“Remember, cash is a fact, profit is an opinion.”
Alfred Rappaport
A relação Preço/Lucro de uma ação, comumente abreviada como P/L ou P/E (price earnings), é o múltiplo preferido e mais usado pelos investidores e analistas de ações. Ele é bastante utilizado para comparar o preço de uma empresa com o quanto ela gera de lucro por ano. A grosso modo, quanto menor o múltiplo, mais barata a empresa; e quanto mais distante da média histórica, maior a oportunidade de investimento – seja na compra, ou na venda.
O grande questionamento é: será que essas comparações fazem sentido? Ou será que são enviesadas podendo levar à decisões erradas de investimento?
A explicação simples é que diferentemente do fluxo de caixa gerado pela empresa, o lucro contábil pode ser facilmente manipulado e ainda conter diversos números não recorrentes.
Enquanto no tradicional modelo de fluxo de caixa descontado há de se levar em conta premissas como crescimento de receita, nível de margens, capital de giro e necessidade de investimentos em ativos fixos, na avaliação por múltiplos essas variáveis podem ser ignoradas, sendo o múltiplo uma fotografia baseada somente no lucro contábil da empresa em um determinado período – o qual pode se distanciar bastante de sua média histórica ou tendência de longo prazo.
Por isso, é importante para o investidor saber o que está refletido no múltiplo de uma empresa e entender por que ele pode alterar ao longo do tempo.
A teoria por trás do múltiplo
Em 1961, os professores Merton Miller e Franco Modigliani ofereceram uma interpretação do valor justo de uma empresa bastante útil para os investidores e para a discussão sobre os múltiplos justos de uma ação. Eles separaram o valor de uma empresa em duas partes: o valor da operação hoje e as oportunidades de crescimento.
Este valor da operação hoje é equivalente ao valor presente do resultado operacional mantido constante até a perpetuidade mais o caixa líquido em posse da empresa (se ela tiver). Já o valor do crescimento da empresa depende do quanto ela investe, qual é o retorno gerado por esses investimentos e por quanto tempo ela pode encontrar esse tipo de oportunidade.
Formalmente o valor desse crescimento é dado pela fórmula abaixo – mas não se assuste, o ponto é mais simples do que esse:
Valor do crescimento da empresa = Investimento X (Retorno sobre o Capital Investido – Custo de Capital) * Período de Oportunidades / [(Custo de Capital) * (1 + Custo de Capital)].
O que importa da fórmula acima é que para a empresa criar valor além da sua operação hoje ela precisa investir com retorno superior ao seu custo de capital. Caso o retorno dos seus investimentos seja exatamente o seu custo de capital, o valor gerado pelo seu crescimento é zero, independente do quanto a empresa cresce. Se a empresa investe a um retorno inferior ao seu custo de capital, ela está destruindo valor.
E onde que entram os múltiplos nessa história?
Se sabemos o valor justo da operação atual de uma empresa, significa que podemos inferir também o múltiplo justo dessa operação. Este múltiplo deve ser o inverso do custo de capital – a taxa de retorno exigida pelos acionistas da empresa. Ou seja, se essa taxa de retorno for equivalente a 10% ao ano, significa que o múltiplo justo da operação é de 10x (1/10%). De forma intuitiva, um múltiplo de 10x significa que os lucros da empresa equivalem a 10% do valor pago para se investir nela, exatamente a taxa de retorno exigida pelos acionistas da empresa.
O que pode explicar o múltiplo dessa empresa ser superior ou inferior a 10x vem justamente do fator de crescimento dela. Se a empresa tiver vantagens competitivas e conseguir investir a um retorno superior ao seu custo de capital, ela pode negociar com um múltiplo superior a 10x. Se isso não for possível e a taxa de retorno de seus investimentos for igual a seu custo de capital, a empresa deve negociar a um múltiplo de 10x INDEPENDENTE DO SEU CRESCIMENTO.
É neste ponto que queríamos chegar. Não é porque uma empresa cresce mais que ela deveria negociar a um múltiplo maior. Na verdade, a empresa só deve negociar com um múltiplo alto caso ela consiga combinar este crescimento com rentabilidade. No limite, se ela buscar crescimento a qualquer custo, ela deveria negociar a um múltiplo abaixo de 10x.
Além disso, o custo de capital também impacta diretamente o múltiplo justo que uma empresa negocia e ele depende de uma série de fatores como taxa de juros, expectativas de inflação, prêmio de risco, entre outros.
Ou seja, quando acreditamos que a empresa A está barata porque negocia a um múltiplo menor que a empresa B ou menor que sua média histórica, antes devemos nos perguntar: existe algo que mudou no presente, como um aumento da competição, um esgotamento das possibilidades de investimento ou o potencial de ganho de market share pela empresa? O lucro reflete corretamente a tendência de longo prazo dos resultados da empresa? As taxas de juros ou o apetite de risco de mercado continuam os mesmos?
É provável que a resposta para alguma dessas perguntas seja não. O múltiplo é conhecido por todos no mercado e por isso devemos tomar cuidado por comparações deste tipo – não podemos assumir que os outros também não estão pensando da mesma forma que nós. Sempre que estamos estudando um investimento devemos nos questionar: o que o mercado sabe que eu não sei?
É por este motivo que no Market Makers gostamos de dedicar nosso tempo estudando o modelo de negócios a fundo de cada empresa e escolher aquelas que queremos ser sócios no longo prazo. Neste caso, acreditamos que estamos pagando bom preço por um fator de crescimento subestimado pelo restante do mercado.