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STF, manobras parafiscais e esgotamento fiscal
Entenda a deterioração do nosso modelo político diante do esgotamento fiscal e a gradual ação do congresso contra amarras constitucionais.
O Brasil enfrenta um desbalanceamento institucional, com o Executivo perdendo poder para o Legislativo e Judiciário, gerando instabilidade política e insegurança econômica. A corrupção ressurge, refletindo na confiança dos investidores. Reformas são necessárias, mas difíceis de implementar, e o futuro fiscal do país é incerto, com riscos de crises antes das eleições de 2026.
Esta é a visão do renomado economista Marcos Mendes no episódio #132 do Market Makers Podcast.
Mendes é referência em entrelaçar a análise política e econômica de forma assertiva. Em 2022, organizou o livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”.
Trabalhou no Banco Central e no Tesouro Nacional, sempre em áreas relacionadas a dívida pública e finanças públicas.
Produziu diversos estudos sobre políticas públicas, os desequilíbrios orçamentários no Brasil e os problemas de gestão fiscal, suas causas políticas e econômicas. Organizou, publicou e participou de diversos outros livros como autor de capítulos.
Neste link está o episódio completo. Abaixo, trago quatro falas de Marcos Mendes que todo cidadão brasileiro deveria ler para ficar a par dos sérios problemas estruturais do nosso país. Nelas, ele aborda o papel conflituoso do Supremo Tribunal Federal, as manobras parafiscais do governo Lula, a deterioração do nosso modelo político diante do esgotamento fiscal e a gradual ação do congresso contra amarras constitucionais.
Confira:
A politização do STF
“Você vê um grupo econômico que foi um exemplo típico de negociação e casos de corrupção do passado, e que agora está com proeminência, conseguindo junto ao governo medidas provisórias para facilitar sua aquisição de empresas de energia, desconto em dívidas de delação premiada e crédito no BNDES a juros subsidiados. Ao mesmo tempo, há um juiz que comanda dois inquéritos nos quais ele é tanto acusador quanto julgador, sem que se saiba exatamente quem são os réus. Um desses inquéritos, o das fake news, está em andamento desde 2019, sem previsão de término, com decisões drásticas, como a suspensão do Twitter, que interfere na vida das pessoas e está impactando financeiramente a Starlink.
Como disse o ministro Nelson Jobim, o Supremo Tribunal Federal (STF) também virou um legislador supletivo. Toda vez que o governo não consegue aprovar algo no Congresso, recorre ao STF para resolver questões legais das estatais, emendas parlamentares e gastos fora do teto para lidar com crises. Dessa forma, o STF entrou na política, gerando um desbalanceamento que causa instabilidade política. Isso afeta a economia de duas maneiras: gera insegurança para investimentos e insegurança fiscal, já que a desestruturação política acaba levando à desestruturação fiscal, já que se torna difícil controlar as despesas das emendas parlamentares.”
O fantasma parafiscal
“Quanto ao panorama fiscal, parece que o governo está disposto a cumprir o arcabouço fiscal apenas ‘para inglês ver’. Para isso, estão incluindo receitas que não deveriam contar como primárias, como o dinheiro das contas privadas que está indo para o Tesouro. Ao mesmo tempo, estão excluindo despesas que deveriam ser primárias, como os programas do gás e o projeto “Pé de meia”, que estão sendo colocados fora do orçamento. Muitos recursos estão sendo direcionados para o lado financeiro, já que o que importa na meta fiscal é a despesa primária. Um exemplo é o Fundo da Aviação Civil, que deveria ser usado para reformar pistas de aeroportos e melhorar o atendimento nos aeroportos, despesas primárias. No entanto, o Congresso aprovou a possibilidade de o fundo fazer despesas financeiras, transferindo dinheiro para o BNDES, que então empresta para empresas aéreas a juros camaradas. Esse dinheiro geralmente é contingenciado, ajudando no ajuste fiscal. Agora, no entanto, o recurso será gasto, mas aparecerá como despesa financeira, não primária.
Há outros fundos no orçamento que recebem receita primária e estão aumentando seus desembolsos financeiros. O Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, que recebe receitas carimbadas, como royalties do petróleo e outras fontes, envia esse dinheiro para a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos). Quando o dinheiro vai para a FINEP, ele é classificado como despesa financeira, e não primária. A liberação de recursos da FINEP subiu de menos de R$ 3 bilhões em 2021 para R$ 13 bilhões no ano passado. O governo está criando mecanismos para financiar a máquina pública por meio de crédito parafiscal, já que, pelo lado fiscal, não é mais possível sustentar o sistema. Por exemplo, foi autorizado que o BNDES emita Letras de Crédito de Desenvolvimento, tornando-o independente do Tesouro para obter recursos e emitir empréstimos. Assim, o BNDES pode emitir suas próprias Letras e conceder empréstimos conforme achar conveniente. O Conselho Monetário Nacional pode aumentar esse limite conforme necessário.
Eu e Marcos Lisboa estamos preocupados com a EMGEA (Empresa Gestora de Ativos), uma empresa sem estrutura ou segurança, que o governo quer transformar em uma securitizadora de ativos imobiliários. O projeto de lei que permite à EMGEA securitizar créditos imobiliários afirma que ela poderá vender os papéis com prazos e taxas diferentes dos ativos que empacota, o que significa que ela assumirá riscos de taxa e de crédito. Não está claro como isso será gerenciado na prática. Além disso, o projeto de lei tenta, há anos, criar instrumentos de hedge cambial para investidores estrangeiros. O Fundo de Clima, mais um que não impacta o orçamento primário, seria responsável por fornecer hedge cambial para esses investidores, supostamente para investimentos em inovação e proteção ambiental. No entanto, o projeto foi redigido de forma tão ampla que qualquer tipo de crédito poderia ser incluído.
O Brasil está tentando fazer política de expansão econômica via Estado pela via parafiscal, o que é mais difícil de acompanhar e controlar do que o orçamento tradicional. Analistas fiscais terão muito mais trabalho, pois será necessário monitorar fundos e estatais, e não apenas os relatórios do Tesouro, já que o controle está se perdendo.”
Esgotamento fiscal torna o atual modelo político mais difícil de se manter
“É importante dizer que a crise fiscal é o segundo problema mais importante. Há uma ameaça de desestabilização institucional por conta do esgotamento fiscal. Enquanto há capacidade fiscal para sustentar o modelo político, ele continua, mas agora, com a falta de espaço fiscal, não é mais possível aumentar as emendas parlamentares. O jogo político está se tornando mais difícil, pois falta dinheiro para mantê-lo.”
Congresso lutando contra amarras constitucionais
“No modelo político atual, a Constituição colocou certas amarras no Congresso, que possui muitos interesses regionalistas, algo forte no Brasil, por ser um país grande, diverso e desigual. O Congresso vem tentando acabar com essas amarras, num processo difícil, em parceria com o Executivo. Desde 2006, por exemplo, as medidas provisórias vêm sendo limitadas, num processo gradual. No entanto, houve três momentos de intensificação no confronto entre Executivo e Legislativo, ocorrendo quando presidentes não jogaram o jogo de negociação de coalizão com o Congresso. Isso aconteceu com Collor e Dilma, que sofreram impeachment, e com Bolsonaro, que só não sofreu impeachment porque recuou e entregou o governo ao Congresso, especialmente ao Centrão, na segunda metade de seu mandato.
A expansão e aprovação de emendas constitucionais que aumentaram as emendas parlamentares ocorreram justamente em momentos de confronto entre Executivo e Legislativo. A resposta do Congresso diante da falta de coalizão foi tomar controle de parte do orçamento. O governo Temer, em contrapartida, jogou as regras do jogo. A composição do ministério de Temer refletia os partidos na Câmara, e, com muita conversa e coordenação da Casa Civil, foi possível aprovar várias reformas. Embora houvesse uma crise econômica que facilitou a aprovação dessas medidas, a formação de uma coalizão foi essencial. Contudo, esse modelo se deteriora ao longo do tempo. A população não gosta quando ministérios são entregues a partidos específicos, o que gerou as manifestações de 2013 contra esse modelo político.”