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Nem todo investimento gera valor

Quanto maior o ROIC de uma empresa, maior o valor que ela é capaz de gerar

Por Matheus Soares

26 jul 2022 10h37 - atualizado em 29 jul 2022 02h44

Suponha que você esteja analisando duas empresas diferentes. A primeira tem lucro líquido de R$ 200 mil com R$ 20 milhões em vendas (margem líquida de 1%), enquanto a segunda lucra R$ 1 milhão faturando R$ 10 milhões (margem de 10%). À primeira vista, em qual dos dois você investiria? Com base apenas nessas informações, a maioria preferiria o negócio com maior margem líquida.

Mas a verdade é que para responder melhor a essa pergunta, você precisa saber o nível de investimento necessário para gerar esses lucros. Digamos que no primeiro negócio são necessários R$ 2 milhões em investimentos para gerar R$ 200 mil e, no segundo negócio, são necessários R$ 20 milhões para gerar R$ 1 milhão. O retorno sobre o capital investido (ou ROIC) do primeiro negócio é de 10% (200 mil/2 milhões), enquanto o segundo negócio é de 5% (1 milhão/20 milhões). Depois de considerar o ROIC, você pode observar que a primeira empresa tem um negócio melhor, pois consegue fazer mais dinheiro investindo menos.  

Quanto maior o ROIC de uma empresa, maior o valor que ela é capaz de gerar. Se você comprar uma empresa que tenha R$ 100 de capital investido e um ROIC de 5%, o lucro dela será R$ 5. Agora, se a empresa for capaz de gerar um ROIC de 80%, o lucro dela será de R$ 80 – nesse exemplo, se a empresa investisse R$ 10, ela geraria um lucro maior do que aquela com ROIC de 5% investindo R$ 100, podendo inclusive devolver o excesso de capital para o acionista. É por isso que um negócio com ROIC alto criará mais riqueza aos seus acionistas no longo prazo.

Outra variável importante a ser considerada na análise é o custo de capital. Ou seja, se a empresa tem um ROIC de 20% e toma dinheiro emprestado a 20%, ela não gera valor. Na tabela abaixo eu mostro isso na prática.

Crescimento vs Retorno 
Custo de capital: 20% 
Valor investido: R$ 100 
ROIC (%) 
Retorno gerado (R$) 
Custo do investimento (R$) 
Lucro residual gerado (R$) 
Valor líquido gerado (R$) 
Impacto qualitativo 
10% 
10 
20 
(10) 
(R$ 50) 
Valor destruído 
20% 
20 
20 
Nenhum valor gerado 
30% 
30 
20 
10 
R$ 50 
Valor criado

O ponto é: nem todo investimento gera valor.

Você já deve ter ouvido falar da Klabin. Ela é a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil. Se você já comprou no e-commerce, é ela quem produz a papelão do produto que chega até sua casa. Se já tomou um leite longa vida é ela também quem fornece o papel das embalagens da Tetrapak. Eu poderia listar muitas outras situações da sua vida em que ela está presente.

Semana passada ela foi um dos assuntos mais comentados da fintwit (comunidade de pessoas que falam sobre finanças no Twitter). O motivo foi o anúncio de um investimento de R$ 1,57 bilhão para a construção de uma nova fábrica com capacidade de produção anual de 240 mil toneladas de papelão ondulado na cidade de Piracicaba, em São Paulo. No dia seguinte ao fato relevante, as units da Klabin (KLBN11) chegaram a cair mais de 8% durante o pregão, mas fecharam em queda de 3,2%. No total, a empresa perdeu quase R$ 536 milhões em valor de mercado.

O investimento não só foi considerado caro pelo mercado, como levantou, principalmente, questionamentos sobre a governança corporativa da empresa. Isso porque na ata da reunião de aprovação do projeto, três membros do Conselho de Administração da Klabin registraram considerações cirúrgicas sobre o investimento. Em especial, destacarei os pontos 1, 4 e 8 do conselheiro Camilo Marcantonio:

1. Expresso minha preocupação com o Projeto Figueira, que tem um VPL negativo em 20 anos e baixíssimo retorno mesmo considerando a perpetuidade.

4. Recebidas as informações sobre retornos para os anos de 2020 e 2021, ficou demonstrado que o histórico de retorno sobre o capital (ROIC) do segmento de Embalagens (papelão ondulado) é de fato baixo, tendo ficado abaixo do custo de capital nesses dois anos, o que é particularmente negativo pelo fato de esses anos terem sido muito positivos para o segmento, com crescimentos relevantes de preços, tanto pelo alto consumo de embalagens durante a pandemia, quanto pelos impactos na oferta em função do rompimento das cadeias de suprimento.

8. [..] Além disso, temos um agravante, que é o sistema de incentivos da Klabin, que coloca grande ênfase em resultados de curto prazo, como a geração de EBITDA anual, e menos no retorno de seus investimentos.

Você poderia argumentar que o cálculo do VPL (Valor Presente Líquido) tem os seus defeitos, como bem citou aqui meu amigo Fernando Fontoura, gestor da Persevera Asset. Contudo, não dá para ignorar a análise do ROIC como parece ter feito a Klabin. 

Espero ter deixado claro, mas não custa frisar: crescimento de EBITDA ou lucro líquido não necessariamente geram valor.

Food For Thought da semana:

Morgan Housel fala sobre o que verdades presentes em mais de uma área podem te dizer sobre como o mundo funciona. 

Pegue dois tópicos que aparentemente não têm nada a ver um com o outro: peixinho dourado e empresas de tecnologia. Pegue dois grupos de filhotes idênticos de peixe. Coloque um em água anormalmente fria; o outro em água anormalmente quente. Os peixes que vivem em água fria crescerão mais devagar que o normal, enquanto os de água quente crescerão mais rápido que o normal. Coloque os dois grupos de volta na água com temperatura normal e eles eventualmente convergirão para se tornarem adultos normais de tamanho normal. Então a mágica acontece. Peixes com crescimento mais lento em seus primeiros dias vivem 30% mais do que a média. Aqueles com crescimento artificial sobrecarregado logo no início morrem 15% mais cedo do que a média.

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Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br