“Keeping at it”. Essa frase dá nome ao livro autobiográfico de Paul Volcker, presidente do Federal Reserve nos anos 1970/1980. Volcker enfrentou uma dura inflação na sua gestão e resolveu o problema não apenas subindo fortemente o juro dos EUA, mas também mantendo-o altos por um tempo mesmo com os preços já dando sinais de desafogo.
Ele “manteve-se firme nisso”, fazendo referência ao título da sua biografia, publicada em 2018, um ano antes da sua morte.
Por que estamos falando disso agora? Semanas atrás, durante a conferência anual do Jackson Hole, o atual presidente do Fed, Jerome Powell, falou sobre o cenário de forte inflação que o mundo todo está passando. E qual expressão ele usou várias vezes em seu discurso? Keeping at it.
Quem me contou isso foi Bruno Marques, gestor do fundo XP Macro, na última edição das nossas lives de sexta no Instagram (não sabia dessa live? Anota aí então: toda sexta às 16h eu estarei ao vivo no Instagram do MMakers pra falar com profissionais do mercado).
Nas palavras de Marques, “o grande aprendizado da década de 70 foi o seguinte: Paul Volcker foi o cara que subiu juro pra caramba nos anos 70. Ele precedeu Arthur Burns, que também subiu muito os juros. Mas o que o Arthur Burns fez? No momento que a inflação caiu um pouco, ele baixou os juros, o que fez a inflação disparar e as expectativas desancorarem”.
Ou seja, o uso do keeping at it está bem longe de ser uma coincidência. E a última semana trouxe dois eventos para comprovar isso: o Banco Central Europeu subiu o juro em 75 pontos-base e sinalizou que pode subir ainda mais; e dois membros do Fed defenderam em discursos que o juro não só pode subir mais nos EUA como manter-se alto por mais tempo.
“Volcker fala muito na biografia dele que é importante manter-se duro mesmo que [a inflação] tenha dado uma melhoradinha, porque a batalha vai ser longa. Por isso está me chamando muita atenção essa postura dos BCs”, conclui o gestor do XP Macro.
Um juro mais alto (ou alto por mais tempo) é aritmeticamente negativo para as ações: o preço de uma ação é definido pela soma dos fluxos de caixa futuros de uma empresa trazidos a valor presente por uma taxa de desconto. Essa taxa de desconto será maior caso a expectativa para o juro também suba. E quando o divisor de uma conta é maior, o resultado da divisão será menor. (Resumindo um longo parágrafo: quanto maior a taxa de desconto, menor será o preço da ação hoje).
Além do efeito aritmético da alta dos juros, há o efeito negativo da própria recessão que está endereçada à economia norte-americana. A Bridgewater explicou muito bem esse efeito num report publicado no final de agosto – a leitura vale a pena, mas o título resume bem a ideia: Equity Markets Aren’t Pricing in the Next Stage of the Tightening Cycle. Para a gestora de Ray Dalio, os juros terão que subir mais para enfrentar a inflação, o que provocará revisões negativas nas projeções de lucro das empresas americanas.
E o Brasil, como fica nessa?
Difícil imaginar que um pânico nas bolsas dos EUA não afete nossa B3, mas é preciso frisar que estamos em um cenário bem diferente. Subimos os juros muito antes do resto do mundo, e a consequência é que a inflação projetada para esse ano, que já foi quase 9%, agora está perto de 6%.
Isso pode fazer o nosso BC abandonar o modo “keeping at it” mais cedo do que o resto do mundo.
Até mesmo por isso, a tese “Long bolsa BR x Short bolsa EUA” tem aparecido nas carteiras de muitos analistas e gestores, dentre eles o próprio Bruno Marques.
Obrigado, ouvintes!
Não podia encerrar esta CompoundLetter sem dar um abraço virtual em cada um dos ouvintes do nosso podcast: graças a vocês, o Market Makers alcançou a 4ª posição dos podcasts de negócios mais ouvidos do Spotify.
Recebemos a notícia com muita felicidade, mas lembrando sempre que nosso compromisso principal é com a qualidade do conteúdo (quem leu nosso Manifesto sabe que somos obcecados por isso!). Não trabalhamos pra sermos os mais populares, trabalhamos pra sermos os melhores.