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A maior crise da história da Faria Lima

Não é “uma das” crises, mas sim a maior crise. E não, ela ainda não acabou

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

19 May 2025 10h56 - atualizado em 19 May 2025 10h56

Faz tempo que eu acompanho o mercado financeiro bem de perto. Eu comecei no mercado em 2009, mas foi em 2016 que comecei a conversar semanalmente com, no mínimo, um grande gestor de fundos. Já vi e ouvi muitas histórias, desde aquelas mais “publicáveis” até as que ficam só nos bastidores.

Mas nunca – nunca mesmo – vi algo parecido com o que estamos vendo agora na indústria de fundos. 

Foi justamente isso que abordamos por mais de 1 hora no episódio #217 do Market Makers. Conversei com Samuel Ponsoni, fundador da consultoria Outliers Advisory. Foi uma conversa bem transparente e sem rabo preso, cuja conclusão foi: estamos vivendo a maior crise da indústria de fundos do Brasil

Não é “uma das” crises, mas sim a maior crise. E não, ela ainda não acabou.

Tivemos a prova inclusive no período entre a gravação do episódio e sua publicação: duas grandes gestoras brasileiras anunciaram que não farão mais gestão de recursos para terceiros: a Miles Capital, que tinha 8 anos de vida, e a GAP Asset, que tinha nada menos que 28 anos de história.

Mas afinal, o que está acontecendo com a indústria de fundos do Brasil?

A CompoundLetter de hoje fará um resumo dessa história:

O início: por que a indústria de fundos cresceu tanto

Em 2016, foi plantada a semente do que seria o grande crescimento dos fundos: o impeachment da Dilma deu início a um ciclo virtuoso de queda de juros e alta da bolsa, estimulando o investimento em renda variável.

Somado a isso, o movimento de “financial deepening” liderado na época pela XP Investimentos fez com que o investidor “do varejão” tivesse acesso a produtos que antes só os endinheirados conseguiam, entre eles os fundos de investimentos de grandes gestores.

O final de 2019 e começo de 2020 marcou o que talvez foi o “pico” desta indústria, com o AuM (sigla em inglês para ativos sob gestão) das gestoras brasileiras batendo seus maiores patamares históricos. 

Até que veio a pandemia…e inflou ainda mais este mercado: uma das respostas do governo foi jogar a Selic para 2% ao ano. Aí foi dinheiro em abundância para o mercado, através de IPOs, novas gestoras e mais captações.

Agosto de 2021: o início da crise

Tudo ia muito bem, até agosto de 2021 – momento que o Samuel Ponsoni definiu como “o início do bear market dos fundos de ações e multimercados”: de lá pra cá, foram 44 meses completos e em apenas 5 ou 6 meses nós vimos captação líquida positiva nestes fundos.

Os motivos para este bear market? Foram 5, na visão do Ponsoni:

1. A disparada da Selic: nossa taxa de juros, que começou 2021 em 2%, terminou aquele ano em 9,25%! Em junho de 2022, já estava acima de 13% e desde então nunca mais ficou abaixo de 10%. Só pra deixar claro: quanto mais alto o juro, menor a necessidade (ou disposição) do investidor em buscar estratégias mais arriscadas

2. Performance ruim dos fundos: coincidência ou não, estamos vendo uma das piores janelas de performance da indústria de fundos de ações e multimercados. Segundo levantamento feito pelo Samuel Ponsoni – e que é divulgado em sua página do LinkedIn -, 65% dos multimercados estão atrás do CDI no acumulado dos últimos 5 anos. A mesma coisa se vê no desempenho médio dos fundos de ações.

3. Novos produtos pra fazer concorrência: soma-se a isso a sopa de letrinhas de CRI, CRA, LCI e LCA, produtos que entregam uma rentabilidade garantida levemente acima de um benchmark (CDI ou IPCA) e são isentos de imposto de renda. Quem vai querer investir num fundo que cobra “2 com 20” e está entregando “CDI menos” se eu posso garantir um retorno em “CDI mais” e isento de IR? Difícil competir.

4. Desmanche de fundos exclusivos: aqui é um ponto mais técnico e específico, mas que de fato tirou muito dinheiro da indústria de fundos. Isso porque muitos endinheirados tinham veículos próprios, cujo grande benefício era não receber a mordida semestral do “come-cotas”. Com o fim deste benefício, houve um desmanche destes fundos e o dinheiro, ao invés de migrar para outros fundos de investimentos, parece ter ido para a sopa de letrinhas acima.

5. Excesso de novas gestoras: você não leu errado. Mesmo vivendo a maior crise da história da indústria de fundos, a Anbima nos mostra que nasceram mais gestoras do que fecharam nos últimos 3 anos.

A matemática financeira que tira o sono dos gestores

Para entender claramente as dificuldades de uma gestora sobreviver neste cenário, acompanhe esse exemplo:

  • Imagine uma gestora com 10 funcionários e com R$ 100 milhões sob gestão;
  • Se ela cobra 2% ao ano de taxa de administração de todo este montante, estamos falando de R$ 2 milhões de receita com isso. Esse valor é bruto;
  • Limpando esse número, sobra pra gestora uma receita líquida de 0,9% – ou R$ 900 mil;
  • Coloca agora custos de sistema, terminal Bloomberg, outras áreas non core, salários, aluguel do escritório chique na Faria Lima… no final, sobra muito pouco para pagar de “bônus” para aqueles 10 funcionários.

Apesar de todo “glamour” do mercado financeiro, a verdade é que um analista sem bônus ganha tão bem quanto um estagiário. Salários costumam ser baixos no mercado financeiro, para a compensação vir no bônus. 

Ok, um profissional que criou uma gestora certamente já fez seu pé de meia e pode ficar 3 ou 4 anos sem receber bônus por causa do período de vacas magras da bolsa. Mas será que um analista na faixa de 30 anos, ainda em fase de construção de patrimônio, terá a mesma paciência?

Essa reflexão tem provocado um êxodo de analistas de ações para outras áreas do mercado financeiro ou até para a economia real. E o pior: esses analistas não estão sendo substituídos por alguém com a mesma senioridade.

Diminuindo a capacidade técnica da equipe, como esta gestora conseguirá competir com qualquer gestora que, por não estar sofrendo com a crise, consegue manter um time de 20 analistas?

Isso pode provocar não só mais resgates, como também afetar a performance do fundo. E se performar mal, vai demorar mais tempo para pagar bônus – e o ciclo pernicioso recomeça.

(Aliás, durante o episódio eu citei um estudo feito pela TAG Investimentos, que estimou que uma gestora precisa de, no mínimo, R$ 400 milhões de ativos sob gestão para sobreviver. O link do estudo está aqui).

Conclusão: há esperança para a indústria de fundos? 

Definitivamente a resposta é sim. Em abril de 2025, vimos o IHFA (Índice de Hedge Funds da Anbima) ter a 3ª melhor performance mensal da história, enquanto fundos de ações estão tendo um ano de brilhar os olhos de quem acreditou na classe.

Seja um novo bull market ou um “voo de galinha”, a realidade é que o mercado hoje está muito mais concorrido para os gestores de fundos, seja pela evolução desse próprio mercado, seja pelas mil opções de investimentos existentes ex-fundos.

Para ver o episódio completo com o Samuel, clique aqui.

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Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br