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Lula criou um espantalho chamado mercado

Acreditar que o mercado financeiro gosta de miséria é ignorar que a realidade

Por Renato Santiago

24 jan 2023 12h56 - atualizado em 30 jan 2023 05h04

Texto originalmente publicado na CompoundLetter, a newsletter do Market Makers. Inscreva-se na newsletter gratuitamente deixando o seu e-mail aqui

Quando foi eleito pela terceira vez para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva nomeou o mercado financeiro como espantalho-geral da república.

A ruidosa “cerimônia de posse” aconteceu ainda em novembro, no dia seguinte à entrega da PEC dos gastos de transição ao Congresso. Começou, como de costume, com um discurso do mandatário eleito.

“Não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal”, disse Lula. “O mercado fica nervoso à toa. É engraçado que não ficou nervoso com quatro anos do Bolsonaro”, completou.

Quando a bolsa caiu e o dólar subiu, o mercado assinou seu termo de posse como espantalho-geral.

Agora, quando o mercado financeiro questiona o governo do seu jeito, comprando e vendendo o que quer que seja, desinformados úteis entendem como querem.

O dólar subiu? O mercado é a favor da fome. A bolsa caiu? O mercado gosta de ver pobres recolhendo ossos no lixo para sobreviver.

Opiniões assim são como espantalhos: podem até parecer reais de longe, mas de perto são apenas versões falsas, distorcidas e mais feias do que o que imitam.

Se o mercado vende, é porque acha que o preço vai cair. Se compra, é porque crê que vai subir. São conclusões baseadas em hipóteses e fatos — como a hipótese de que Lula conduza uma política econômica desenvolvimentista parecida com a de Dilma, que de fato resultou em duas quedas consecutivas do PIB e desemprego.

O mandato de espantalho colou tanto que estamos sendo obrigados e lidar com coisas assim:

Algumas respostas são possíveis para comentários como esse. Em 13 anos cobrindo o mercado financeiro — dos quais quatro entrevistando os maiores operadores dele — jamais ouvi que fome seja bom para a economia, ou que uma vergonhosa tragédia humanitária se abatendo sobre um povo originário não seja exatamente isso: uma vergonhosa tragédia.

Outra resposta possível seria este link, com a cobertura do Valor Econômico sobre o que está acontecendo com o povo yanomami. Se está no Valor, o mercado vê.

Mas talvez a melhor resposta seja em forma de pergunta: antes de o espantalho ser empossado, você acompanhava o mercado financeiro? Você notou esteeste e este momento no qual Jair Bolsonaro e seu governo foram criticados?

E mais importante: sabia que as consequências de uma política fiscal errada são a inflação, que diminui o poder de compra dos mais pobres? E que a solução para esse problema é aumentar juros, que afeta diretamente a quantidade de empregos?

É claro que não se trata aqui de tentar convencer ninguém que o mercado é petista. Tenho a convicção de que, se apenas seus membros votassem, Jair Bolsonaro estaria tocando hoje seu segundo mandato.

Nem é o caso de ignorar que o mercado ponha o dinheiro em primeiro lugar, afinal esse é seu dever legal e fiduciário com os donos do capital que ele gere (eu e você).

Mas acreditar que o mercado financeiro gosta de miséria é ignorar que a bolsa depende de pessoas que consigam poupar para investir, comprar ações ou mesmo consumir. É acreditar que responsabilidade fiscal e social são antagônicas. É acreditar que espantalhos são pessoas.

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Por Renato Santiago

Jornalista, co-fundador do canal Market Makers e do Stock Pickers, duas vezes eleito o podcast mais admirado do Brasil. Passou por grandes redações do país, como o jornal Folha de S. Paulo e revista Exame, e atuou na cobertura de diferentes temas, de cotidiano até economia e negócios. Sua missão, hoje, é a de usar sua expertise editorial e habilidades de reportagem para traduzir o mundo das finanças e mercado financeiro ao grande público.

renato.santiago@empiricus.com.br