
Hoje a CompoundLetter vai ser um pouquinho diferente. Hoje eu não vou falar de mercado, ações ou investimentos, mas sim do meu querido amigo (e avô) Manoel. Esse senhor de 94 anos tem uma saúde de ferro, é bem desenrolado no WhatsApp, e faz questão de me ligar todos os dias para me dar boa noite com o seu clássico bordão “Meeeeeu querido amigo Matheus”. A ligação é curta, dura por vezes menos de um minuto, mas é o momento diário que faz com que me lembre do privilégio que é tê-lo por perto. Em resumo, sorte!
No último domingo fui visitar ele e a minha avó Neide, e foi uma daquelas tardes em que estava especialmente inspirado, contando histórias da sua vida profissional. Meu avô tem uma trajetória empresarial fantástica e muito orgulho do que construiu ao longo da vida. É uma pessoa que ama viver, é um otimista incorrigível e mesmo já tendo passado por tudo na vida – do melhor ao pior – nunca o vi sem um sorriso no rosto.
Como contador, sempre esteve ligado à área financeira das empresas por onde passou. Muitas vezes, era chamado para ser o homem da reestruturação: tirava empresas da falência e as tornava lucrativas. E fez isso ao longo de cinco décadas, dos anos 50 até os 2000. Passou a maior parte da vida nos Pastore, um grupo familiar que tinha metalúrgica, madeireira e a decadente Ibrami. Quando chegou, o grupo estava praticamente quebrado e ele ajudou a reerguer o negócio ficando lá por 22 anos.
Foi ali que viveu um dos episódios mais marcantes da sua vida. O Seu Osvaldo Pastore, um dos herdeiros da família, queria fechar a Ibrami e precisava de alguém de confiança para assumir a bronca. Chamou, então, Seu Manoel – o nosso protagonista de hoje – para uma conversa, que até então tinha já duas décadas de casa, prosa essa que começou às dez da manhã e atravessou o dia. Depois de quase 12 horas de conversa e muito uísque, Seu Osvaldo fez uma proposta para o meu avô:
– Quanto você ganha, português?
– Vinte e dois mil – disse o meu avô
– Pois eu te pago cinquenta. Te dou um cargo de diretor. Mas você precisa fechar as fábricas e demitir todo mundo.
Meu avô ouviu, respirou fundo e respondeu:
– Osvaldo, você está tentando me subornar. Está aumentando o meu salário para eu demitir todo mundo? Vai a merda você e o seu dinheiro.
E o Seu Osvaldo – incrédulo – perguntou ao meu avô:
– Quanto você ganha mesmo português?
– VINTE E DOIS MIL!
– Pois então você não vale nem a metade!
Fechou o tempo completamente na empresa, meu avô pediu a conta e foi embora. Só que seu Manoel era tão importante para a empresa que outro membro da família Pastore pediu para que ele voltasse. E ele voltou. Passados seis meses, o Osvaldo – que inclusive deixou de ir para a empresa com a volta do meu avô – ofereceu outra vez o cargo e o aumento e seu Manoel, mais uma vez, não aceitou.
Depois dessa experiência e já com uma boa reserva, decidiu empreender. Nos Pastore, ele conheceu profundamente o setor de móveis e identificou uma brecha no mercado: as grandes multinacionais como Sony, Philips e Bosch precisavam de fornecedores que produzissem móveis pequenos – micro móveis – e ninguém conseguia atender essa demanda. Estamos falando de mesas de escritório, porta cds, caixas de som, dentre outros produtos.
Assim nasceu a Micro Móveis LTDA, na década de 90. Meu avô colocou todo o dinheiro que havia acumulado até então na empresa. Comprou máquinas usadas da famosa Viúva (história também excelente, mas deixamos para um outro momento), depois comprou um galpão de 1000m² e ergueu a fábrica. O negócio decolou e deu muito dinheiro por anos.
Mas empreender no Brasil nunca foi fácil. E os anos 90 foram especialmente duros.
Em janeiro de 1999, o Brasil se viu diante de uma das maiores e mais abruptas desvalorizações que sua moeda já sofreu.
Foi nesse ambiente turbulento que a Micro Móveis estava altamente exposta à Sony. Em meio a uma troca de diretoria no Japão, a Sony decidiu não comprar do meu avô todo o estoque que ele havia construído e com isso a empresa ficou com um estoque encalhado de R$2,5 milhões em móveis já produzidos.
Em 1990, Collor abriu a economia de forma abrupta, pegando a indústria nacional desprevenida;
Em 1994, o Plano Real, sob Itamar e FHC, dominou a hiperinflação mas repentinamente trouxe bastante competição para indústrias ao valorizar o real e tornar a importação mais barata;
Em 1997, a crise dos Tigres Asiáticos enfraqueceu o principal cliente do meu avô, a Sony;
Sem conseguir vender o estoque, sufocado por dívidas bancárias e enfrentando a concorrência externa cada vez mais barata, a empresa não resistiu e fechou as portas.
Meu avô, que era um empresário acostumado a reestruturar empresas, infelizmente, não conseguiu recuperar a sua própria empresa de um calote e das sucessivas crises econômicas que acabaram por abalar a indústria nacional.
(Mais uma curiosidade que vale um próximo texto: meu avô foi chamado para construir a fábrica na Zona Franca de Manaus!)
Mas o que mais me impressiona é como o meu avô reagiu. Depois de uma carreira fantástica como executivo e empreendedor, depois de criar uma fábrica do zero e sofrer calote de uma empresa, meu avô nunca baixou a cabeça. Meu avô praticamente virou advogado e depois de 16 anos de processo, venceu a Sony.
Hoje, com 94 anos, leva uma vida boa, feliz, e conta essas histórias com orgulho e com um sorriso no rosto.
Eu cresci ouvindo essas histórias. E percebo que talvez só tenha virado analista de empresas porque, no fundo, sempre gostei de ouvir as histórias empresariais dele. Não é exagero dizer que minha paixão por negócios começou ouvindo o Meu Querido Amigo Manoel.