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As narrativas do mercado não me importam

É melhor focar naquilo que sabemos

Por Thiago Salomão

06 nov 2023 14h33 - atualizado em 06 nov 2023 02h33

“A realidade não muda. O que muda é a nossa percepção da realidade”. 
Marcelo Gleiser, em live especial dos 14 anos da Empiricus

Na última semana, tivemos uma aula de como as narrativas do mercado podem mudar rapidamente. Isso me permitiu reforçar o valor de um dos nossos princípios como investidores no Market Makers: é muito melhor focar os esforços naquilo que sabemos e usarmos o “não sei” pra tudo que não sabemos.

Explicarei nas linhas abaixo o meu raciocínio em um texto mais longo que o de costume, mas espero que este insight seja tão útil para todos os três leitores que leem este periódico quanto foi para mim.

Começamos a aula com a conclusão do último episódio do Market Makerspodemos estar entrando na “terceira narrativa” do mercado e ela não é nada boa para o Brasil. Isso foi o saldo da conversa com Bruno Magalhães (gestor da Sterna Capital) e Carlos Carvalho (gestor da Kinitro), dois dos pouquíssimos gestores multimercados que estão batendo o CDI em 2023.

Pra quem não está atualizado às narrativas, vamos a elas: a primeira narrativa veio dias após a eleição de Lula, em 2022, quando ele trouxe um discurso bem agressivo e “anti-austeridade”, trazendo bastante pessimismo ao mercado (que, vale dizer, estava dando o benefício da dúvida ao novo presidente até aquele momento).

segunda narrativa, no entanto, surgiu após o texto do arcabouço fiscal, que na prática sinalizou ao mercado que o Brasil não iria virar uma Argentina. A retirada deste risco de cauda Foi o suficiente para o mercado se empolgar: bolsa pra cima, dólar pra baixo e juros “fechando”.

Agora, a terceira narrativa pode ter surgido na sexta-feira retrasada (27/out), quando Lula praticamente enterrou a hipótese do Brasil cumprir sua meta fiscal de déficit zerado: 

“Tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. O país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para este país. Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida” (LULA, Luiz Inácio da Silva).

Essa declaração pode fazer com que a discussão sobre o futuro do fiscal brasileiro, que em algum momento seria revisitada ano que vem, seja antecipada para ainda este ano. Isso foi suficiente para anular o poder da segunda narrativa, de que o arcabouço fiscal postergaria nossos problemas.

A análise da terceira narrativa foi ao ar no podcast quinta-feira, 2 de novembro, mas a gravação foi na segunda-feira, 30/out. Entre o dia da gravação e a segunda-feira que escrevo esta newsletter, tivemos dois eventos importantíssimos que podem, talvez, desconstruir essa narrativa:

Evento 1: Discurso dovish do Copom: a reunião do Copom na quarta manteve o corte de juros da Selic em 50 pontos-base (como esperado), mas sinalizou que devemos ter cortes na mesma magnitude nas duas próximas reuniões – ou seja, na reunião de 31 de janeiro a Selic deverá chegar em 11,25% ao ano. Além disso, o comunidade pós-reunião trouxe o acréscimo da palavra preocupação sobre o crescimento econômico mais fraco, sendo mais um indício para um Copom mais “dovish”.

Evento 2: Relatório de Emprego dos EUA bem fraco (bad news = good news): dados de emprego de outubro dos EUA, divulgado na sexta de manhã, mostraram: i) geração de novos cargos abaixo do previsto; ii) revisão para baixo dos números de agosto e setembro; iii) maior taxa de desemprego mesmo com redução da taxa de participação; iv) aumento salarial mensal abaixo do previsto. Desemprego maior e menos postos de trabalho gerados são notícias claramente negativas, mas isso foi interpretado como um sinal de enfraquecimento da economia dos EUA, o que seria um primeiro indício para, quem sabe em breve, o Fed começar a falar sobre queda de juros.

O Ibovespa teve uma reação explosiva a essas duas notícias na sexta, com alta de 2,70% (a lembrar que quinta foi feriado e a B3 ficou fechada). O SMLL, índice de small caps, subiu ainda mais forte: 4,54%.

Os acontecimentos citados acima e as reações subsequentes do mercado me fizeram refletir sobre o poder das narrativas: afinal, é a notícia que provoca uma reação nos preços, ou seria a reação dos mercados que explica o que a notícia quis dizer?

A pergunta é totalmente provocativa, pois o senso comum obviamente diria que é a notícia quem provoca a reação nos preços. Mas assumindo esse papel provocador, pergunto: 

Alguém no mercado realmente acreditava que o governo brasileiro iria cumprir a meta de déficit? Sendo assim, por que a reação negativa? E sobre a economia dos EUA: gerar menos emprego não é um sinal de fraqueza? Sendo assim, por que a reação positiva?

Meu questionamento é se os preços, que se movimentam de forma tão rápida e ríspida no calor do momento, podem ser termômetros tão precisos para medir se uma notícia foi boa, ruim ou neutra. A disparada da bolsa na sexta foi por causa da melhora das condições, ou nossa percepção de que as coisas melhoraram surgiu após a disparada da bolsa?

Para trazer mais “sustância” nessa polêmica, olha essa frase que o Bruno Magalhães falou no podcast, definindo como funciona a dinâmica do mercado: o mercado se movimenta de forma a machucar as pessoas da pior forma possível porque é onde está a posição.

Ou seja: para o mercado se mover, não basta uma notícia ser boa ou ruim, é preciso saber “quanto” do mercado se surpreendeu com esta notícia (e quando digo “quanto”, entre aspas, me refiro à quantidade de dinheiros que estavam posicionados na direção oposta da notícia).

“Ok, mas qual foi o insight extraído disso tudo?”

O insight é: não temos controle sobre as narrativas do mercado e não sabemos até quando elas continuarão fazendo preço e guiando os investidores. Então, a maneira que eu me blindo disso como investidor não é tentando investir com base nas narrativas, mas sim investindo naquilo que existirá no futuro independentemente da narrativa em curso. Tão simples quanto isso.

Vou pegar como exemplo a Vulcabrás, uma posição da nossa carteira e que subiu impressionantes 9,23% na sexta-feira. Os eventos citados acima ajudaram nessa disparada? Tenho certeza que sim. Mas não é por isso que investimos nela: somos acionistas de Vulcabras, dentre outros vários motivos, pelo crescimento constante de resultados que ela tem apresentado em vendas e margens, surpreendendo a cada trimestre, tudo isso dentro de um plano bem definido de expansão das suas marcas.

É um investimento que tem seus riscos e estamos mapeando isso (um deles passa pela reforma tributária) mas por enquanto vem cumprindo seu papel, operacionalmente falando. E temos VULC3 ao longo destas três narrativas e nossas decisões de aumentar ou diminuir o tamanho dela em nossa carteira não foram guiadas por mudanças de narrativa.

Um endosso a esse insight: semana passada o Morgan Housel (autor de Psicologia Financeira) participou do podcast do Tim Ferris para falar sobre seu próximo livro, “Same As Ever: A Guide to What Never Changes” (numa tradução livre: Mesmo de Sempre, um guia para o que nunca muda).

Housel disse que a premissa do livro é mostrar às pessoas que a melhor forma de tentar prever o futuro não é tentando adivinhar qual será a nova tendência tecnológica ou quando virá a próxima recessão, mas sim focar naquilo que sabemos que certamente fará parte do futuro. E ele trouxe uma história curiosa, contada para a ele por um CEO de uma grande empresa, de uma conversa com Warren Buffett:

Era 2009, ano pós-estouro do subprime, e os EUA estavam recolhendo os cacos da crise. Esse CEO estava em Omaha dirigindo um carro e Buffett estava no passageiro. Após perceber que várias lojas estavam fechadas pelas ruas, ele perguntou para Buffett: “como é que nós vamos sair dessa? O país nunca mais será o mesmo depois dessa crise!”

Buffett  respondeu: “Você sabe qual era o maior vendedor de chocolate em barra em 1962?”. Ele disse “não” e Buffett respondeu: “Sneakers”. E Buffett logo emendou: “você sabe quem é o maior vendedor de chocolates em barra hoje? Sneakers”.

Housel conclui com essa história que, olhando a história de sucesso do Buffett, percebemos que ele investiu em coisas que continuaram a mesma para sempre. Ou seja, ao invés de focar em quando a narrativa iria mudar, ele focou em quem serão as sobreviventes, não importa em qual narrativa.

Você pode acompanhar a entrevista inteira aqui, mas tem um trecho que resume bem essa passagem (fiz uma tradução livre): 

“Sempre fui muito cético sobre previsões porque desde sempre as pessoas erram projeções para tudo: mercados, economia, política. E por que elas erram tanto? Eu acho que elas erram porque sempre tentam prever o que vai mudar: qual será a próxima nova tecnologia, quem vencerá a próxima eleição, quando será a próxima recessão. E a nossa habilidade para isso é quase zero. Já o Buffett concentra-se em investir no que NÃO irá mudar. E ele é muito bom nisso, então ele aposta em coisas cujo comportamento humano mostra que não deve mudar, coisas que foram verdade nos últimos 500 anos e que deve continuar sendo verdade nos próximos 500 anos”.

Qual narrativa prevalecerá no mercado? Não sei – e nem me interessa saber.

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Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br