Notícia

4min leitura

Por que o investidor deve tomar cuidado com IPOs?

It's probably overpriced

Por Renato Santiago

04 set 2023 14h24 - atualizado em 04 set 2023 02h31

Existem duas definições da sigla IPO que circulam no mercado financeiro. A primeira é a oficial, e você vai encontrá-la em livros, no Valor Econômico, na Investopedia, nos prospectos das empresas para o mercado e em materiais que os banqueiros fornecem para potenciais investidores. Significa Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial, e designa a oferta de ações em bolsa de uma empresa que previamente não era negociada em mercado aberto. Simples assim. 

Mas existe também a definição extra-oficial, que circula entre os analistas e gestores, naquelas conversas mais informais e muito mais sinceras, entre pares e amigos que acontecem nos cafés, almoços, e nos bastidores de bons podcasts. Essa definição consiste em It’s Probably Overpriced (Provavelmente Está Caro Demais) e significa que na maioria dos casos essas operações de abertura de capital das empresas não são bons negócios.

As duas não são auto excludentes. Enquanto a primeira é objetiva, a segunda contém um juízo de valor, um sarcasmo e uma jocosidade com a qual, diria eu, a maior parte do mercado de ações, pelo menos do buy side, concorda: entrar em IPOs na maioria das vezes é um mau negócio.

(Buy side, aliás, são as pessoas que analisam as ações para comprar para si e para as empresas na qual trabalham, enquanto sell side são analistas que avaliam empresas para corretoras e instituições que vendem ações). 

Vamos investigar de onde vem essa concepção.

Guilherme Aché, gestor da Squadra, tem 35 anos de experiência no mercado financeiro. Seu fundo long bias está ativo desde 2008, com rendimento acumulado de mais de 950% no período, contra 90% do Ibovespa e 300% do CDI. 

É um resultado extraordinário. Mas tem uma coisa que o Aché não consegue fazer: lucrar com IPOs. Ele contou isso para a gente no episódio 60 do Market Makers, publicado quinta-feira. Foi praticamente um desabafo. “Minha experiência em IPOs talvez seja 100% de erro. Investi e perdi”, diz Aché. No último ciclo de aberturas de capital, entre 2020 e 2021, foram quase 80 operações, da qual a Squadra entrou em apenas quatro. Perdeu dinheiro em todas, “mas não entrei em 76”, consola-se.

Isso me fez perguntar: como um cara tão vitorioso consegue perder tanto? Por que IPOs são tão difíceis para investidores?

O problemas para o investidor são basicamente três:

Assimetria de Informações

Um IPO é uma transação na qual o dono de uma empresa vende um pedaço do seu negócio para um estranho no mercado, por intermédio de bancos de investimento. Um conhece a empresa profundamente há muito tempo e o outro teve duas semanas para estudar dados que os próprios vendedores entregaram. Assim fica difícil para o comprador, que vai pôr a mão no bolso, contestar qualquer coisa.

As metas

Existe uma dinâmica do mercado que é a de que o IPO não é feito para vender uma empresa pelo preço justo, e sim para conseguir obter a maior quantidade de dinheiro possível do mercado. Quando as companhias chegam à Bolsa, elas já passaram por várias rodadas de investimentos, muitos fundos precisam recuperar seu dinheiro investido e os donos querem um prêmio para compartilhar seu negócio com os outros. Do outro lado, o investidor quer pagar o famoso preço justo, que ele encontrou trazendo a valor presente os fluxos de caixas futuros a uma taxa de desconto. Conciliar os dois muitas vezes é impossível.

“Eles mentem pra burro”

Nunca fiz um IPO, de nenhum lado do balcão, portanto deixo essa afirmação nas palavras do Aché, mas acrescento que já ouvi isso de muitos outros gestores e analistas. Segundo o gestor da Squadra, não só ele sabe menos do que o dono sobre a empresa na hora do IPO, como também recebe informações falsas. “O cara [dono da empresa] obviamente quer vender pelo maior preço possível, geralmente mente para burro, assim como os banqueiros, mentem para caramba”, disse Aché. É por isso que muitos gestores só compram empresas novas depois da divulgação de seus primeiros resultados trimestrais, com dados padronizados de acordo com as normas das empresas de capital aberto. Se ganham menos dinheiro do que poderiam ter ganhado antes, paciência. Pelo menos não caíram em nenhum conto do vigário.

Em 2020, início da última safra de IPOs, Luiz Parreiras, da Verde, reclamou bastante disso – ele estava bem pistola. Quando conversamos, em dezembro daquele ano, ele mesmo havia feito um levantamento sobre as aberturas de capital daquele ano: foram 27 IPOs, com retorno médio de 8%. A questão é que, entre ele, havia a Locaweb, que sozinha subiu 300%. A mediana dos IPOs em 2020 foi de -3%. 

No ano seguinte, segundo com maior número de IPOs no Brasil – foram 46 empresas abrindo capital – os números também foram ruins. No começo do ano seguinte, a performance das ações era em média de -26%. 

Nosso objetivo aqui não é demonizar os IPOs. Eles são absolutamente necessários, pois sem uma oferta inicial, nenhuma ação estaria na Bolsa. Mas a questão está na precificação deles. Os números acima mostram que provavelmente aquela definição de IPO que está no começo do texto está correta: eles provavelmente são caros demais.

Compartilhe

Por Renato Santiago

Jornalista, co-fundador do canal Market Makers e do Stock Pickers, duas vezes eleito o podcast mais admirado do Brasil. Passou por grandes redações do país, como o jornal Folha de S. Paulo e revista Exame, e atuou na cobertura de diferentes temas, de cotidiano até economia e negócios. Sua missão, hoje, é a de usar sua expertise editorial e habilidades de reportagem para traduzir o mundo das finanças e mercado financeiro ao grande público.

renato.santiago@empiricus.com.br