Completamos um ano de existência na última sexta-feira. Além de agradecer aos três leitores desta newsletter e aos cinco ouvintes do nosso podcast pela audiência e paciência, quero usar esse espaço hoje para olhar um pouco para trás e pensar nas lições deste primeiro ano.
Marcos temporais como este aniversário se prestam excepcionalmente para refletir e rememorar, e essa é a missão hoje.
Até agora, foram 52 episódios, mais de cem horas conversando com pessoas brilhantes que gerem bilhões de reais e estudam o Brasil e seus problemas com profundidade. Teria que fazer muita força para não aprender nada, convenhamos.
Essa CompoundLetter é a tentativa de uma coletânea das lições mais marcantes que o ano um do Market Makers trouxe para mim, sem ser redundante em relação às que o Salomão já expôs muito bem aqui.
O quanto melhoramos
Na antiga encarnação não tínhamos o hábito de trazer os mais experientes do mercado financeiro. Graças a Deus corrigimos essa falha no Market Makers, com Ivan Sant’Anna, Luiz Cezar Fernandes, Guilherme Affonso Ferreira e Roberto Vinháes — até agora.
Conversando com eles fica evidente o quanto o mercado de capitais amadureceu, ficou mais democrático e mais justo em relação aos minoritários. O Guilherme nos disse que, até os anos 1990, as ações eram como “dívidas que as empresas não precisavam pagar”. Ninguém levava a sério. Já o episódio com o Vinháes, fundador da IP, é uma verdadeira antologia de companhias tentando enganar acionistas que tinham a empáfia de cobrar que dividendos fossem pagos corretamente.
Valia tudo, desde o uso de seguranças para intimidar, até desligar o elevador e marcar a assembleia para o último andar da companhia. Imagine ser um investidor nessas condições e você dará valor para a sabedoria da velha guarda.
Política e mercado
A hipótese de que o mercado financeiro é totalmente eficiente e racional já foi descartada pela maioria das pessoas que o acompanha, creio eu. Conversando com tanta gente desta área, dá para perceber que nem tudo é preto no branco, nem todas as decisões são fruto apenas de estudos e dados e o coração muitas vezes entra em campo no lugar do cérebro, para o bem e para o mal.
Neste nosso primeiro ano, certamente o que mais poluiu as decisões dos gestores foi a política. Com a volta do PT ao poder, em uma transição e largada cheios de ruídos, grande parte do mercado deixou suas orientações ideológicas falarem mais alto, não percebeu a mudança do ciclo global, e assistiu a bolsa subir enquanto acreditava em um apocalipse econômico, que até o momento não aconteceu. Se você não concorda, pode ficar bravo comigo enquanto assiste ao episódio 49 com o Sandro Sobral, que demonstrou isso.
Distorções e mais distorções
Nesta encarnação também criamos o saudável hábito de trazer economistas que estudam o Brasil e seus problemas. Muito do que acontece no mercado se deve ao macro. Marcos Lisboa, Samuel Pessôa, Zeina Latif e Marcos Mendes vieram ao Market Makers e mostraram como o Brasil é um país de distorções. Subsídios, proteções e benefícios existem em toda parte e parecem fazer parte da personalidade do homo economicus brasileiro. Como resumido em um programa recente, para investir em ações no Brasil, é preciso ser tributarista, tamanho é nosso hospício fiscal. Isso se não aparecer um juiz e decidir que o chinelo que sua empresa produz é uma pantufa, e isso mudar seus impostos e sua lucratividade.
Narrativas e certezas
O mercado de ações é cheio de narrativas consolidadas, histórias cristalizadas que muita gente – inclusive eu mesmo – repete só por ter ouvido muitas vezes, como se fosse verdade. Mas muitas vezes elas não são, ou são contestáveis. Com o José Rocha, da Dahlia, aprendemos um bom exemplo disso.
Diz a narrativa consagrada até hoje que a bolsa brasileira caía em 2002 devido ao temor em relação ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas, e suas possíveis medidas heterodoxas. Temendo perder a eleição, Lula então divulgou sua Carta ao Povo Brasileiro, na qual prometia respeitar contratos nacionais e internacionais. Isso acalmou o mercado e fez a Bolsa subir. Essa é a narrativa consagrada. Mas ninguém percebeu que o comportamento do S&P, um ano antes e um ano depois, foi muito parecido com o da bolsa brasileira em dólar, o EWZ.
Em outras palavras, a Bolsa por aqui andou junto com a americana e ninguém percebeu, já que havia uma narrativa perfeita e confortável para explicar os movimentos da bolsa. O viés caseiro é um fato, e é forte.
Essas são apenas as quatro lições que mais me marcaram nesse primeiro ano de Market Makers. É claro que muitas mais existem, por isso nós resolvemos fazer um programa especial com os quatro sócios do Market Makers e falar sobre tudo que aconteceu entre o primeiro programa e hoje. Ficou um papo solto, leve, bem humorado (e até certo ponto caótico), que você pode ver e ouvir clicando aqui.