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Quem é Warren Buffett?

A história de um dos maiores gestores de hedge fund dos EUA e sua primeira entrevista de emprego

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

05 May 2025 09h46 - atualizado em 05 May 2025 09h46

A newsletter de hoje conta a curiosa história de Kevin Daly, um dos maiores gestores de hedge fund dos EUA, mas que passou uma vergonha enorme na sua primeira entrevista de emprego e que justifica o título da newsletter.

Mas antes, trago três aspas lidas nesta semana que ajudam a explicar o que ninguém consegue entender: o que se passa com os mercados atualmente.

“Não acredito que as estratégias que usamos nos últimos 40 anos irão funcionar no futuro.” Marc Rowan, CEO da Apollo Global Management

“Uma coisa, porém, é certa: o que terá sucesso nas próximas quatro décadas será diferente do que teve sucesso nas últimas quatro.” Matt Mendelsohn, CIO da Yale University

“Após muitos anos realizando visitas e reuniões presenciais com gestores nos EUA, nunca presenciei um cenário com tamanha falta de consenso e visibilidade como o que observei desta vez. (…) Há uma incerteza profunda sobre os rumos da economia americana e dos mercados nas próximas semanas e meses”. Dan Kawa, sócio da We Capital

E aproveito para dar parabéns ao meu sócio, Matheus Soares, pelo timing na inclusão de Irani (RANI3) na Carteira Market Makers – a ação sobe 13% após entrar no portfólio, embalada pelos ótimos resultados do 1º trimestre, que mostraram um ponto de inflexão no ROIC após 3 anos de queda. Se você é membro do M3 Club, há um relatório detalhado sobre ela na área logada, dê uma olhada.

Vamos à newsletter: Quem é Warren Buffett?

Talvez seja possível alguém que não acompanha o mercado financeiro fazer essa pergunta. Agora, imagina se você está em uma entrevista de emprego para trabalhar numa empresa do mercado financeiro nos EUA e faz essa pergunta ao recrutador?

É assim que começa a história de Kevin Daly, um dos gestores retratados no livro “Magos do Mercado: Hedge Funds”. Apesar da sua performance ser digna de colocá-lo como um dos personagens do livro, Daly conta que, na sua primeira entrevista de emprego, em 1983, disse não conhecer Buffett. “O que estão ensinando na faculdade de administração?”, rebateu o recrutador.

O episódio deve ter traumatizado Daly: nos 15 anos seguintes, ele não só se aprofundou no jeito Buffett de investir como colocou em prática em sua carteira pessoal de ações. Resultado: em 15 anos, apenas em 1 ele ficou negativo, em 1994. 

Em 1999, Daly lançou seu hedge fund, o Five Corners Partners, entregando em 12 anos uma rentabilidade líquida média de 16,4%. No acumulado, isso representa 514% (após as taxas de gestão), contra apenas 68% do Russell 2000 (índice de empresas de menor capitalização nos EUA) e queda de 9% do S&P500.

Apesar da classificação hedge fund lhe dar bastante flexibilidade, ele tocou a carteira do fundo praticamente como um “long only”, operando predominantemente comprado em ações, em especial small caps.

O retorno absurdamente positivo em 12 anos que a bolsa americana ficou de lado é parte explicado por boas escolhas de ações, mas principalmente pelo controle de perdas: em alguns momentos o fundo de Daly chegou a ficar 10% comprado, inclusive lhe fazendo perder boas recuperações do mercado.

Como ele mesmo diz: “prefiro perder uma oportunidade do que perder dinheiro”.

 Pra se ter uma ideia: entre 2000 e 2002, ele girou o fundo com uma média de 90% do dinheiro em caixa. Ele voltou a comprar no final de 2000 mas, após perder 6% em novembro (sua maior perda mensal da história), ficou quase zerado em ações. Com exceção deste mês, o fundo de Daly jamais teve perda mensal superior a 4%.

Daly foi analista praticamente a vida inteira: seu único trabalho antes de lançar seu hedge fund foi na boutique de investimentos Hoefer & Arnett. Chegou para ser corretor mas logo tornou-se analista de empresas. 

Segundo o livro “Magos do Mercado: Hedge Funds”, a estrutura do fundo de Daly é bem simples: ele opera como se fosse sua própria carteira, a partir do escritório que fica em sua própria casa – sim, ele toca a gestão do fundo sozinho. Como escreve Jack Schwager no livro: 

“Daly é um cara cujo trabalho e hobby são os mesmos. Se ele estivesse aposentado, acredito que sua vida não mudaria. Ele, sem dúvida, ainda estaria passando o dia gerenciando sua conta de ações, que seria indistinguível do fundo atual. Estaria fazendo exatamente a mesma pesquisa de gestão de investimentos que está fazendo agora”.

Algumas características interessantes de Daly que merecem reflexão:

> Foco em small caps: o fundo dele é considerado pequeno para os padrões americanos (US$ 50 milhões, na época da entrevista do livro), o que lhe permite buscar oportunidades nas empresas menos cobertas pelos investidores. “Uso o tamanho do fundo a meu favor, posso investir em empresas de menor capitalização que os maiores fundos não conseguem”.

> Filtro quantitativo, mas análise qualitativa: o universo de cobertura dele é de 10 mil empresas, mas usando filtros quantitativos através de múltiplos ou métricas operacionais, ele reduz para 200 empresas. A partir daí, ele parte para a análise qualitativa, que vai desde leituras de blogs e newsletters a conversas com outros investidores.

> O que ele busca em uma análise qualitativa: “a primeira coisa é se o negócio é facilmente compreensível. Eu me concentro em empresas com as quais estou familiarizado, o que Warren Buffett chama de investir dentro de uma ‘zona de competência’”.

> A regra de bolso de Daly: investir em bons negócios, que fornecem um produto ou serviço necessário e que tem saúde financeira (no balanço e na geração de fluxo de caixa) capacidade de sobreviver em momentos difíceis. A cereja do bolo: essa empresa pode vir a ser adquirida por outra, seja pela sua participação de mercado, propriedade intelectual, rede de distribuição ou valor imobiliário.

> A forma simples de evitar “value traps”: para Daly, é fácil evitar armadilhas de valor: basta ficar longe de empresas que não conseguem aumentar seu fluxo de caixa e o valor intrínseco. “Se eu achar que o negócio é um “cubo de gelo derretendo”, não vou investir nele, não importa quão barato seja. Por outro lado, se encontrar um negócio com desconto em relação ao seu valor intrínseco e perceber que esse valor está crescendo, tudo que preciso fazer é esperar, ser paciente. Como Buffett disse: ‘o tempo é inimigo do mau negócio e amigo do grande negócio’”.

> Venda quando a ação atingir o preço justo: auto explicativo.

A história do Kevin Daly nos mostra como o value investing pode ser versátil e aplicado em diferentes formas de investimento. O Oráculo de Omaha saiu de um desconhecido para o balizador da filosofia de investimento de Daly, o que o fez, com muita justiça, ser um dos gestores entrevistados no “Magos do Mercado: Hedge Funds”.

A versão traduzida do livro saiu do forno faz poucas semanas e eu tive a honra de escrever um dos prefácios do livro. Recomendo a leitura do livro, principalmente a história do Kevin Daly, do Edward Thorp e do Joel Greenblatt.

Recado a todos os brasileiros: quem não assistiu ao episódio com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que publicamos na quinta passada, sugiro que o faça. Já são mais de xxxx mil visualizações desde que o vídeo foi publicado e mostrou que é possível sim acabar com a máxima de que “político é tudo igual”. Assista a entrevista aqui.

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br