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Pensar pequeno no BNDES não era uma opção
Como uma crítica de André Esteves moldou Montezano e refletiu no BNDES
“Se te pedirem algo antiético, manda tomar naquele lugar que começa com C e fale comigo.”
Foi assim que o então presidente Jair Bolsonaro definiu a missão de Gustavo Montezano, que participou do episódio #160 do Market Makers, ao entregá-lo à presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2019.
A frase, recheada de tom direto, simbolizava a confiança que Montezano teria para conduzir o banco sem interferências políticas junto a Paulo Guedes.
Bolsonaro lhe deu liberdade total. Ele disse: “toque o banco com o Paulo Guedes. Não entendo nada de economia. Agora, se tiver qualquer ruído de lá, algo mal feito, que você não esteja sabendo gerenciar, você vai sair na hora. Jogue nas quatro linhas. Faça seu trabalho de forma correta e técnica. Qualquer barulho político, você me liga e a gente resolve. Agora, se tiver um cheiro de coisa ruim aí do seu lado, você vai sair ’.”
Com essa autonomia, Montezano não hesitou em implementar um plano ousado ao lado de Guedes para tentar resgatar o banco da crise que enfrentava. “Eu era o sexto presidente em cinco anos. O banco tinha uma instabilidade gerencial enorme. Era um terreno fértil para um turnaround.”
A cultura do BTG: como uma crítica de André Esteves moldou Montezano e refletiu no BNDES
Antes de encarar o desafio do BNDES, Montezano passou anos no BTG Pactual, onde desenvolveu uma visão agressiva de planejamento e execução.
Uma história específica marcou sua trajetória: “Passei uma semana fazendo um plano de negócios super agressivo, na minha visão. Quando levei ao Sallouti (CEO) e ao Esteves (Chairman), demorou um minuto para eles me dizerem: ‘Montezano, você está de sacanagem. Volta e refaz. Esse número está muito bundão. Pega e multiplica por três.’”
Naquele momento, Montezano percebeu que ambição era mais que uma virtude: era uma obrigação. “Achei que eles estavam malucos, mas refiz, multipliquei por três e pedi o que precisava. Eles me deram tudo. Moral da história: fizemos mais do que os três.”
Montezano afirma que essa mentalidade de pensar grande foi levada ao BNDES. “Quando chegamos lá, vimos que o potencial era enorme. Eu estava muito preparado, pois passei dois anos estudando o banco, sustentabilidade e o mercado de privatizações internacionais.”
O BNDES que Montezano encontrou
Ao assumir o banco, Montezano viu uma organização que, apesar de extremamente qualificada, precisava de um redirecionamento estratégico. “O BNDES tinha um patrimônio intelectual absurdo: 2.000 pessoas com terceiro grau completo, metade com mestrado ou doutorado, ganhando em média R$ 40 mil por mês. A visão de Brasil lá dentro era única, mas o banco precisava ser mais eficiente, mais produtivo, pensar mais no impacto da ponta.”
“Cheguei com uma direção muito clara: sustentabilidade. Chamávamos isso de ESG, mas essas siglas foram capturadas, então prefiro não usar. A ideia era gerar impacto ambiental e social através de instrumentos financeiros e reposicionar o banco.”
Montezano sabia que o BNDES precisava se alinhar às melhores práticas internacionais:
“Se você pegar os bancos de desenvolvimento mundo afora, verá que a maior parte foi criada após a Segunda Guerra. Naquele momento, era preciso reconstruir o mundo, e começaram a surgir esses bancos em diversos países para fazer financiamentos de longo prazo em infraestrutura, com juros baixos e capital estendido. No início dos anos 2000, a redução global dos juros e a tecnologia se espalhando no mercado de capitais e financeiro fizeram com que esses bancos fossem muito questionados de forma legítima.
Quando cheguei ao banco, a visão de que o BNDES, assim como outros no mundo, precisava se reposicionar era um consenso internacional. Isso significava transformá-lo em um aglutinador de soluções financeiras, responsável por preparar projetos, oferecer garantias e gerir riscos – e não apenas com operações de caixa. O objetivo era ser um catalisador de capital público e privado.
A ideia, então, era deixar de ser um financiador monoproduto, centralizado, que opera sozinho, para se tornar um banco multiproduto que articula com o mercado. Esse é o modelo do KFW alemão, do DFC americano, do BID, do Banco Mundial, do Banco do Marrocos e do Banco da Rússia. E esse tinha que ser o modelo do BNDES. Conseguimos agir rapidamente, e o BNDES foi um leading case.”
Mudanças transformadoras
Sob sua liderança, o banco implementou medidas inéditas. “Na pandemia, criamos o maior fundo garantidor da história do Brasil. Isso foi inoxorável. Precisávamos mobilizar capital para infraestrutura e apoiar projetos de transição energética e sustentabilidade.”
Além disso, fortaleceu o oferecimento de garantias para atrair capital privado, reduzindo a necessidade de desembolsos diretos do banco.
A redução dos desembolsos permitiu uma diminuição da dependência do banco de subsídios do Tesouro Nacional, aliviando a dívida pública. Na época, esse movimento foi bem recebido por economistas que defendem maior disciplina fiscal.
Diante das transformações, Montezano disse ao Market Makers que as condições estavam postas para o sucesso. “Para um gestor, o melhor desafio é assumir uma empresa mal gerida. O BNDES era isso: cerca de R$ 90 bilhões de patrimônio, R$ 500 bilhões de carteira de crédito e pessoas competentes, com uma cultura forte de gerar impacto para o Brasil e serem corretas. Mas que, apesar de tudo isso, precisava de um reposicionamento estratégico.”
O legado
O BNDES de Montezano emergiu como um case global de reestruturação e impacto. “O banco passou a catalisar capital público e privado, preparando projetos e criando soluções de garantias. O potencial estava lá, e nós o liberamos.”
O legado de Montezano no BNDES é marcado pela ousadia de um banqueiro que ousou multiplicar suas ambições, sem esquecer a lição dada por Esteves anos antes: pensar pequeno nunca foi uma opção.
Assista ao episódio aqui.