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Por que as empresas mentem
Você pode até enganar muitos por muito tempo, mas não engana todos por todo o tempo
Texto originalmente publicado na CompoundLetter, a newsletter do Market Makers. Inscreva-se na newsletter gratuitamente deixando o seu e-mail aqui
Na última quinta-feira, o mercado de capitais brasileiro foi surpreendido brutalmente com o fato relevante divulgado pela Americanas anunciando não apenas o descobrimento de ‘inconsistências contábeis’ que podem chegar a R$ 20 bilhões – disparado o maior escândalo contábil da história corporativa brasileira – como também a saída do CEO Sergio Rial e do CFO André Covre, após apenas 10 dias nos cargos.
Ao que parece, a motivação das ‘inconsistências’ surgiu da vontade de alguns executivos de inflar o lucro da companhia e omitir a real situação financeira da empresa – muito mais endividada e menos rentável do que os balanços contábeis sugeriam. Com um desfecho ainda imprevisível, o evento traz luz a um tema cinzento que vez ou outra aparece nas capas de jornais: fraude contábil.
É razoável imaginar que boa parte dos executivos de empresas de capital aberto listadas em bolsa tem interesse em mostrar resultados financeiros que satisfaçam a expectativa dos investidores e, consequentemente, façam as ações subirem. Embora a maioria das empresas atuem dentro da ética e seguindo as ‘regras do jogo’ ao divulgar seus resultados financeiros, algumas aproveitam regras não tão claras assim para trapacearem.
Não precisamos voltar tanto na história e nem levar o assunto para uma geografia diferente para mostrar que apesar de serem raras, as fraudes aparecem com certa frequência.
Somente em 2020 tivemos dois casos de fraude no Brasil: i) IRB, a resseguradora que não só inflou o lucro contábil para pagar bônus e fazer o preço das ações subirem como também fraudou a informação de que Warren Buffett – um dos maiores investidores do mundo e historicamente conhecido por ganhar dinheiro investindo no setor – havia comprado ações da resseguradora e, ii) a CVC, maior operadora de turismo brasileira, e outra que caiu na armadilha de executivos que trocaram honestidade e credibilidade por ganância.
“Show me the incentives and I will show you the outcome”. Essa é uma citação de Charlie Munger – sócio de Warren Buffett e uma das pessoas mais inteligentes do mundo – sobre como as pessoas são movidas por incentivos.
Apesar das fraudes existirem, e ainda que a Squadra tenha descoberto antes de todo mundo em IRB, a verdade é que é muito difícil prever a próxima falcatrua.
Conforme escreveu Ted Seides no texto mais recente do seu blog: ao realizar análises sobre um investimento, gastamos 99% do tempo avaliando os méritos da oportunidade e 1% pensando se o que estamos vendo é real. O fraudador passa 100% do tempo ficando dois passos à sua frente. A fraude é um risco que você assume em todos os investimentos e, às vezes, não pode evitá-lo. […] “fraude é fraude”.
Com a necessidade de algumas empresas de agradarem investidores para benefício próprio, sempre existirá a tentação da administração de extrapolar o desempenho empresarial por meio de ‘travessuras corporativas’, ou financial shenanigans como é conhecida a estripulia na literatura americana.
A atração por truques contábeis é particularmente forte em empresas com dificuldades financeiras que tentam acompanhar as expectativas trimestrais que o mercado vislumbra, bem como o desempenho de seus concorrentes.
Embora os investidores tenham se tornado mais experientes nesses truques ao longo dos anos, o que foi feito no passado, será feito novamente. Tão simples quanto isso.
As travessuras geralmente tentam encobrir alguma deterioração grave nos negócios de uma empresa. As mais óbvias são: desaceleração do crescimento da receita, contração das margens de lucro ou geração de caixa em declínio.
Nesta brilhante carta escrita em 1992 aos investidores da Berkshire Hathaway, Warren Buffett faz uma analogia para dar uma lição sobre empresas que cometem shenanigans para esconder verdades desagradáveis dos investidores. A carta descreve uma conversa entre um paciente gravemente doente e seu médico, logo após um exame de raio X revelar as más notícias sobre sua condição. Ao invés de aceitar o diagnóstico da sua saúde deteriorada, o paciente respondeu imediatamente à terrível notícia pedindo ao médico que simplesmente ‘retocasse’ as radiografias.
Obviamente que retocar as imagens não faria o paciente melhorar.
Apesar das fraudes continuarem existindo ano após ano, uma coisa todas elas têm em comum: enganam muitos por muito tempo, mas não enganam todos por todo tempo.