo com menor demanda das montadoras no exterior e um ambiente mais adverso no Brasil.

Ele manteve o investimento. Eu optei por vender, por ter encontrado alternativas com maior margem de segurança.

De toda forma, é admirável o trabalho que ele e a Charles River têm feito para tentar melhorar a governança da empresa:

“Nós elegemos nosso candidato ao Conselho de Administração, o Mauro Cunha. Na Assembleia ele [Mauro Cunha] já estava eleito e direcionamos os votos para eleger um segundo nome, que é o José Rubens de La Rosa. No caso do Conselho Fiscal, tínhamos pedido um adiamento da Assembleia por entender, com bastante convicção, que BNDES e PREVI são controladores da Tupy. A CVM decidiu não adiar a Assembleia, mas abriu um processo que está em curso para avaliar o fato do BNDES e da PREVI serem controladores da empresa. Fizemos essa mesma demanda na Assembleia, que foi negada, mas fizemos contestação e um pedido de impugnação de um dos candidatos – que é obviamente relacionado e não poderia ser conselheiro fiscal – mas que não foi aceito pela mesa. Está tudo registrado em ata. Contestamos como foi feita a remuneração do novo CEO, pois pelo que falaram na Assembleia, foram usadas as mesmas bases do CEO anterior e a gente não acha isso razoável. O Conselho e os Administradores não têm discricionariedade para usar o dinheiro dos acionistas além do necessário e queremos saber se houve uma negociação com o novo CEO. Qual era a remuneração anterior dele? Precisava pagar a mesma remuneração do CEO anterior para que ele fosse contratado ou a empresa pagou a mais do que deveria? Contestamos isso. Propusemos aos demais acionistas que fosse reduzido o teto de administração, mas também não foi aceito na Assembleia.”

Apesar de ter vendido a posição no Market Makers FIA, continuo acompanhando a Tupy de perto. Acredito na capacidade da empresa de buscar melhor remuneração sobre os ativos, especialmente após as excelentes alocações de capital nas compras da Teksid e da MWM.

Ao entrar no tema alocação de portfólio, Camilo trouxe uma analogia que eu adorei:

“Quando a gente cria um portfólio, queremos que ele tenha uma assimetria positiva de risco-retorno. Se você tiver um portfólio que você tem 10 apostas e que você diz ‘vou jogar um dado pra cima que se der 3 eu perco 100, mas se cair qualquer outro número eu ganho 100’, a assimetria é positiva: 5 chances de ganhar para uma de perder. Mas a maioria das pessoas não toparia pelo risco de perder todo o patrimônio.”

Contudo, é possível fazer isso com 10 apostas diferentes com a mesma assimetria, desde que elas não sejam correlacionadas. Se você disser que em todas elas você perde se o dado cair 3, na verdade você continuou com uma aposta só. A partir das avaliações individuais, a gente estuda a correlação entre elas e limita os fatores de risco de cada uma, tentando formar uma grande assimetria positiva no portfólio.”

Esse episódio foi mais uma demonstração de como a consistência da Charles River não vem de um grande acerto, mas de um processo bem definido e executado com disciplina.

Em um mercado em que muitos buscam atalhos, o Camilo mostra que investir bem continua sendo, acima de tudo, fazer o básico direito – ou, em outras palavras, o bom e velho feijão com arroz bem feito.

Vale a pena ouvir essa conversa. O link está aqui.

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Matheus Soares
Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br