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3min leitura

Sobre Lula, Júlio César, Tancredo Neves e dominância fiscal

Será que já cruzamos o Rubicão?

Por Thiago Salomão

01 fev 2023 11h01 - atualizado em 01 fev 2023 11h08

Texto originalmente publicado na CompoundLetter, a newsletter do Market Makers. Inscreva-se na newsletter gratuitamente deixando o seu e-mail aqui

Ninguém chega ao Rubicão para pescar
— Tancredo Neves

49 a.C. À época, o Senado romano proibia que qualquer exército entrasse na república local, sob risco de que isso levasse a um golpe militar. O rio Rubicão era a linha divisória que, se ultrapassada, dava direito a Roma declarar guerra contra o exército invasor.

Foi no comando da XIII Legião que Caio Júlio César cruzou esta fronteira sem expressa autorização. Ao fazer isso, ele violou a lei de Roma e tornou o conflito armado inevitável. “Alea jacta est” (a sorte está lançada), exclamou Júlio César ao passar pelo Rubicão.

Júlio César entrou em Roma, afastou Pompeu e, ao fim de uma longa guerra civil, submeteu o conjunto do Império Romano aos seus desígnios de ditador vitalício.

Cruzar o Rubicão tornou-se similar a dizer: “depois de cruzar esse ponto, não tem mais volta”. É o leite derramado. A pasta fora do tubo.

A história do Rubicão foi a analogia que Bruno Coutinho, gestor da Mar Asset, utilizou durante sua participação no evento do Credit Suisse para ilustrar como tem sido sua reflexão sobre este início do governo Lula.

De todas as plenárias e debates que acompanhei ontem no 1º dia do evento do CS, esta foi a que mais me chamou atenção.

Será que Lula já cruzou o Rubicão e nós ainda não percebemos? Teria o presidente já tomado alguma decisão que contratará um desastre adiante, mas nós ainda não percebemos isso?

Até então, a grande decisão tomada pelo Lula foi a PEC da Transição anunciada ainda no ano passado, que contrata um aumento de 2% do PIB em gastos do governo.

Essa PEC traz um duplo efeito negativo: ela não só aumenta a dívida, como também aumenta o custo dessa dívida, já que o maior endividamento elevará o risco. A consequência disso: dominância fiscal, quando a inflação alta teria que fazer o BC subir os juros, mas a dívida fora do controle impede que o BC aumente os juros (sim, é um cenário econômico terrível).

Seria a PEC da Transição algo similar a cruzar o Rubicão, o que nos levaria a um cenário de que “não tem mais volta”? A conclusão do Coutinho é que não: “apesar de aprovada, este dinheiro ainda não foi gasto. É como se o Lula tivesse parado na beira do rio e a PEC foi a ponte que ele construiu para cruzá-lo. Mas ele ainda não cruzou a ponte. Existe um debate sobre se ele vai gastar esse dinheiro”, explica o gestor da Mar.

A PEC da Transição nos levaria para um debate de dominância fiscal, mas isso não é inevitável, porque o Lula ainda não cruzou a ponte. É como se ele já tivesse juntado o exército e gritado “vamos cruzar o Rubicão”, mas ainda não o fez.

O próprio Coutinho, no entanto, relembrou uma frase de Tancredo Neves que desanima até o mais otimista: “ninguém chega ao Rubicão para pescar”.

O que faria Lula desistir de cruzar a ponte que ele está indicando que cruzará, ou quem vai convencê-lo a não cruzar a ponte?

É difícil entender os movimentos atuais do Lula. Agora era hora de estarmos desacelerando a economia, mas as reações do Lula mostram que ele vê uma desaceleração como ameaça. A Dilma cometeu esse erro e apertou todos os botões possíveis para impedir o problema da desaceleração. Deu no que deu”.

A sorte está lançada.

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Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br