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Alavancagem e confiança: os dois pilares mais importantes de um banco
Entendendo o que aconteceu com o Credit Suisse
Conforme o Thiago Salomão bem colocou na newsletter que ele escreveu ontem, o “bom jogador” no mercado financeiro é aquele que tem a curiosidade intelectual o tempo todo ativada. Eu não poderia concordar mais: o analista de ações que não é curioso perde o grande privilégio do seu trabalho que é aprender coisas novas todos os dias.
E por falar em aprendizado, nunca houve um momento tão propício quanto o atual para compreender o funcionamento do setor bancário.
O texto de hoje é uma continuação da newsletter que eu escrevi semana passada sobre a falência do Sillicon Valley Bank – a mais elogiada que já fiz. Abordarei hoje, os dois pilares que sustentam o setor e que todo acionista de bancos deveria saber: alavancagem e confiança.
Uma característica que nem todo mundo se atenta é que poucos negócios são tão alavancados quanto um banco. Eu explico.
A função principal de um banco é captar recursos daqueles que têm dinheiro disponível (os depositantes) e emprestá-los para aqueles que precisam do dinheiro (pessoas físicas, empresas e governos). O banco também investe parte do depósito dos clientes comprando títulos de dívida pública ou privada.
Não à toa, o crescimento do banco depende da sua captação, pois quanto mais ele captar, mais poderá investir em novos empréstimos e títulos de dívida.
Como o banco é uma máquina que transforma depósitos seguros em investimentos de risco, o pilar que sustenta essa transformação é a confiança. O depositante não pode perder o dinheiro que ele colocou.
Se os investimentos valerem mais do que os depósitos, os acionistas ficam com o que sobrar. Mas se os investimentos valerem menos do que os depósitos, haverá alguma interferência externa para que os depósitos sejam honrados.
Por conta dessa dinâmica, o patrimônio líquido – o ‘equity’ dos acionistas – é apenas uma pequena fração dos ativos (empréstimos e títulos) e passivos (depósitos) do banco.
O Itaú Unibanco, por exemplo, reconhecido historicamente como o melhor banco privado brasileiro, fechou o 4º trimestre de 2022 com R$ 2,5 trilhões em ativos e “apenas” R$ 170 bilhões de patrimônio líquido. Ou seja, o equity do banco representava em dezembro somente 6,9% dos ativos do banco. O Itaú possui R$ 6,9 de PL para financiar R$ 100 em ativos – uma alavancagem de 14,5 vezes!!
Se o valor dos ativos do Itaú sofrer uma correção de 6,9%, o PL do banco zera e o preço da ação deveria corrigir a zero. Ou seja, uma pequena mudança do ativo corrói todo o equity.
O leitor que passou por um aperto financeiro sabe o que é vender um ativo com desconto para pagar as obrigações.
Pegando um caso real como o do Credit Suisse, por exemplo. Em dezembro, o banco divulgou um balanço patrimonial composto por 531 bilhões de francos suíços (CHF) em ativos e CHF 486 bilhões em passivo, o que o deixava com um PL de CHF 45 bilhões (8,5% dos ativos). Na última sexta-feira o mercado pagava de CHF 7,4 bilhões pelo seu PL – o equivalente a 16% do book value e apenas 1,3% dos ativos.
Durante o fim de semana, as autoridades suíças buscaram uma solução rápida para evitar um possível colapso bancário iminente no país, que resultou na aquisição do CS pelo seu maior concorrente, o UBS, em uma negociação típica de um banco considerado too big to fail.
O preço pago pelo UBS foi de CHF 3 bilhões – 60% abaixo do preço de tela de sexta-feira e apenas 1% do pico atingido em 2007.
O Credit Suisse é um exemplo clássico de um banco que perdeu sua principal vantagem competitiva: a confiança.
Bancos não entram em falência da noite para o dia. As sementes de sua destruição são semeadas e regadas por anos até serem colhidas rapidamente.
O CS foi um desses casos.
Neste mini documentário de 26 minutos de duração feito pelo Financial Times sobre o Credit Suisse, diversos especialistas do setor – incluindo a participação do até então presidente do Conselho de Administração do banco – exploram os inúmeros e sucessivos escândalos que o banco passou ao longo dos últimos anos: simpatia histórica à tomada de riscos, conflito de interesses, problemas de governança, relacionamento com facções criminosas e envolvimento com as oligarquias russas, para citar alguns.
Apesar de não explicar o recente problema de liquidez financeira, trata-se de um excelente material para entender como o banco plantou as sementes que o levaram à insolvência.
Credit Suisse: what next for the crisis-hit bank? | FT Film