Notícia
7min leitura
Entenda a mudança estrutural dos mercados
O que está acontecendo com a economia global?
Resumindo: se isto for realmente uma mudança radical – o que significa que o ambiente de investimento mudou fundamentalmente – você não deve assumir que as estratégias de investimento que mais lhe serviram desde 2009 lhe servirão novamente nos próximos anos.
(Howard Marks, no memo “Further Thoughts on Sea Change”, publicado 11/out/23)
Os últimos meses têm sido estranhos no mercado. O último episódio do Market Makers bem que conseguiu sanar várias das dúvidas, mas confesso que deixei o estúdio com algumas interrogações sobre o que virá a seguir.
Nessas horas, ouvir quem está nesse mercado há MUITO mais tempo ajuda a entender se isso tudo é novidade ou se “desta vez é diferente”. Felizmente, alguns deles deram as caras nesta semana e trouxeram muita coisa valiosa.
E a conclusão que trago dos “cabeças brancas” é que o mercado pode estar caindo na real de que podemos passar por uma grande mudança estrutural nos mercados.
Em dezembro de 2022, Howard Marks escreveu que só havia visto duas “sea changes” (mudanças radicais) em 53 anos de carreira, e que agora estávamos no meio da 3ª sea change.
Ele revisitou esse memo na última semana, publicando um texto chamado “Further Thoughts on Sea Change”. O texto é longo mas vale a leitura pois ele recorda cada movimento do Fed desde 2008 (da série de estímulos à forte alta atual nos juros) para concluir o texto que coloquei lá no início da newsletter.
Agora, um trecho que muito interessante foi essa provocação que ele faz sobre qual o evento mais importante do mercado nos últimos tempos:
Para promover discussões hoje em dia, muitas vezes pergunto às pessoas: “Qual evento você considera o mais importante no mundo financeiro nas últimas décadas?” Alguns sugerem a crise de 2008, outros o estouro da bolha tecnológica e outros a reação do Fed/governo à pandemia da Covid. Ninguém cita o meu candidato: o declínio de 2.000 pontos-base nas taxas de juro entre 1980 e 2020. E, no entanto, como escrevi em Sea Change, esse declínio foi provavelmente responsável pela maior parte dos lucros de investimento obtidos durante esse período. Como isso poderia ser esquecido?
Para alguém ter vivenciado dentro do mercado um mundo com juro estruturalmente alto, é necessário que essa pessoa tenha mais de 60 anos. Não precisa ir muito longe para concluir que esse é um ativo escasso.
Eu vou usar aqui uma parte do resumo que o Howard Marks fez para explicar os últimos 15 anos de mercado, só para colocar todos os 3 leitores da newsletter no mesmo contexto:
> A partir de 2008, o Fed levou os juros americanos para zero e anunciou uma série de medidas de estímulos, como forma de recuperar a economia da crise do subprime (ver filme “The Big Short” se você não faz ideia do que foi essa crise).
> Como a inflação sequer passava de 2%, o Fed sentiu-se confortável em manter o juro perto de zero e essas medidas de estímulo pelos próximos 13 anos.
> A consequência: tivemos a mais longa recuperação econômica que se tem registrado. Nesse período de bonança, qualquer negócio conseguia prosperar – e na verdade, investidores começaram a colocar dinheiro até em negócios que não davam lucro.
> Tem um sábio provérbio oriental que diz: “Homens fortes criam tempos fáceis, tempos fáceis geram homens fracos, homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Definitivamente, estávamos entre o estágio 2 e 3 deste provérbio: O juro zero e a prosperidade em tudo que é negócio tornaram o “FOMO” (Medo de Ficar de Fora, na sigla em inglês) a maior preocupação dos investidores.
> Aí veio a Covid, que trouxe de volta uma série de estímulos econômicos em um momento em que começavam a faltar itens da cadeia de produção. E quando há muito dinheiro para poucos bens disponíveis, a inflação rapidamente começa a dar as caras.
> A inflação mais forte surgiu em 2021, mas o próprio Fed a chamou de “transitória”. Como ela persistiu em 2022, o Fed começou a retirar os estímulos, encerrando o QE (Quantitative Easing) e promovendo o maior ciclo de alta de juros nos EUA em décadas.
> Chegamos onde estamos hoje: a economia dos EUA segue aquecida, a inflação segue persistente (não só nos EUA como no mundo todo) e os juros americanos, que já foram 0% poucos atrás, estão no patamar entre 5,25% e 5,5% ao ano (lá, eles trabalham com bandas de juros, diferente do que vemos aqui com a Selic).
Bom, que o juro não será mais como era anos atrás, isso já está meio que dado. A lista de consequências que isso trará é enorme, mas usando o resumo do Howard Marks: “após um longo período em que tudo era inexplicavelmente fácil no mundo dos investimentos, é provável que vivenciaremos algo mais próximo da normalidade”.
Por conta disso, Marks acredita que é hora de aumentar significativamente a parcela de crédito na carteira. Vale um adendo: a Oaktree é uma gestora focada em crédito – não que isso deprecie a análise dele, mas no mercado financeiro costumo dizer que saber quem é o mensageiro é tão importante quanto a mensagem.
Mas ele não é o único a achar isso: o estrategista do Bank of America Securities, Michael Hartnett, publicou em seu relatório (que é lido por investidores do mundo todo) uma simulação de duas carteiras de renda fixa (uma com 4 ativos, com 25% cada, e outra com 5 ativos de 20% cada). Ambas carteiras estão com um retorno “equity-like”, ou seja, parecidos com o retorno de ações.
Abaixo a imagem do relatório com essas duas carteiras, o “yield” atual e o que aconteceria em um cenário de alta ou de queda de 100 pontos-base nos retornos dos bonds.
Outros cabeças brancas que falaram sobre esse momento do mercado foram Paulo Leme e Artur Wichmann, na live mensal da XP Private. Bem na linha do que Marks falou (eles até citaram o “Sea Change” como dica de leitura), eles concluem que a Treasury Bill (que é usada como taxa livre de risco pelo mercado) estando em 5,5% é transformacional no universo de alocação – na prática: dinheiro vai sair de ativos de renda variável e até mesmo das Treasuries longas. Isso vai afetar o custo de capital das empresas, que já sofrerão com a compressão de lucros.
Para Paulo e Artur, há dois fatores que estão sendo ignorados pelo mercado e que, combinados, ajudam a explicar a alta dos juros de longo prazo: o excesso de oferta de Treasuries e a retirada de liquidez do sistema pelo Fed. Somente em 2023, o governo americano aumentou sua dívida bruta em 7% do PIB, ao mesmo tempo que o Fed vem enxugando dinheiro na economia via alta de juros e “Quantitative Tightening”.
Aqui vemos claramente a lei da oferta x demanda em ação: se um produto aumenta sua quantidade ofertada sem crescimento de demanda, o preço do produto cai. No caso, temos mais Treasuries na praça e menos “dinheiros” para comprá-las; assim, a Treasury precisa ficar mais barata (ou render mais) para atrair estes dinheiros.
Diante de tantas dúvidas ainda existentes, teremos um convidado no podcast desta semana que certamente vai nos ajudar bastante neste momento: receberemos Luiz Parreiras, gestor e segundo maior sócio da Verde Asset, responsável pela gestão do fundo Verde Scena e pelos fundos de previdência da casa.
A gravação será hoje mas o episódio vai ao ar apenas na quinta-feira às 18h, como de costume. Lembrando que se você é membro da Comunidade Market Makers, poderá acompanhar o episódio antecipadamente na sua área logada.
Aqui na Carteira Market Makers de ações, o cenário nada interfere, visto que já estamos com um portfólio mais diversificado (estamos com 13 empresas) e, além disso, não nos baseamos em fatores macro para investir em alguma das ações. Dito isso, temos ciência que um cenário de maior prêmio pelo risco afetará o mercado de maneira geral, mas acompanharemos bem de perto pois caso haja uma queda exagerada de alguma empresa que gostamos, isso poderá ser uma oportunidade para comprar mais a um melhor preço.
Novo projeto no ar: MERCADO ABERTO
Semana passada, foi ao ar o primeiro episódio do novo programa do Market Makers, o Mercado Aberto.
Eu e Matheus Soares nos reuniremos semanalmente para abrir ao mercado nossas reflexões sobre algum tema relevante.
No programa de estreia, destrinchamos a Petrobras para responder a seguinte pergunta: por que a estatal está subindo 60% no ano mesmo com o governo do PT?