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Executivo de empresa: seu melhor amigo ou inimigo?

Lições de governança de Warren Buffet

Por Matheus Soares

22 nov 2023 14h33 - atualizado em 22 nov 2023 02h33

Uma das tarefas mais difíceis de um investidor de ações é entender se os incentivos financeiros dos executivos de uma empresa estão alinhados com os interesses do acionista minoritário. A última coisa que um acionista espera de um sócio executivo é que ele se aproprie oportunisticamente do dinheiro gerado pelo negócio, seja – citando apenas dois exemplos – aumentando o próprio salário sem um motivo claro para isso, seja enganando o acionista com ‘maracutaias’ financeiras quase imperceptíveis sem um olhar cuidadoso sobre os números. 

No último domingo, ao reler o livro “As cartas de Warren Buffett: Lições de investimento e gestão selecionadas das cartas aos acionistas da Berkshire Hathaway”, o tema remuneração aos executivos¹ – explorado pelo Buffett em suas cartas anuais entre 1985 e 2005 – certamente abriu ainda mais os meus olhos para esse tópico tão fundamental dentro da governança de uma empresa.

Destacarei, a seguir, os três principais insights extraídos da minha leitura com o velhinho e que já se transformaram em perguntas dentro de nosso processo de investimento: 

1) Quanto do crescimento de lucro líquido de uma empresa pode ser atribuído às decisões de alocação de capital dos executivos? 

Crescimento de lucro não necessariamente é bom: se o retorno sobre o capital investido for medíocre e o capital empregado aumentar na mesma proporção dos lucros, o crescimento de lucro não gera valor. Uma empresa quadruplicaria os seus lucros em 18 anos se simplesmente reinvestisse os lucros retidos em uma renda fixa que pague 8% ao ano.

Muitos planos de remuneração corporativa recompensam generosamente os executivos por crescimento de lucros gerados unicamente, ou em grande parte, por lucros retidos dos acionistas. Por exemplo, opções de ações de longo prazo negociadas por um preço fixo são concedidas, muitas vezes, por empresas que ainda não pagam muitos dividendos.

Neste exemplo prático, Buffett deixa claro como o interesse de um executivo pode não estar alinhado com o dos acionistas: 

Suponha que você tivesse uma conta poupança de $ 100.000 rendendo juros de 8% “gerenciada” por um executivo que poderia decidir a cada ano qual parte dos juros seria paga a você em dinheiro. Juros não pagos seriam “lucros retidos” adicionados à conta poupança para se acumularem. E suponhamos que seu executivo, em sua sabedoria superior, estabelecesse o payout [parcela dos lucros destinada a pagamento de dividendos] em 25% dos lucros.

Sob essas suposições, sua conta poupança estaria com $ 179.084 ao final de dez anos. Além disso, os lucros teriam crescido 70%, de $ 8.000 para $ 13.515 sob essa administração. E, por fim, seus “dividendos” teriam aumentado proporcionalmente de $ 2.000 no primeiro ano para $ 3.378 no décimo ano. 

Agora, só por diversão, vamos avançar um pouco mais em nosso cenário e dar ao seu executivo de “confiança” uma opção de compra a preço fixo com exercício em 10 anos baseada no resultado do seu “negócio” (ou seja, sua conta poupança) com base em seu valor justo no primeiro ano. Com tal opção, seu executivo colheria um lucro substancial às suas custas, apenas retendo a maior parte dos lucros. Se ele fosse tanto maquiavélico como também bom de matemática, poderia até ter reduzido o payout estabelecido.

2) Sob quais termos os executivos da empresa se beneficiaram de planos de remuneração com opções?

Você acha que os executivos de uma empresa ‘dariam’ uma parcela do negócio a um estranho? Muito provavelmente não. Contudo, a relutância dos executivos em fazer isso com estranhos não é correspondida pela relutância em fazer isso consigo mesmos ao aprovarem planos de remuneração via opções de compra a preços deprimidos. É aquele ditado: negociar consigo mesmo raramente resulta numa briga de bar.

A retórica sobre opções frequentemente as descreve como importantes por alinharem os interesses entre executivos e acionistas. Será mesmo? Nenhum acionista jamais escapou do ônus de ter que desembolsar dinheiro para comprar ações, enquanto aquele que recebe uma opção a preço determinado não tem essa despesa. Um acionista precisa considerar o risco retorno de um negócio; um detentor de opções não tem risco de perda. 

Um negócio no qual você desejaria ter uma opção é, frequentemente, um negócio no qual você teria dúvidas sobre se tornar acionista.

3) Os interesses entre executivos e acionistas estão alinhados?

Imagine um pacote de remuneração que dê ao executivo opções de dez anos a um preço fixo de exercício dando direito a ele receber 1% da empresa. O que ele deveria fazer: pagar dividendos ou usar os lucros da empresa para recomprar ações? O mais provável é que não pague dividendos. Eu explico:

Suponha que em cada um dos dez anos após a concessão da opção a empresa lucre R$ 1 bilhão de um valor de mercado de R$ 10 bilhões, o que inicialmente resulta em R$ 10 por ação tendo em vista 100 milhões de ações existentes. Nesse exemplo, o executivo teria direito a 100 milhões de ações. 

Se a empresa: i) não pagar dividendos ao longo do período, ii) usar todo o lucro para recomprar ações, e iii) negociar constantemente a 10 vezes o lucro por ação, as ações terão se valorizado 158% ao final do período da opção. 

Isso porque as recompras teriam reduzido o número de ações para 38,7 milhões, o que, consequentemente, teria feito o lucro por ação aumentar de R$ 10 para R$ 25,80. Ou seja, simplesmente retendo os lucros dos acionistas, o executivo do nosso exemplo teria ganhado R$ 158 milhões (10 milhões de ações x R$ 15,80 que é a diferença entre R$ 25,8 e R$ 10,00), muito embora o negócio não tenha saído do lugar. 

Mesmo se os lucros tivessem caído 20%, ainda assim o executivo teria ganhado mais de R$ 100 milhões durante o período. 

1. Na versão em inglês do livro, o trecho que me refiro encontra-se dentro do tópico “A Principled Approach to Executive Pay” a partir da página 72.

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Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br