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Voto em ranking: uma anestesia para a polarização

A polarização, na maioria das vezes, produz administrações públicas paralisadas e engessadas

Por Market Makers

09 Jan 2025 17h46 - atualizado em 09 Jan 2025 05h47

A CompoundLetter de hoje foi escrita por Mauricio Moura, gestor do Zaftra Gauss, o primeiro fundo multimercado especializado em operar eleições mundo afora.

Mauricio participou do 
episódio 126 do Market Makers e é especialista em psicologia política pela Stanford, mestre em ciências sociais pela Universidade de Chicago e doutor em economia política pela FGV.

O texto fala de um assunto que não tivemos tempo de abordar no episódio: o 
voto em ranking. Neste texto, você vai saber como funciona esse formato de votação e por que ele poderia ser um caminho para diminuir a polarização nas eleições.

Boa leitura.

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A polarização política é uma realidade global. Em diversos países democráticos (e não tão democráticos) as sociedades se dividem quase de maneira binária a cada ciclo eleitoral. As eleições são decididas, em larga medida, por batalhas de rejeição e não mais por entusiasmo ou convencimento de um projeto político. Perde, geralmente por pequenas margens, quem tem maior rejeição. 

Os eleitos começam seus mandatos com metade do país completamente refratário a qualquer visão ou solução de política pública. Essa polarização, na maioria das vezes, produz administrações públicas paralisadas e engessadas. Enquanto as divisões políticas disputam o ódio ao oponente, problemas para os eleitores se acumulam sem solução. E mais espaço para “saídas” populistas e extremistas, sejam de esquerda ou direita, ganham relevância e com isso mais acirrada fica a polarização. 

E tudo isso com encapsulamento digital alimentado pelos algoritmos e grupos de conversa que deixam as pessoas isoladas em suas bolhas de opinião. O conhecido viés de confirmação que pauta as discussões pessoais sobre política. O espaço para soluções de consenso e comprometimento desaparecem e a sociedade segue sem avançar. E, com isso, temos um problema enorme para todos. A saída para esse beco político é longe de ser simples, mas há ingredientes disponíveis para amenizar e anestesiar esse vírus da polarização que assola a humanidade. Um desses elementos é o voto em ranking.

O sistema de voto em ranking, também conhecido como sistema de votação preferencial ou classificação, é uma abordagem onde os eleitores classificam os candidatos em ordem de preferência em vez de votar apenas em um único candidato. Nos Estados Unidos, cidades como Nova York, Santa Clara, Saint Paul, Cambridge e Minneapolis já adotam esse procedimento. Além dos estados do Maine e Alaska.  Ou seja, não é um experimento intelectual e teórico. Temos exemplos concretos. O Sri Lanka vai às urnas para eleger seu presidente no dia 21 de setembro também com um sistema de voto em ranking. 

Os argumentos em favor desse tipo de sistema são inúmeros e sólidos. Primeiro, há um impacto na representatividade. Esse sistema tende a refletir melhor as preferências reais dos eleitores, permitindo que candidatos que têm um apoio amplo, embora não sejam a primeira escolha de todos, ainda possam ter uma chance justa de ganhar. Isso costuma refletir melhor as preferências do eleitorado. E ainda promove a inclusão não somente de candidatos mas de diferentes ideias no debate público. 

Segundo, a redução do conhecido “voto útil”. Os votantes podem expressar suas verdadeiras preferências sem medo de “desperdiçar” o voto. Em sistemas de voto único, pode haver uma tendência a votar em um candidato apenas para evitar que outro candidato menos desejado vença. Com o voto em ranking, isso é minimizado, pois os eleitores podem classificar seus candidatos em ordem de preferência.

Terceiro, e muito importante para reduzir a polarização, premia melhor posições moderadas. Isso incentiva campanhas mais centradas e menos polarizadas, promovendo uma política mais colaborativa e menos extrema. Estimula um debate mais convergente para temas consensuais. Com isso, reduz o incentivo para campanhas negativas, que basicamente se propõe a “destruir” o oponente, muito comum nos dias de hoje. Com a necessidade de se classificar os candidatos em ordem de preferência, as campanhas tendem a ser menos agressivas e mais focadas em conquistar um lugar entre as primeiras escolhas dos eleitores, ao invés de tentar destruir a candidatura de rivais.

Obviamente, o voto em ranking não é a solução definitiva para o fim do ambiente extremista e polarizado que habita os debates eleitorais pelo mundo. A tecnologia, como mencionado, isola as discussões e aprisiona os eleitores em suas próprias bolhas. Todavia, é um mecanismo que cria os incentivos contrários à polarização. Nesse momento, dentro do ranking de potenciais soluções para anestesiar a polarização que nos paralisa, deveria estar no topo da lista. Só peço ao leitor que preste atenção nos locais onde o voto em ranking já é praticado.

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