Notícia

5min leitura

icon-book

Enquanto uns choram, outros vendem rivotril

Em meio a um dos piores momentos da história dos fundos de ações, o investidor pessoa física pode aproveitar uma grande oportunidade que está surgindo

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

18 Jul 2022 13h58 - atualizado em 20 Jul 2022 06h13

De 2020 pra cá, essas foram algumas das mudanças que vimos na economia:

  • Selic de 2% para 13,25%;
  • Fed Fund Rate (taxa de juro dos EUA) de 0% para banda entre 1,5% e 1,75%;
  • IPCA de 4,5% para 11,7% (acumulado em 12 meses);
  • CPI (índice de preços ao consumidor dos EUA) de 1,6% para 9,1% (12 meses).

A velocidade destas mudanças foi bizarra. O mundo passou de “socorro, nos ajude” em 2020, quando o Covid virou uma pandemia sem precedentes, para o atual momento de “corta os estímulos que a inflação chegou”.

O que nos trouxe até aqui? Resumidamente (pois muita gente mais inteligente do que eu já falou disso), governos do mundo todo injetaram dinheiro nas economias via cortes de juros e auxílios emergenciais. Com dinheiro em abundância, tudo que era ativo subiu, de ações a cripto, de commodities a obras de arte.

“Não são os ativos que estão subindo de preço, é o [preço do] dinheiro que está caindo”, resumiu brilhantemente André Jakurski, fundador da JGP. A festa parecia não ter fim, mas as luzes de repente se acenderam: falta de diversos produtos necessários às cadeias produtivas (semicondutores foram os mais famosos) e guerra entre Rússia e Ucrânia afetando o já tumultuado mercado de commodities energéticas trouxeram inflação no mundo todo. E cá estamos.

Uma boa e uma má notícia sobre isso tudo. A má notícia é que ninguém tem a menor ideia do que vai acontecer, pois nunca na história presenciamos um estímulo fiscal e monetário tão grande e tão rápido. O futuro não é mais como era antigamente, diria Renato Russo.

E já que citamos Renato Russo, são nestas horas de incertezas que surgem pessoas com muitas certezas. Cuidado com quem fala demais por não ter nada a dizer. “A grande tese do momento é a cautela”, disse Rogério Xavier, gestor que tem algo a dizer, já que seu fundo SPX Raptor foi um dos que mais ganhou dinheiro neste difícil momento dos mercados (41% de rentabilidade no 1º semestre de 2022).

A boa notícia: por mais que não saibamos o que virá a seguir, momentos como esse costumam abrir grandes oportunidades. E já é possível perceber isso na bolsa brasileira, graças a um triste fenômeno que está acontecendo com os fundos de ações e que foi muito bem retratado nesta matéria da jornalista Ana Paula Ragazzi, do Brazil Journal.

O texto mostra que os fundos de ações tiveram resgate líquido em R$ 49,5 bilhões no 1º semestre de 2022. O motivo dos resgates? Claramente a alta dos juros tem sugado o dinheiro da renda variável para a renda fixa, mas não é só isso: está claro agora que havia muito dinheiro que não deveria estar nestes fundos de ações. Dinheiro de um investidor que não tinha o perfil para a “festa da bolsa”, mas resolveu entrar na dança pra não ser o único sem história pra contar segunda-feira no cafezinho (infelizmente, muita gente só aprende na prática que investiu mais do que deveria em um ativo arriscado).

A matéria traz a seguinte declaração de um gestor sob anonimato: “o problema é que o varejo continua investindo errado: veio para a Bolsa na alta, e agora está saindo na baixa”. Vale o registro pessoal: não lembro de muitos gestores reclamando do varejo quando estavam captando rios de dinheiro nos anos anteriores, ou de assets que decidiram fechar o fundo porque estava captando mais do que deveria.

“Mas Salomão, por que os fundos sofrerem resgates recordes é uma boa notícia?” Longe de mim comemorar uma notícia dessas (sou cotista de muitos fundos e amigo de muitos gestores), mas o fato é que esses resgates em massa têm provocado o que chamamos de “venda forçada”, que é quando o gestor precisa se desfazer de uma ação para atender estes resgates – e não porque ela deixou de ser um bom investimento (que é o que deveria justificar uma venda).

Fundos de ações têm em sua maioria 30 dias de prazo de resgate. Nesse prazo, ele consegue remanejar a carteira de forma a entregar o dinheiro para o investidor que pediu o dinheiro de volta sem que isso impacte os preços das suas ações investidas. Na prática: se um fundo com 100% do dinheiro aplicado em ações sofrer um resgate equivalente a 1% do patrimônio, o gestor terá 30 dias para vender algumas ações até juntar a quantia necessária para entregar ao sacador. De boa, não?

Agora, imagina se esses saques são bem maiores do que 1% do PL, feitos ao longo de vários meses e diante da bolsa em queda livre? Tendo que vender muito mais ações, ele pode se ver obrigado a se desfazer de posições de empresas com menor liquidez. Aí a lei da oferta e da demanda impera: um ativo com mais interessados em vender do que comprar terá uma queda no preço.

E é aí, queridos leitores que chegaram até aqui, que moram as grandes oportunidades.

Empresas com excelentes fundamentos mas com menor liquidez do que as tradicionais “Petro-Vale-Bancos” caíram muito mais do que deveriam neste cenário de maior do prêmio pelo risco. Não é possível cravar que elas caíram só por causa da pressão dos fundos, mas o fato é que estamos encontrando grandes casos de assimetria na bolsa, onde é possível comprar empresas boas a um bom preço. Tão simples quanto isso.

Importante deixar claro que essas empresas podem ficar ainda mais baratas (ou seja, cair ainda mais) ou podem simplesmente ficar baratas por muito tempo (ou “andar de lado” na bolsa). Mas a beleza de investir numa ação deste tipo é ficar muito mais seguro (eu disse seguro, não tranquilo; não existe tranquilidade investindo em ações) em carregar essa posição por longo prazo, mesmo que ela caia ainda mais após sua compra.

Comprar boas empresas a um bom preço: quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante.

Hoje, o motivo da sangria do investidor profissional pode ser o que vai ajudar o investidor pessoa física a brilhar na bolsa.

Enquanto uns choram, outros vendem lenços – ou rivotril.

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br