Notícia

3min leitura

icon-book

Qual Mentira Vou Acreditar?

É preciso ser honesto: o mercado adora acreditar em narrativas.

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

22 Sep 2025 10h30 - atualizado em 22 Sep 2025 10h30

“O mercado é uma grande narrativa”, me disse uma vez um gestor que trabalhava em uma casa avessa aos holofotes (a saber: meses depois, esse gestor deixou seu emprego e tornou-se influenciador. Achei alinhado com o que ele acredita).

Narrativas não sustentam teses por muito tempo. No longo prazo, fundamentos valem mais do que boas histórias. É dessa forma, inclusive, que eu e o Matheus montamos a carteira de ações do Market Makers.

Mas é fato que no curto prazo os ruídos confundem e mexem nos preços, principalmente quando a história tem um bom enredo.

Além disso, é preciso ser honesto: o mercado adora acreditar em narrativas.

É como se, no curto prazo, houvesse várias historinhas para justificar as idas e vindas dos preços da bolsa/câmbio/juros e os investidores escolhessem qual combina mais com ele. Como já disse o Racionais MC’s: Qual Mentira Vou Acreditar? (álbum “Sobrevivendo no Inferno”, faixa 9). 

Vejamos o momento atual: Ibovespa nas máximas históricas e dólar caindo forte. O motivo? Com certeza, sem dúvida nenhuma, isso reflete uma possível mudança de governo no Brasil em 2026.

A lógica é simples de vender: Lula perde popularidade, Bolsonaro está juridicamente fora do tabuleiro, Tarcísio emerge como candidato natural da direita — e o mercado antecipa esse cenário colocando o Ibovespa em máxima histórica. Simples, não?

Mas, quando você tira o zoom do Brasil, essa narrativa perde força. Nos desenvolvidos, S&P 500 e Euro Stoxx 50 estão nas máximas; no Japão o Nikkei bateu níveis que não via desde os anos 1980. Até na América Latina as bolsas estão com desempenho semelhante ao Ibovespa (exceção da Argentina, que já havia se descolado desde o ano passado).

No câmbio, o mesmo raciocínio se aplica. O real se valorizou contra o dólar, é verdade. Mas o dólar se desvalorizou contra praticamente todas as moedas globais, basta ver a performance do DXY (dólar vs cesta de moedas do mundo). Se você coloca o real ao lado de pares emergentes, o desempenho é apenas mediano.

Essas métricas ajudam a refutar a tese de que nossa moeda e nossa bolsa estão sentido os efeitos da eleição de 2026. Existe hoje um enfraquecimento global do dólar e um apetite renovado por risco em ações, fruto de cortes de juros em grandes economias e da percepção de que os EUA podem escapar de uma recessão.

Mas é claro que a manchete que soa melhor é a história do “mercado se alinhando com Tarcísio”. O contrário também é válido: quando a bolsa cair e o dólar subir, a justificativa certamente será de uma melhora na avaliação do Lula.

Agora, não é só o mercado que vive desta narrativa. Tenho certeza que se você perguntar “por que o dólar está caindo” para qualquer integrante da equipe do ministro Haddad, certamente dirão que é fruto da boa condução de seus planos e do crescimento consistente da economia brasileira.

Sim, nosso PIB cresce já há um bom tempo acima das expectativas. Mas não podemos esquecer das reformas que tiveram início desde o governo Temer e do tsunami de estímulos despejado desde o fim do governo Bolsonaro — e mantido agora pelo governo Lula.

Basta olhar para nossas contas públicas: a dívida continua galopando a 2,5% de crescimento real (acima da inflação), o que se não for revertido nos levará a um encontro com uma grande crise (ou um doloroso e profundo ajuste). Por isso mesmo que nosso juro futuro permanece tão alto e nossa Selic persiste nos 15% ao ano.

O investidor olha para frente e não enxerga disposição real de endereçar o problema. E, até aqui, não há sinal de que esse governo vá mudar essa percepção.

Seja com uma narrativa pró-mercado ou pró-governo, o curto prazo permite diferentes associações e justificativas para um mesmo movimento de preços.

É divertido acompanhar esses malabarismos verbais para explicar o que não faz sentido, mas na prática nós adotamos outra postura como analistas. Fugimos do barulho político e olhamos para os fundamentos das empresas. Procuramos empresas com resultados consistentes, dívida equilibrada (ou até caixa líquido) e tocadas por boas pessoas.

No fim das contas, o mercado vai continuar criando narrativas. Tem que saber curtir, tem que saber lidar. Em qual mentira eu vou acreditar?

ps: Tudo que eu disse também pode ser uma grande narrativa. Cuidado.

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br