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Prazer: sr. Mercado

No sobe e desce das cotações, eu sou a consequência, nunca a causa

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

14 Nov 2022 12h31 - atualizado em 14 Nov 2022 03h50

Texto originalmente publicado na CompoundLetter, a newsletter do Market Makers. Inscreva-se na newsletter gratuitamente deixando o seu e-mail aqui

Pedi espaço nesta coluna pois falaram tanta merda coisa sobre mim semana passada que resolvi contar quem sou. Eu fui de “sensível”, nas palavras do presidente do Lula, até “bolsonarista”, na definição de um jornalista do GloboNews. Quero acabar com esse bicho multifacetado que estão criando em cima de mim.

Muito prazer, meu nome é sr. Mercado. Eu sou um sistema de preços: eu mostro quanto as pessoas estão dispostas a pagar (e a receber) por diversos ativos, que podem ter liquidação imediata ou futura. Um comprador aceitou o preço de um vendedor, ou vice-versa? Tá feito o negócio e eu vou mostrar esse preço.

Então, quando você ouvir que “o mercado caiu após o presidente Lula não mostrar responsabilidade fiscal em seu primeiro discurso”, quer dizer que os preços de um determinado ativo caíram. Ou seja: os compradores queriam pagar menos por este ativo e quem tinha este ativo aceitou um preço menor para vendê-lo.

Essa dinâmica de preços está em todo lugar: já viu vendedor de capa de chuva em dia de show? Compare o preço que ele oferece o produto quando não tem uma nuvem no céu e o preço quando começa a chover. Se tem demanda e ele é a única oferta, o vendedor vai subir o preço.

Até aqui tudo bem. Mas eu não sou tão fácil assim. Já tentaram me definir de várias formas. Talvez a mais didática foi feita quase 80 anos atrás, no livro “O Investidor Inteligente”, do Benjamin Graham. Ele criou uma paródia para me definir como uma pessoa com problemas emocionais incuráveis, muito temperamental e hiperlativo nas emoções. Você pode me chamar de bipolar também. Tudo bem, eu entendo. Somos aquilo que despertamos nos outros, não é mesmo?

Se você tem uma empresa listada na bolsa, eu posso em um dia te fazer acreditar que seu negócio é o mais promissor do mundo e no dia seguinte te fazer sentir-se um lixo. E antes que você consiga entender minha mudança repentina de humor, eu posso voltar a te amar novamente.

Por que eu sou assim tão histérico (quando digo eu, refiro-me ao meu “sistema de preços”)? A resposta está em uma única palavra: expectativa. O que move os preços no mercado é a expectativa que as pessoas colocam neste ativo. Se você entender isso, já era: verás que eu não sou tão difícil assim (ou simplesmente aceitarás minha condição).

Quando um investidor compra a ação de uma empresa, o preço pago reflete a expectativa para os resultados que esta empresa. O preço está ligado ao futuro dela, não ao presente. E este resultado precisa ser trazido ao preço de hoje, pois o dinheiro tem diferentes valores ao longo do tempo (pra entender o conceito de valor do dinheiro no tempo, é só comparar quanto custava um carrinho de compras cheio no supermercado 10 anos atrás e quanto custa hoje. Sim, vai piorar daqui 10 anos).

Então, o que me faz subir e descer todo dia é a melhora ou piora de expectativa sobre determinada empresa ou setor ou país. Tão simples quanto isso. Por isso é um absurdo quando dizem que eu, o Mercado, sou desconectado da realidade. Na verdade, eu antecipo a realidade: eu trago para os preços de hoje o que está previsto para acontecer no futuro. Ou seja, se você me vê em pânico hoje, é possível que no futuro o “mundo real” também esteja em pânico. Ficou claro?

Óbvio, às vezes eu exagero, mas foi o que eu disse antes: eu sou assim. Me aceita que dói menos. Afinal, eu sou reflexo do comportamento das pessoas que aqui fazem parte e também das expectativas que o mundo me dá. Se eu só vejo incerteza no futuro, aí não há Rivotril que me controle.

O sr. Mercado é apolítico. Fui chamado de bolsonarista por um jornalista durante um debate no GloboNews. A justificativa: o “Mercado” ficou ruim (bolsa caiu e dólar subiu) por causa das falas do futuro presidente Lula. Não sou bolsonarista: basta lembrar quando as ações da Petrobras caíram 6% após Bolsonaro intervir na estatal e forçar a demissão do presidente Castello Branco.

Mas respondendo ao jornalista: eu, sr. Mercado, dei um voto de confiança ao Lula. Isso ficou claro na reação calma que eu tive no dia seguinte da eleição. Mesmo com o PT tendo sido pivô da maior crise econômica do Brasil em 2015 e com Lula sem trazer sinalizações de quem será seu ministro da economia, eu dei a chancela por acreditar que ele viria com um discurso moderado e conciliador – até porque as eleições mostraram que o País está rachado. Não foi o que Lula fez.

Na primeira oportunidade de falar o que deve ser seu novo governo, Lula questionou a tal responsabilidade fiscal, disse que gasto é investimento e fez outras afirmações que só me fazem pensar que a expectativa para o próximo governo é que seremos mais gastadores do que somos capazes de ser. Isso frustrou minhas expectativas e eu reagi muito mal.

Lula me chamou de “sensível”. Eu sei das minhas fraquezas. Então pra evitar que o emocional me atrapalhe, pegue o que os economistas estão falando: Samuel Pessôa, na sua última coluna na Folha, mostrou que Lula assumirá o Brasil com um buraco fiscal de R$ 200 bilhões e, pelo discurso da semana passada, esse buraco pode aumentar para R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões. Como ficar otimista com isso?

Eu vivo de expectativas. Aqui é um relacionamento: se você não me traz clareza que vai ser fiel e já começa a dar indícios que não vai me respeitar, minha cabeça vai entrar em parafuso, vou bolar mil teorias da conspiração, ficar p*& pra c*&¨%lho¨, mandar tudo pra pqp e sair fora (foi mal, me exaltei… inspira, 1-2-3-4, expira, 1-2-3-4).

Lula não é burro e entendeu o recado que eu dei semana passada. Ele sabe o que vai me acalmar: um bom nome no ministério da Economia e/ou uma boa equipe econômica que garanta uma expectativa mais responsável para o Brasil. Aprenda com seu antecessor: acha mesmo que eu acreditava no “Bolsonaro Liberal”? Claro que não, mas eu acreditava no Paulo Guedes.

Agora, não jogue em mim uma culpa que não carrego: a culpa não é minha que a bolsa caiu e o dólar subiu. Eu sou a consequência, nunca a causa. Me culpar pela disparada do dólar é como culpar o termômetro por acusar que o paciente tem febre.

Já deu pra mim. Até porque, tenho a impressão de que quem precisaria ler este texto nem vai chegar nessa parte. E quem leu ele inteiro, já deve estar careca de saber disso.

Se você gostou do texto, leve-o para mais pessoas, principalmente aquelas que não me entendem.

Deixa eu correr, o dólar futuro já mostra queda de 0,6% nos minutos iniciais desta segunda-feira. Mas não quer dizer que estou calmo.

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br