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Desconfiança: a grande vilã da Bolsa

'O Brasil está perdendo para ele mesmo'

Por caio.nascimento

10 Jan 2025 09h57 - atualizado em 10 Jan 2025 09h59

Muitas empresas listadas na Bolsa estão numa situação melhor, mas o capital cívico do Brasil se perdeu. É um problema maior que números frios

No episódio #148 do Market Makers, Thiago Salomão conversou com Albano Franco, sócio e gestor de crédito da SPX Capital. Ele comanda o fundo de crédito Seahawk, que acumula 62% de rentabilidade contra 48,7% do CDI desde sua criação, há 5 anos.

No papo de quase 1h30 (disponível aqui), Franco revisitou um artigo que é leitura obrigatória no time de crédito da SPX: “Corrupção e capital cívico” de André Lara Resende, um dos mentores do plano Real.

No texto de 5 páginas escrito em 2015, o economista temia o efeito reverso da campanha anti-corrupção da Lava Jato: propagandear o fim dos corruptos, gerar expectativa em diversos setores da sociedade e não cumprir, criando uma descrença que se espalharia por todos os lados, inclusive o mercado financeiro.

Isso, segundo ele, enfraqueceria o capital cívico do país, ou seja, o estoque de crenças e valores que estimulam a cooperação e a confiança entre as pessoas, o que inclui investidores que jogam fluxo de dinheiro para o mercado brasileiro.

André Lara Resende acertou e Albano tomou o artigo como uma grande lição.

Em outras palavras, o gestor da SPX avalia que a falta de confiança reforçada pela impunidade pós-Lava-Jato é o grande balde de água fria da nossa Bolsa.

Até porque problemas fiscais tão criticados pela Faria Lima e o Leblon são doenças com remédio: corte de gastos, reformas tributárias, contingenciamentos etc. Agora a desconfiança — ou, nas palavras de Resende, a “falta de capital cívico” — não tem antídotos tão óbvios.

Abaixo, a fala de Albano sobre isso na íntegra:

“Quando se fala em preço de equity, ‘P/L de 8x, empresa crescendo, quatro trimestres bons [mas não anda na Bolsa], o que está faltando?

Bom… um ano atrás falavam que o Brasil ia ganhar de W.O porque a Rússia já estava em guerra, China ‘entrando em água’, África do Sul com apagão e as pessoas ficando horas sem luz, México ia ter eleições. Enfim… o que aconteceu de verdade? O Brasil não ganhou de W.O e hoje está perdendo para ele mesmo.

De 2015 para 2016, o Brasil tinha um PIB caindo cerca de 3,5%. Em dezembro de 2013, o desemprego no Brasil era 6,3%. E foi terminar em início de 2017 a 13,9%. Agora estamos em 6,4%.

Estávamos em 2015 e havia a sensação de limpeza devido à Lava-Jato. Mas tem um ponto que André Lara Resende comenta no texto e que havia um risco grande de se materializar (e se materializou): o risco de exposição da corrupção. Se você expõe que existe corrupção e que está tudo errado no país, o que acontece? 1) Você limpa tudo ou 2) causa um efeito colateral de impunidade e descrença na relação das pessoas”.

Neste mesmo artigo, André Lara fala que se você chegar na Suécia e pergunta se confia na pessoa que está ao seu lado, se faria negócio com a pessoa que está do outro lado da rua, 70% diria que sim. No Brasil, 10%. É difícil fazer negócio aqui.

Então se uma empresa está crescendo mas andando de lado [na Bolsa], o que falta? É o fiscal? Pode ser, tudo bem. Mas acho que falta confiança. As pessoas falam muito no nosso mercado financeiro em meritocracia. Mas não é meritocracia. É confiança nas pessoas que você se associa e se relaciona no mercado.

O mercado e a sociedade brasileira, hoje, tem uma carência de confiança no outro, no resultado, num negócio, na justiça, na recuperação judicial de uma empresa e na recuperação de um crédito que você tem.

O texto ‘Corrupção e Capital Cívico’ é simples e emblemático. Aconteceu exatamente o que André Lara temia: o efeito da propaganda da corrupção.

Fizeram uma grande propaganda anti-corrupção, não extirpou o mal por completo e agora temos uma sensação de impunidade.

Daí pergunto: o Brasil está melhor ou pior que em 2016?

Lá atrás tinha a impressão de que havia uma luz. Agora está todo mundo numa sensação letárgica.

Muitas empresas listadas na Bolsa estão numa situação melhor, mas o capital cívico do Brasil se perdeu

Quanto tempo demora para recuperá-lo? Para perder é rápido, mas para construir é tijolo por tijolo.

Além disso, essa construção se dá também fazendo a propaganda anti-corrupção em situações erradas do dia a dia, como parar no lugar errado na hora de estacionar e andar de carro no acostamento. Todo mundo tem a ganhar, mas se todo mundo é corrupto, ninguém é. Então é uma sensação terrível que vai se disseminando na sociedade. É um problema maior que números frios.”

O episódio na íntegra está neste link.

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