Notícia

6min leitura

icon-book

Fundos multiculpados: a mea culpa dos gestores em 2023

2023 não está sendo o ano dos multimercados

Thiago Salomão

Por Thiago Salomão

23 Oct 2023 14h05 - atualizado em 23 Oct 2023 02h05

Fundos multiculpados: a mea culpa dos gestores em 2023

Estive semana passada no UBS Investment Managers Forum, evento promovido pelo UBS e Credit Suisse e que reuniu grandes gestores multimercados e ações. O momento foi bem propício, dada a complexidade dos mercados atualmente.

Tirei vários insights sobre o momento atual e apresentarei vários deles a seguir. Só que, mais interessante do que as reflexões de mercado (pra mim, pelo menos), foi a “mea culpa” feita por alguns dos gestores multimercados sobre o ano decepcionante da classe.

Uma informação que corrobora com a reflexão que virá a seguir: dos 7 gestores multimercados que falaram no UBS Investment Managers Forum, nenhum deles está batendo o CDI no acumulado dos últimos 12 meses.

Eu sei que não é justo olhar apenas 12 meses, a melhor janela para você analisar um multimercado é, pelo menos, os últimos 36 meses. E nesse período, a realidade é bem mais favorável para os fundos (ver gráfico abaixo). Mesmo assim, é demasiadamente humano não gostar de ficar atrás do benchmark – tanto o gestor quanto o cotista.

Mas o que aconteceu em 2023? Nas palavras de Rodrigo Azevedo, fundador da Ibiuna e que falou no último painel do evento: nós somos gestores especialistas em pegar as viradas de política monetária, mas neste ano está muito difícil acertar o timing de quando iria ter uma recessão nos EUA.

Azevedo já falou sobre essa especialidade da Ibiuna em outros eventos e no nosso podcast (ele veio no episódio 5 do Market Makers): ele e Mario Torós, o outro fundador da casa, tiveram longa experiência como diretores do Banco Central antes de criarem a gestora. Isso se reflete na cota do Ibiuna Hedge STH no longo prazo.

Mas nesse ano de 2023, essa habilidade não foi suficiente para prever o que acontecerá nos EUA. Nas palavras do gestor: “esse é o mais intenso ciclo de alta de juros nos EUA em muitos e muitos anos. A questão é: o juro já parou de subir mesmo e daqui a pouco começa a cair? Ou será que teremos mais altas? Se sim, teremos hard landing? Temos dois mundos possíveis, e eu não sei em que mundo nós estamos”.

A fala de Felipe Guerra, da Legacy, que estava junto com ele no painel, corroborou a tese do Azevedo: “O Fed vem vivendo dilemas. Enquanto eles não forem resolvidos, fica difícil de operar os eventos idiossincráticos. (…) É como se estivéssemos em uma piscina nadando e chegando perto da borda: eu prefiro não acelerar a braçada para não correr o risco de bater a cabeça. Estamos leves de posições: os grandes alfas são gerados nestas grandes viradas do mercado”.

Era consensual ao final de 2022 que os EUA entrariam em recessão no ano seguinte, era só questão de tempo. Não é o que estamos vendo. “O impulso fiscal foi tão extremo, nível de guerra, que isso mascarou o efeito da alta brutal dos juros”, explicou Rodrigo Carvalho, gestor da estratégia macro da Clave Capital.

Para Carvalho, o juro real (taxa de juros – inflação) americano tem que ficar mais restritivo que o normalmente visto, “na faixa de 1,5% a 2%”, por causa da deterioração do resultado do governo. “Saímos de um EUA com superávits na era Clinton para um déficit de 3% e contando (…) O efeito da alta de juros vai vir, só que vai demorar mais”.

Sobre esse momento dos EUA, Felipe Guerra trouxe uma reflexão interessante: “Os EUA vivem hoje num fiscal frouxo e um monetário mais apertado. Uma coisa vai anular a outra e, no final, ao invés da economia ir pra frente ou para trás, ela rodopia sem sair do lugar. Vivemos isso na era Dilma e sabemos como a história terminou”.

Luis Stuhlberger, gestor do fundo Verde e que abriu o evento, foi além ao falar sobre esse fiscal frouxo dos EUA: uma hora, o governo americano vai ter que falar sobre aumento de impostos (não agora, pois teremos eleições em 2024, ele lembra). Mas quando isso surgir no horizonte a lucratividade das empresas será duramente afetada.

“EUA está gastando mais do que arrecada e essa conta no futuro não fecha. E ninguém está colocando na conta que uma hora teremos que ter aumento de carga tributária nos EUA. Isso vai afetar a lucratividade das empresas. Eu até penso em fazer um hedge nisso, mas não é o momento porque ninguém falará sobre mais impostos em campanha eleitoral. Mas essa gastança nos EUA e os efeitos no fiscal são os eventos a monitorar nos próximos anos”, disse Stuhlberger.

E o Brasil nesse cenário? 

O Brasil acaba sendo uma posição mais tática do que estrutural para estes gestores. O juro muito alto por aqui (tanto nominal quanto real) permite pescar oportunidades tanto na renda fixa quanto em ações (via empresas mais defensivas com Taxa Interna de Retorno elevada).

Contudo, alguns estão mais pessimistas. É o caso do Bruno Coutinho, da Mar Asset.

“Não acreditamos na tese que o arcabouço fiscal retira o risco de cauda do Brasil. Ele não é ruim mas não faz nada na margem, o que vai nos trazer para o equilíbrio fiscal serão as arrecadações extraordinárias, que esse ano ainda não entrou nada. Então, o déficit previsto em 2024 na verdade pode ser muito maior. Estamos vendo a dívida/PIB saltar de 71% para 90%, são quase 20 pontos de alta. (…) Então se por um lado o Congresso independente é positivo para segurar as pautas bombas, por outro ele breca as pautas de arrecadação. Por isso ainda somos pessimistas com Brasil”.

Azevedo, da Ibiuna, reforça essa visão pessimista e diz como pretende agir com ativos brasileiros neste cenário: “Qualquer ajuste fiscal que deu certo foi mirando gastos e não receitas, porque os gastos você controla e a receita nãoFoi o que deu certo no Lula 1, quando tivemos superávit primário de 4%. Agora, não é o que esse governo quer fazer: ele fixou os gastos e vai trabalhar na busca por receita. A história já nos diz que isso vai dar errado. Isso faz o Brasil ser um cenário tático: dólar bateu R$ 4,70? Sai fora. Ibovespa bateu 120 mil pontos, caso isso volte a acontecer? Sai fora”.

Toda essa grande volta para dizer: 2023 foi o ano que os multimercados foram traídos pela “não-virada” dos mercados e isso fez com que eles, até o momento, não batessem seus benchmarks.

O ano ainda não acabou e, mesmo que acabe nesta fotografia, não são em 12 meses que você define se um fundo é bom ou ruim. Tenho multimercados na minha carteira pessoal (os gestores de alguns deles inclusive estavam neste evento do UBS) e considero uma ótima classe para uma carteira diversificada.

Por isso, dizer que fundos multimercados são ruins tomando como base uma análise de 12 meses é como chorar uma derrota do seu time aos 30 minutos do 1º tempo. Ainda tem bola rolando e, com o perdão do trocadilho, multimercados vão melhores quando buscam a virada.

Compartilhe

Thiago Salomão
Por Thiago Salomão

Fundador do Market Makers, analista de investimentos CNPI-P, MBA em Mercados Financeiros na Fipecafi e na UBS/B3. Antes de fundar o MMakers, foi editor-chefe do InfoMoney, analista de ações na Rico Investimentos, co-fundou o podcast Stock Pickers e foi sócio da XP de 2015 a 2021

thiago.salomao@mmakers.com.br