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Gustavo Franco sobre o Brasil atual
Temos uma estatal do trem bala que beneficia funcionários públicos e traz uma curiosa radiografia dos maus gastos do Brasil
Em meio a um cenário de incertezas fiscais e comemoração do trigésimo ano do Plano Real, Gustavo Franco (um dos pais do Plano Real) e Ruy Alves (gestor da Kinea) estiveram no evento “Liberdade para Prosperar”, organizado pelo Instituto de Formação de Líderes, em Belo Horizonte.
Conhecido pela sua franqueza e inteligência, Gustavo Franco, um dos maiores economistas da história do Brasil, falou sobre os 30 anos do plano que salvou o Brasil, não poupou críticas à Brasília e ainda comentou sobre os memes do ministro Haddad que inundaram a internet.
Para Franco, os memes foram uma resposta bem-humorada para trazer a tona um problema do governo atual: a tentativa de fazer ajuste fiscal através do aumento de impostos.
Gustavo Franco destacou que o governo Lula, ao contrário de anteriores, assumiu a causa do aumento de impostos como forma de lidar com o déficit fiscal.
O economista é contra essa iniciativa do ministro Fernando Haddad, pois acredita que o governo deveria priorizar uma reforma orçamentária em vez de aumentar a carga tributária.
Para o ex-presidente do Banco Central, a solução concreta para isso seria um mecanismo que obrigue os políticos do parlamento a competirem entre si pelos recursos escassos do orçamento, coisa que não fazem hoje.
Isso geraria uma disputa interna na qual “político briga com político” em vez de recorrer ao aumento de impostos, à criação de novas despesas ou à acusação de que o governo está escondendo dinheiro.
O pai do Plano Real avalia que toda despesa tem mérito, mas aprendeu, ao longo dos anos, que as de menos mérito são as mais discretas e custam caro para os cofres públicos.
Isto é, enquanto estão falando em corte na educação, saúde, segurança pública e afins, existem coisas acontecendo no nosso país que poucos se atentam. Um exemplo disso é…
… a nossa estatal do Trem Bala
Sim. Num país sem um centímetro de linha férrea para trem bala, temos há 12 anos nossa Estatal do Trem Bala: a Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL).
Com mais de 600 funcionários, orçamento acima de R$ 600 milhões e por muito tempo dependente do Tesouro Nacional para se manter aberta, a companhia, na prática, não tem como fim a operação de um trem-bala, mas sim aumentar a remuneração de alguns secretários da Esplanada dos Ministérios.
Isso sugere a existência de um arranjo informal ou uma estratégia para contornar limites de remuneração no serviço público, utilizando cargos em empresas estatais ou relacionadas ao governo para complementar a renda de funcionários que ocupam posições em outros setores da máquina pública.
Mas não para por aí:
Temos uma lei orçamentária boa em manter esquemas políticos
Franco também fez duras críticas à legislação orçamentária vigente no Brasil, uma lei de 1964 que ainda rege o orçamento nacional. Para ele, há uma grande resistência do legislativo em modificar essa lei, uma vez que isso acabaria com uma série de esquemas, como emendas parlamentares e outras formas de alocação de recursos que hoje favorecem interesses políticos.
“O legislativo não gosta porque acaba mecânica de emendas, acaba a comissão de orçamento, acaba uma opção de esquemas”, afirmou, ressaltando que, no cenário atual, “tudo é prioritário”, o que dificulta a alocação eficiente dos recursos públicos.
Insustentável: país caminha para ficar sem alternativas senão aumentar impostos
Ruy Alves trouxe à discussão a Curva de Laffer, um conceito econômico que sugere que, após certo ponto, aumentar a carga tributária reduz a arrecadação total. Alves destacou que a carga tributária no Brasil atingiu cerca de 33%, o que é digno de revolta..
Do lado da despesa, o gestor da Kinea foi enfático ao mencionar o desequilíbrio crescente. Ele ressaltou que as despesas obrigatórias, como previdência e benefícios sociais, têm aumentado de forma contínua, enquanto as despesas discricionárias — aquelas sobre as quais o governo tem controle direto e pode decidir cortar ou ajustar — estão diminuindo.
De acordo com suas projeções, até o final da década, as despesas discricionárias podem acabar completamente, pois as obrigações crescem a uma taxa muito mais rápida do que o limite de 2,5% acima da inflação imposto pelo novo arcabouço fiscal.
Essa situação cria uma grave restrição para o governo, que se vê com cada vez menos espaço para manobrar seu orçamento. As despesas obrigatórias são vinculadas a direitos constitucionais ou legais, como saúde, educação e previdência, e não podem ser facilmente cortadas.
Por isso, ele aponta que, a menos que haja uma revisão profunda dessas despesas obrigatórias, o país corre o risco de perder completamente sua capacidade de ajuste fiscal. Ou seja, o governo ficará sem alternativas para ajustar o orçamento sem recorrer a novos aumentos de impostos, o que é insustentável.
A necessidade de Capital Político
Ruy Alves também mencionou que, para enfrentar esse desafio, seria necessário um grande esforço político e anti-populista.
Ele cita o exemplo de Itamar Franco no Plano Real, destacando que, em momentos de crise, é preciso um líder com “capital político” suficiente para implementar reformas impopulares. Para resolver o impasse atual, o Brasil precisará de um líder ou governo disposto a enfrentar pressões políticas e eleitorais e a tomar decisões difíceis, como revisar benefícios ou programas que, embora tenham mérito, são financeiramente inviáveis a longo prazo.
Ele ainda mencionou que o problema das despesas discricionárias e obrigatórias é algo que o Congresso já vem enfrentando há anos. No entanto, devido à forte pressão de grupos de interesse e à dificuldade de cortar qualquer despesa, mesmo as que parecem menos prioritárias, o impasse continua. Ruy conclui que, se o governo não enfrentar essa situação, o país estará caminhando para um colapso fiscal, onde simplesmente não haverá mais como ajustar o orçamento sem prejudicar áreas essenciais.
Mas enfim…
A reforma orçamentária apontada, as doses anti-populistas e a redução do desequilíbrio entre despesas obrigatórias e discricionárias apontadas por Gustavo Franco e Ruy Alves são medidas extremamente difíceis no atual cenário político.
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