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Os três descontos que sabotam você
Os perigos de priorizar o consumo imediato em detrimento do seu futuro financeiro
Colunista convidado: Daniel Galdini, CFP (@ddgaldini)
Qual a primeira coisa que vem à sua cabeça quando é mencionada a palavra desconto?
O que vem quase que instantaneamente à minha é “convite ao consumo” e penso que a maioria das pessoas deve fazer a mesma associação.
Veja alguns exemplos emblemáticos do que eu estou falando:
– Se você está na casa dos trinta anos, talvez até um pouco menos, certamente se lembra daquele rapaz que fazia propaganda para uma grande rede varejista que dizia: “quer pagar quanto?” A mensagem era bem clara: quanto maior o número de parcelas, menor o valor delas e, assim, cabiam no bolso. Nesse caso, não é bem um desconto, pois quanto mais parcelas, mais caro o cliente paga, mas a parcela menor dá a sensação de que dá para pagar;
– E que tal a Black Friday, uma tradição que importamos dos EUA há poucos anos? Gatilho de escassez na veia, afinal é o “momento único do ano” para fazer boas compras com ótimos descontos. Entretanto, sabemos que em vários casos, muita coisa aqui é vendida pela “metade do dobro”;
– E quem não se lembra dos sites de compras coletivas? Jantar no restaurante japonês era vendido a R$49,90, mas a promoção só valia depois que 1.000 jantares fossem vendidos. Dava a impressão de que era um delírio coletivo, pois ninguém queria ficar de fora.
Em suma: desconto em compras é bom, mas dependendo do contexto, é um incentivo para se gastar mais do que o normal.
Virando essa página, se você é do mercado financeiro, mais precisamente da turma fundamentalista de equities, desconto certamente querer dizer “taxa de desconto”.
Por exemplo: se fiz o valuation de uma empresa em um momento que a taxa Selic estava em 2% ao ano, o valor presente do fluxo de caixa dessa empresa era maior do que hoje, quando a taxa Selic, ou taxa de desconto no caso, está a 13,75% aa., já que o desconto que eu tenho que aplicar nesse fluxo de caixa agora é muito maior.
Então, grosso modo, fica assim: quanto maior o desconto aplicado, mais barata a ação fica, e maior é o convite para comprar agora e não no futuro. Pelo menos é assim que deveria ser.
Entretanto, na prática, sabemos que a grande maioria das pessoas vai atrás de comprar quando todo mundo está fazendo o mesmo, o que em finanças comportamentais chamamos de efeito manada.
Resumindo: no mercado de ações, quando o desconto é maior e as pessoas deveriam encher o carrinho, a “lojinha” simplesmente esvazia.
E é do mundo das finanças comportamentais que vem o terceiro tipo de desconto. É um gatilho mental que tem um nome bem esquisito por sinal: desconto hiperbólico.
Sem rodeios: ele é o fenômeno que descreve a tendência humana de valorizar mais uma gratificação imediata do que uma recompensa maior em um tempo futuro. Hiperbólico é devido à taxa de desconto não ser linear. Quanto mais distante no tempo, maior a taxa exigida.
E por que isso é uma falha comportamental? Porque ele pode levar as pessoas a tomarem decisões financeiras que podem até ser boas agora, mas não são as melhores para o longo prazo.
Eis alguns exemplos onde o desconto hiperbólico se manifesta:
– “Investir para quê, eu vou é gastar”: Essa é auto-explicativa. Consumo é gratificação instantânea, poupar é importante para o longo prazo. Priorizou consumo e subestimou a poupança futura? Desconto hiperbólico.
– “Prefiro investir num CDB pagando 14% aa do que investir em ações.”: Para perfis mais conservadores, talvez até faça mais sentido alocar só em renda fixa, e para os demais investidores, o momento também é bom para ter renda fixa na carteira, mas o framing desses investidores normalmente é muito de curto prazo. Eles se esquecem que a taxa de juros da renda fixa também significa taxa de desconto para as ações, conforme já mencionado anteriormente. Além disso, a história e os grandes investidores estão aí para comprovar: muitas ações compradas em momentos de taxa de juros elevada e economia deprimida, são aquelas que terão grande performance no longo prazo. Obviamente, é necessário entrar no micro de cada setor, de cada empresa, mas como regra geral, ela é totalmente válida. Ou seja: é investidor de longo prazo, não é conservador, e não quer mais saber de ter ações na carteira? Olha ele aí: desconto hiperbólico.
– “Eu não gosto de previdência privada, prefiro investir em algo com mais liquidez.” Essa é a tal história do “atira no que vê e acerta no que não vê”. Apesar das muitas regrinhas que a previdência privada tem, já faz algum tempo que é possível diversificar bastante através desse veículo de investimento, além do fato dela ter uma série de benefícios, sobretudo tributários e sucessórios, que não saltam aos olhos imediatamente, mas que no longo prazo são importantíssimos ao investidor: pagar menos imposto de renda, não ter come-cotas, não cobrar I.R. nas portabilidades, alíquota decrescente de imposto, não incidir imposto de transmissão de bens e não entrar em inventário (maioria dos estados). Então, se o investidor não quer previdência porque prefere algo com mais liquidez, eis que ele novamente surge: o desconto hiperbólico.
Sintetizando: o seu patrimônio futuro é inversamente proporcional ao peso que você dá às gratificações imediatas.
Para fechar, deixo uma frase de Peter Drucker, que foi consultor, professor e é considerado o pai da Administração Moderna. Segundo ele, “o planejamento de longo prazo, não lida com decisões futuras, mas com o futuro de decisões presentes”.
É exatamente como naquele filme Butterfly Effect: a cada pequena ação no presente em que você der mais peso à gratificação imediata, isso representará um grande pedaço a menos do seu patrimônio no futuro.