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Pensar como Phil Fisher
Warren Buffett disse que sua filosofia de investimento é “85% Ben Graham e 15% Phil Fisher"

Se você me acompanha aqui, sabe que gosto de escrever sobre filosofia de investimento – especialmente sobre o value investing, filosofia que busco seguir à risca na Carteira Market Makers. Inclusive, já falei aqui que Warren Buffett disse que sua filosofia de investimento é “85% Ben Graham e 15% Phil Fisher”.
E não foi à toa. Phil Fisher foi o responsável por introduzir a ideia de que os melhores investimentos estão nas empresas de qualidade — aquelas que crescem de forma consistente e têm vantagens competitivas duradouras. Para descobrir essas empresas, ele fazia um trabalho de pesquisa minucioso, quase investigativo. Seu método era baseado no que ele chamava de scuttlebutt: conversar diretamente com quem realmente conhecia a empresa. Clientes que usavam o produto, ex-funcionários que construíram carreira lá dentro, atuais colaboradores, fornecedores, concorrentes, especialistas do setor — até autoridades regulatórias entravam no radar.
Na página 75 do seu clássico Ações Comuns, Lucros Extraordinários, Fisher descreve com precisão esse processo:
“Vá a cinco empresas de determinado setor industrial, faça a cada uma delas perguntas inteligentes sobre os pontos fortes e fracos das outras quatro, e terá um retrato apurado e surpreendentemente detalhado de todas as cinco.”
Recentemente, encontrei uma entrevista com Fisher, publicada pela Forbes em 19 de outubro de 1987, dia que ficou conhecido como “Black Monday” por conta da queda de 22,6% do índice americano Dow Jones. No artigo publicado pela Forbes, Warren Buffett escreve sobre o que podemos aprender com ele. Fisher tinha 80 anos na época, mas estava mais lúcido do que nunca – falando com clareza sobre mercado, inflação, portfólios concentrados, erros de timing, círculo de competência e, principalmente, sobre a importância de pensar como um investidor de verdade, e não como um especulador de curto prazo.
Cada princípio que ele compartilha ali é um lembrete do que realmente importa no mercado. Abaixo, compartilho o que mais me marcou nessa leitura.
1. Ação como proteção contra um cenário inflacionário
O mercado americano parecia caro naquela época, com empresas comuns sendo negociadas a múltiplos elevados. Fisher alertava para o risco desse cenário, mesmo sem prever o crash iminente – a entrevista foi realizada 1 mês antes do crash.
“Vejo novas ofertas de empresas banais sendo precificadas a cinco ou seis vezes as vendas. Isso é sempre sinal de perigo.”
Ainda assim, ele defendia que ações eram a melhor proteção para um cenário inflacionário – como havia estudado na França e na Alemanha do pós-guerra.
“Se eu conseguir sair disso com 80% dos meus ativos atuais em dinheiro real, e meus clientes também, estarei satisfeito.”
2. O contraste entre análises qualitativas e quantitativas
Fisher diferenciava os analistas quantitativos (que olham para múltiplos) dos qualitativos (que estudam os negócios e as pessoas).
“O analista quantitativo diz: vamos comprar a ação mais barata com base em múltiplos. O qualitativo diz: compre a melhor empresa, com a melhor gestão.”
3. Phil Fisher mantinha um portfólio concentrado de ações
Fisher mantinha 65% a 68% do patrimônio em quatro ações principais. O restante estava alocado em outras cinco, ainda em avaliação.
“Tenho quatro ações principais que são exatamente o que eu quero. Elas representam a maior parte da minha carteira. […] “Esses esforços foram necessários para encontrar as 14 ações que me geraram os verdadeiros ganhos. Mantive essas 14 por no mínimo 8 ou 9 anos e por até 30 anos.”
4. Jogue dentro do seu círculo de competência
Phil Fisher evitava setores como varejo e finanças. Seu foco era em empresas industriais que usavam ciência para crescer.
“Muitos [investidores] tentam ser bons em tudo e acabam não sendo mestres em nada.”
5. O cuidado de comprar apenas aquilo que entende
Ele não comprava ações de empresas que não conhecia bem. Preferia perder uma oportunidade a ser forçado a agir rápido em momentos de crise.
“Com o mercado caindo rapidamente, não quero me ver forçado a agir rápido em ações com as quais ainda não tenho familiaridade suficiente.”
6. A verdadeira oportunidade não será compartilhada em uma revista
Phil Fisher Recusou-se a citar as suas small caps favoritas na entrevista, com receio de que a matéria a levasse a subir antes dos resultados aparecerem.
“Das cinco menores, prefiro não comentar. Vou identificar duas das quatro principais: Motorola e Raychem. A terceira é uma small cap que vem sendo acumulada lentamente por outros investidores de longo prazo além de mim – ou seja, a quantidade de ações em circulação é muito pequena. Se essa empresa fosse mencionada na FORBES, ela subiria vertiginosamente. Mas como os lucros ainda não começaram a aparecer, depois cairia de novo. Não quero causar isso.”
7. Wall Street e a miopia do curto prazo
Citou o caso de uma empresa, abandonada por Wall Street após anos de lucro estagnado por contas dos investimentos que estava fazendo.
“Para mim, ela é o epítome de uma empresa de crescimento – mas está sendo negociada a um múltiplo preço/lucro que não reflete isso adequadamente.”
8. Não seguir a manada
“Também não compro ações que estão “na moda”. Eu percebo especialmente isso quando participo de reuniões sobre ações de tecnologia e vejo a sala cheia de gente. Se está tudo lotado, é normalmente um bom sinal de que não é o momento certo de comprar aquela ação.”
9. A diferença entre o contrarian e o tolo
“O verdadeiro sucesso não vem de ser um “contrarian” em 100% do tempo. Quando as pessoas viram que os automóveis estavam prestes a tornar os bondes urbanos obsoletos, algumas decidiram comprar ações de bondes, acreditando que estariam agindo contra a manada. Isso é ridículo. Mas ser capaz de identificar as falácias por trás de certas formas aceitas de se fazer as coisas – isso é um dos elementos fundamentais para o sucesso no mundo dos investimentos.”
10. Longo prazo como filosofia de vida
“É chocante o estresse que as pessoas se impõem tentando comprar hoje para vender amanhã. Isso é uma estratégia de pequenas vitórias. Os verdadeiros lucros estão no longo prazo. […] Ou aquela ação é um investimento melhor do que outra, ou é pior. Recuperar o capital é só uma questão de conforto psicológico.”
11. Gaste tempo estudando o negócio e não se o timing é o ideal
Phil Fisher percebeu que passava mais tempo tentando acertar os altos e baixos de uma ação (California Packing) do que estudando outra (Food Machinery). Os lucros vieram de quem ele entendeu melhor – e segurou por décadas.
“Esse episódio me fez abandonar a filosofia – quase aceita como dogma na época – de que o ideal era comprar na baixa, vender na alta, lucrar e encerrar a operação. Isso simplesmente não é uma abordagem válida.”
12. Graham vs. Phil Fisher
Graham buscava ativos tão baratos que tinham baixa chance de queda. Fisher procurava empresas excepcionais, desde que o preço não fosse exagerado.
“A minha abordagem é encontrar ações tão boas – desde que você não pague demais por elas – que elas terão um crescimento muito, muito expressivo. A vantagem é que uma parcela maior dessas ações tende a se valorizar em menos tempo – embora leve anos para algumas começarem a andar, e você inevitavelmente cometa erros. Mas, quando uma ação é realmente excepcional, a maior parte do seu movimento acontece em um período relativamente curto. A desvantagem da abordagem do Graham, da forma como ele a ensinou, é que ela é tão boa que praticamente todo mundo a conhece – e já aproveitou todas as barganhas que seguem sua fórmula.”
13. Um conselho de vida de Phil Fisher
“Eu poderia passar meia hora discursando sobre a tolice absoluta de obrigar as pessoas a se aposentarem aos 65 anos. Vi gente demais começar a entrar em declínio mental com a idade. Se isso acontecer comigo, tendo as responsabilidades que tenho, vou parar. Mas, a não ser que isso ocorra, acho um absurdo parar de fazer o que eu amo.”
Quase 40 anos se passaram desde que essa entrevista foi publicada. Mas os ensinamentos daquele que moldou Warren Buffett – o maior investidor da atualidade – continuam atuais, relevantes e, talvez, mais valiosos do que nunca