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O campo de jogo
Os grandes investidores enxergam o investimento como um jogo e sabem exatamente qual jogo estão jogando

A Compoundletter de hoje traz uma reflexão sobre um dos textos mais interessantes que eu já li sobre a evolução de um investidor. Ele foi escrito por Graham Duncan, um dos maiores alocadores de grandes fortunas do mundo, cujo trabalho passa por identificar investidores brilhantes. Com décadas de experiência neste campo, Duncan explica o que separa os profissionais dos mestres e mentores.
O conteúdo originalmente foi escrito aqui para o blog dele, mas como eu sei que nem todo mundo tem tempo para ler um texto de 30 minutos, vou sintetizar abaixo o que pra mim foram os maiores insights.
Depois de ter avaliado mais de 5000 gestores de investimentos, Duncan aprendeu que os grandes investidores enxergam o investimento como um jogo e sabem exatamente qual jogo estão jogando:
“Na vida, o desafio não é tanto descobrir como jogar o jogo da melhor maneira; o desafio é descobrir qual jogo você está jogando.”
– Kwame Anthony Appiah
Para elucidar o que isso significa, ele conta a história de estar sentado no banco de passageiro do carro de um analista em uma noite chuvosa, quando um caminhão derrapa e quase tira eles da estrada. O analista então pergunta: “Por que essas coisas estão sempre acontecendo comigo?”
Para Duncan, essa resposta refletia uma mentalidade terrível: a sensação de que o mundo age sobre as pessoas, em vez das pessoas agirem sobre o mundo. Para ele, os grandes investidores não têm essa visão. Em vez disso, eles entendem quais fatores do mercado eles podem controlar e quais não podem.
“Uma maneira de posicionar seu locus de controle é encarar o investimento (e até mesmo a vida) como um jogo. Isso permite que você encare a sorte como sorte, separando a mão que você recebeu da forma como você a joga. Como disse David Milch, criador da série Deadwood da HBO, ele percebeu, já tarde na vida, que é a forma como você aprende a jogar as cartas que lhe foram dadas, e não a mão em si, que determina o valor da sua participação no jogo.”
– Graham Duncan
Duncan usa uma metáfora poderosa ao comparar a evolução do investidor com cinco estágios. No começo, somos apenas aprendizes: recém-formados, bem treinados tecnicamente, mas ainda folhas em branco. Nesse estágio, o mais importante é escolher um bom mentor. A forma como você aprende a olhar o mercado nos seus primeiros anos costuma moldar seu jeito de pensar por muito tempo. Um ex-analista da Fidelity e um ex-analista do Goldman podem olhar para o mesmo gráfico e tirar conclusões completamente diferentes.
Os sobreviventes de uma transição razoavelmente difícil de analista para analista sênior ou gestor de portfólio chegam ao segundo nível, geralmente no final dos 20 anos ou início dos 30. Muitos investidores atingem um platô neste nível. Eles costumam desenvolver uma identidade um tanto estática, como “Sou um value investor, como Warren Buffett”. Ao construir sua identidade como “especialista” em investir em determinados setores ou empresas, eles limitam sua capacidade de observar mudanças nessas áreas.
O orgulho de ser o autor de uma tese de investimento torna-se um obstáculo quando o objetivo é gerar retornos.
Poucos conseguem subir o próximo degrau: o profissional. É aqui que o investidor começa a integrar múltiplas influências em um estilo próprio. Warren Buffett talvez tenha feito esse salto nos anos 80, quando disse: “Agora sou 15% Phil Fisher e 85% Ben Graham… Charlie [Munger] me empurrou além da visão limitada de Graham”. Nesse estágio, é importante conhecer os melhores do jogo e aprender com eles. Somente assim será possível se tornar um mestre, que é o quarto estágio de um investidor.
T.S. Eliot observou que “apenas aqueles que arriscam ir longe demais podem descobrir até onde é possível ir.” A pequena minoria de gestores que alcança esse nível é verdadeiramente orientada para retornos absolutos: eles definem o sucesso em termos do que acreditam que podem alcançar ao longo de décadas, e não em relação ao que outros estão conseguindo em um determinado momento.
“Quando meus parceiros e eu conectamos um gestor de Nível 3, que estava comprado em uma ação, a um gestor de Nível 4, que estava vendido na mesma ação, o gestor de Nível 3 viu a conversa principalmente como uma oportunidade de converter o short seller para sua visão. Sua abordagem evangelizadora significava que ele não conseguiu extrair vários pontos de dados importantes do vendedor a descoberto. Pior ainda, ele não aproveitou a oportunidade para aprender elementos sutis do processo de pesquisa do outro gestor que poderiam ser úteis em sua própria pesquisa de venda a descoberto no futuro.”
– Graham Duncan
Duncan cita Paul Tudor Jones como exemplo de quem conseguiu prever movimentos coletivos porque teve empatia o suficiente para se colocar no lugar de outros gestores – e antecipar suas reações.
Outro ponto que marca esse nível é a relação com o risco: algumas pessoas têm tanto medo de perder dinheiro, o que as impede de ganhar dinheiro. Os investidores do estágio 4 são mais tolerantes ao risco do que outros participantes do mercado.
Mas existe um estágio final – o mais raro de todos: o mentor. O investidor que, depois de dominar o jogo, passa a moldar o próprio campo. Existem pouquíssimos investidores do estágio 5, mas Warren Buffett é certamente um deles. Buffett aumentou progressivamente sua presença pública nas últimas décadas e esteve ainda mais presente na mídia durante a crise financeira de 2008. Ele aparecia regularmente na CNBC e no programa de Charlie Rose para tentar acalmar o mercado e incentivar o Congresso a agir em relação ao estímulo fiscal. Ele usava metáforas projetadas para atingir um público amplo, na esperança de gerar apoio para a ação do Congresso: “Olha, o paciente está sofrendo uma parada cardíaca agora, a primeira coisa que precisamos fazer é estabilizar o paciente.” Sua autoridade atingiu um nível que lhe permitiu assumir a responsabilidade pelo sistema em si.
Buffett também se aventurou em discussões mais filosóficas sobre a distribuição de renda oferecendo uma parábola elegante acessível aos participantes do mercado financeiro:
“São 24 horas antes do seu nascimento e um gênio aparece para você. Ele lhe diz que você pode definir as regras para o mundo no qual está prestes a entrar – regras econômicas, sociais, políticas – todo o pacote. Parece ótimo, certo? Qual é o problema? Antes de você entrar no mundo, você terá que escolher uma bola de um barril com 6,8 bilhões (o número de pessoas no planeta). Essa bola determinará seu gênero, raça, nacionalidade, habilidades naturais e saúde – se você nascerá rico ou pobre, doente ou saudável, brilhante ou abaixo da média, americano ou zimbabuano. Isso é o que eu chamo de ‘loteria ovariana’. Você receberá uma bola desse barril, e isso será a coisa mais importante que acontecerá em sua vida. Essa é uma boa perspectiva para ter ao definir as regras para o nosso mundo. Deveríamos estar criando uma sociedade que não deixe para trás alguém que, acidentalmente, pegou a bola errada e não está bem adaptado para esse sistema específico.”
Investidores do estágio 5, como Buffett, vão além da mera otimização de retorno e começam a pensar em como contribuir para a evolução do mercado como um todo. Eles enxergam o impacto de longo prazo de suas ações e assumem um papel de responsabilidade social, tentando influenciar o sistema de forma positiva para as futuras gerações. Ao fazer isso, eles não apenas jogam o jogo; eles ajudam a redefinir as regras para todos.