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O Brasil não é um país normal

O Brasil tem uma lista de pelo menos 42 retrocessos econômicos populistas que consistem em subsídios, desonerações e benesses que impedem o avanço de políticas que poderiam gerar maior competitividade e eficiência

Por caio.nascimento

09 Jan 2025 17h29 - atualizado em 09 Jan 2025 05h29

“Acho engraçado quando falam em fazer ajuste fiscal, pois não dá para fazer ajuste fiscal aqui. O Brasil não é um país normal. Em qualquer país razoável, os gastos obrigatórios ficam em torno de 60%. No Brasil, é 94%, e você não pode reduzir por cláusula pétrea em alguns casos. Não pode reduzir salários, aposentadorias e nem transferências para estados e municípios. O que você pode fazer no Brasil é moderar a velocidade de crescimento do gasto, mas não reduzir. Na fase boa, você expande; quando há problemas, você não consegue reduzir. Pode cortar pontualmente algumas dezenas de bilhões de reais, mas não resolve o problema estrutural. Então, a política fiscal já é pró-cíclica.

Essa é a visão de Marcos Lisboa, doutor em Economia e ex-presidente do Insper. No episódio #134 do Market Makers Podcast, ele compartilhou suas impressões sobre as distorções microeconômicas que prejudicam o crescimento do país, reformas, qualidade do gasto público e outros temas que explicitam por que o Brasil vive um ciclo sem fim de crises. 

Ele afirmou que o Brasil tem uma lista de pelo menos 42 retrocessos econômicos populistas que consistem em subsídios, desonerações e benesses que impedem o avanço de políticas que poderiam gerar maior competitividade e eficiência, mapeados por ele e o pesquisador associado do Insper Marcos Mendes. Dentre eles, temos:

  • a redução a zero, por 60 meses, de tributos federais para hotéis e outras empresas do setor de turismo;
  • a não-incidência de IPTU sobre templos religiosos;
  • os privilégios previdenciários dos militares; e
  • proteção constitucional aos benefícios tributários e financeiros concedidos à Zona Franca de Manaus.


Lisboa também destacou o impacto das distorções microeconômicas que têm se agravado ao longo dos anos. Ele citou como exemplo o leasing, que funcionava muito bem até 2009, com um volume de financiamento de R$ 100 bilhões a juros relativamente baixos. 

Em 10 anos, esse número caiu para R$ 10 bilhões em função de decisões judiciais que distorcem o funcionamento do mercado. Uma dessas decisões determinou que, após o pagamento de um percentual da dívida, o bem financiado passa a ser mais do consumidor do que da empresa de leasing.

Esse tipo de intervenção “inacreditável” da justiça brasileira, como caracterizou Lisboa, desestimula esse serviço e mexeu com a previsibilidade de empresas do setor financeiro. 

Outro exemplo mencionado foi o sistema S, que recebe um tributo arrecadado diretamente do setor privado, mas que não vai para o governo e sim para entidades como Fiesp e CNI. “Na prática, quem paga esse tributo sobre a folha salarial é o trabalhador”, explicou Lisboa.

Legalmente, a responsabilidade de pagar esse tributo recai sobre o empregador. No entanto, economicamente, quem de fato acaba suportando o ônus desse tributo é o trabalhador. Isso acontece porque o tributo afeta diretamente os custos trabalhistas das empresas, que têm menos espaço para aumentar salários ou, em alguns casos, acabam reduzindo as vagas de emprego para compensar esse aumento de custo.

Reformas e retrocessos: a ciclotimia brasileira

Lisboa ressaltou a constante alternância entre avanços e retrocessos nas reformas econômicas brasileiras, o que ele chamou de “ciclotimia brasileira”. Ele citou reformas que trouxeram avanços, como a alienação fiduciária, a Lei de Falências, o crescimento do mercado de capitais, e instrumentos de crédito, mas que foram seguidas por retrocessos causados por decisões judiciais e políticas que desmantelaram esses progressos. “Você faz uma boa reforma que aumenta o mercado, aí de repente vem um retrocesso com entes políticos que alegam que leis que permitiram avanços não valem mais”, disse ele, agravando o ciclo de incerteza e instabilidade econômica.

A importância da qualidade do gasto público

Lisboa acredita que gasto público é ainda mais importante que a estrutura tributária. Ele destacou que, embora o sistema tributário brasileiro seja problemático e distorsivo, o maior impacto no desenvolvimento está na forma como o governo gasta

O economista afirmou que as histórias de sucesso no Brasil, com gastos públicos eficientes, seguem uma receita padrão: muito capital humano, com apoio do Estado em pesquisa, empreendedorismo, comitês de gestores, estudantes, apoio do setor privado e de entes públicos, como Ministério Público, Prefeitura e Governo. 

Um desses exemplos é o Porto Digital, o maior parque tecnológico urbano e aberto do Brasil, localizado em Recife com uma área de 171 hectares, o equivalente a 240 estádios do Maracanã. 

O Porto administra projetos nos eixos de produção de software e serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Economia Criativa, além do foco no futuro das cidades por meio de prototipação com base em fabricação digital e internet das coisas (IoT).

“Tinha uma universidade fantástica de ciência da computação e, com o apoio do governo e do setor privado, criaram um projeto inacreditável”, disse. 

Impacto incerto das reformas do governo Temer

Com sua crítica técnica digna de um bom pesquisador, Marcos Lisboa frisou a importância de sermos cautelosos ao analisar os impactos das reformas de Temer no Brasil, principalmente em relação à reforma trabalhista e seu efeito sobre o produto potencial do país. 

Afinal, a qualidade das bases de dados e as dificuldades enfrentadas pelas pesquisas econômicas do Brasil limitam uma análise conclusiva.

“Não sabemos ao certo os impactos. Começamos a ter alguns microdados de que a trabalhista teve impacto, mas as bases de dados não são tão boas. As pesquisas enfrentam hoje dificuldades que não existiam antes. Saudades da velha PME (Pesquisa Mensal de Emprego). A gente acompanhava a pessoa. Agora, no máximo, com muito esforço, acompanha o domicílio”, disse.

Veja tudo que você vai encontrar no episódio #134:

  • Discussão sobre a PL 1725;
  • Análise do Estado e corrupção;
  • Discussão sobre programas habitacionais;
  • Análise do programa Minha Casa Minha Vida;
  • Discussão sobre o arcabouço fiscal do Brasil;
  • A insegurança jurídica e o custo de investir no Brasil;
  • Discussão sobre a gestão de risco e capital no Brasil;
  • Previsões para o ciclo econômico brasileiro;
  • Discussão sobre a qualidade do gasto público;
  • Análise do sucesso do agronegócio no Brasil;
  • Discussão sobre a importância da produtividade;
  • Oportunidades e desafios na interação entre diferentes áreas;
  • A importância da inovação controlada;
  • Legado e aprendizados no Insper;
  • Reflexões sobre política pública;
  • Perspectivas para o Brasil;
  • Crítica à elite brasileira;
  • Conclusão e agradecimentos.

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