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10 lições que eu aprendi com a Dynamo nestes 8 anos
Se hoje debatemos investimento em ações num podcast, os caras da Dynamo são os culpados
“A gente sempre procura um ‘master plan’ por trás de ideias que deram certo, mas a Dynamo não nasceu disso. A gente só queria fazer uma coisa: investir em companhias abertas com foco em longo prazo”.
(Pedro Damasceno)
O episódio #120 do Market Makers foi sem dúvidas um dos mais elogiados da nossa história. Recebemos Cristiano Souza, que por 30 anos foi gestor da lendária Dynamo e agora tem sua própria gestora, a Zeno Equity Capital, onde ele aplica toda filosofia vencedora da Dynamo buscando empresas globais.
Pra você que não conhece a Dynamo: nos últimos 25 anos, o Dynamo Cougar rendeu 10.985%, contra 1.600% do CDI e 1.100% do Ibovespa. Além disso, a Dynamo ajudou a disseminar o “value investing” no Brasil, numa época em que tudo era mato. Se hoje estamos debatendo sobre investir em ações num podcast, esses caras são um dos culpados.
Certamente os 143 minutos de conversa mereceriam um resumo aqui na minha newsletter. Mas não é isso que farei: ao invés disso, trarei algo que acredito ser complementar ao episódio #120: um resumo da primeira conversa que tive com alguém da Dynamo, em 2016.
Trata-se de uma entrevista em vídeo que gravei com Pedro Damasceno, sócio e gestor da Dynamo e que infelizmente nos deixou no ano seguinte, em 2017, aos 47 anos, vítima de um infarte fulminante.
A leitura deste “flashback” vai comprovar como muita coisa dita lá em 2016 pelo Pedro se conecta com as lições passadas pelo Cristiano 8 anos depois.
Aliás, foi inevitável que, durante a conversa, minha mente não voltasse lá pra 2016 e perceber o quanto que evoluímos em termos de maturidade do mercado e profundidade de discussões. Eu, que desde aquela época era um entusiasta e apaixonado pelo mercado de ações, me sinto realizado por ser esse ponto de conexão destes vencedores da bolsa com o grande público.
Vantagens de amar o que faz.
Abaixo, as 10 lições que aprendi com Pedro Damasceno e que merecem ser relembradas para este episódio com o Cristiano Souza. A 1ª e a 10ª são as que eu mais gosto:
1) A ditadura do argumento. “Na Dynamo, as discussões de investimentos são intensas, inflamadas. Isso é total mérito dos fundadores da Dynamo [Bruno Rocha e Pedro Eberle]: o que sempre valeu aqui foi a senioridade do argumento, e não o tempo de casa que você tem ou do cargo que ocupa. Todo mundo aqui é analista e todo mundo aqui precisa convencer os outros de suas ideias. Esse nosso negócio da decisão colegiada é meio que único mesmo, porque ele não funciona em qualquer lugar. Primeiro porque isso não é uma coisa que você consegue impor, ele tem que ser natural. Segundo porque a gente não está num negócio que tem que tomar decisão todo dia, ‘hoje eu vou comprar essa aqui e tal…’ as posições aqui são construídas ao longo do tempo, e isso ajuda bastante a minimizar o risco que corremos. Então, as pessoas têm que entender isso e se habituam ao longo do tempo de que tem que convencer os outros, é assim que funciona. Quando você tem uma ideia, ela é posta na frente dos outros pra que ela seja destruída mesmo, e essa construção/tentativa de destruir que geram boas ideias e sólidas ideias de investimento. E é bem por aí, a dinâmica é essa. Além disso, esse exercício traz mais segurança para a compra ajuda a minimizar o risco”.
2) No mercado financeiro, a depreciação joga a seu favor. No livro “Fora da Curva 1”, Pedro conta dos 3 pilares de investimentos da Dynamo: números, estratégia e pessoas [nota: qualquer semelhança com a tríade de investimentos apresentada pelo Cristiano Souza no episódio #120 do Market Makers NÃO é mera coincidência, risos].
Números são commodities, pois é um conhecimento que todos precisam saber. Porém, quanto mais tempo de mercado você tem, melhor é a sua leitura destes números e mais rápido você identifica tendências. Por isso, no mercado financeiro, a depreciação joga a favor dos investidores: o tempo faz com que você fique cada vez melhor.
Sobre os outros dois pilares: em estratégia, tudo gira em torno da pergunta “por que esse negócio é um bom negócio?” “Aqui na Dynamo, prestamos muita atenção ao risco que a gente corre, talvez porque boa parte do dinheiro dos sócios está aqui no fundo”.
Sobre pessoas, o entendimento vem com o tempo de convivência e em momentos diferentes da empresa e das próprias pessoas. “Isso leva tempo, não tem jeito”.
3) Dê valor às informações públicas (ou “estudar é diferente de ler”). Pedro explicou sobre a operação da Ambev com a Interbrew em 2004, que o mercado todo “leu mas não entendeu” quem tinha comprado quem na operação. Nas palavras do Pedro:
Ninguém tinha entendido se os brasileiros tinham vendido a Ambev pra Interbrew, mas o Acordo de Acionistas mostrou que na verdade os brasileiros compraram a Interbrew. Todo mundo leu o acordo, mas uma coisa é ler e outra coisa é estudar: nós ficamos por dois dias conjecturando sobre esse acordo. O acordo era bem engenhoso. Era um acordo em que cada parte tinha 50% da empresa, mas sempre que houvesse um impasse entre eles jogaria-se uma moeda para cima e quem ganhasse tinha o direito de veto. A partir daí, a decisão seguinte teria direito de veto do outro e assim iria seguindo alternadamente. O nome disso no acordo foi Alternative Casting Vote. Isso foi uma forma engenhosa dos brasileiros, que eram mais “mão na massa” e estavam no dia a dia da empresa, de ter de fato o controle da operação, e não necessariamente o controle societário. Isso pra nós foi a demonstração clara de que eles estavam comprando, e não vendendo a empresa, embora eles tenham ficado com 50/50.
4) Sobre paciência e não diversificar. Não é preciso operar várias vezes pra provar que você é bom no mercado: analisamos muito e investimos pouco, e isso nos propicia aumentar exposição nas ações que gosta e que caíram por condições de mercado. Quem ouvir o episódio com o Cristiano Souza terá uma imersão nestes dois assuntos.
5) Como a imprevisibilidade da macroeconomia pode ajudar investidores de longo prazo. “Quando você escolhe a empresa certa no setor certo – e somos obcecados por isso – e paga um preço justo por suas ações, consegue auferir bons rendimentos ao longo do tempo. Nesse sentido, a imprevisibilidade da macroeconomia até ajuda, porque afasta muitos investidores da bolsa e reduz os preços das ações de companhias interessantes”.
6) Segredo do sucesso: evite os grandes erros. “Se o investidor não fizer muita besteira, escolher empresas minimamente boas e dispor de capital de longo prazo, o tempo estará a seu favor. Os problemas acontecem quando as pessoas se desesperam e vendem na hora errada ou se animam em momentos de euforia. Pode parecer simplista, mas bom senso é mais importante para um investidor do que qualquer coisa. Tentar adivinhar os movimentos de mercado é muito difícil. Nós mesmos temos dificuldade em acertar o momento exato de vender uma ação. Normalmente, nós na Dynamo vendemos cedo demais, e fazemos isso porque gostamos de ter uma margem de segurança”.
7) Governança corporativa não é garantia de sucesso. “É isso que a gente tenta separar aqui: governança é uma coisa importante que precisa fazer parte de toda companhia, mas ela não garante o sucesso de um negócio, e nem vai garantir em nenhum lugar do mundo. Então, casos de fracasso empresarial vão existir ao longo do tempo, isso é saudável para o mercado, e a governança por si só não garante nada. Você citou o caso do grupo X: ele aderiu ao grau máximo do Novo Mercado e mesmo assim foi um negócio muito mal sucedido”.
8) Mercado não é competição com os outros. “Costumamos dizer que não estamos apostando regata e nem correndo contra ninguém. A gente quer gerar ao longo do tempo retornos consistentes e com riscos bem calculados. Pra isso, é inevitável que vamos ficar alguns anos abaixo do benchmark”. [contexto: no final de 2016, que foi quando fizemos a entrevista, o Ibovespa teve uma forte valorização puxada por altas de 3 dígitos de Petrobras, Vale e siderúrgicas. A Dynamo não aproveitou esse rali, mas isso não era algo que parecia preocupar Pedro].
9) O Brasil tem seus problemas insolúveis? Tire proveito disso. “Às vezes, como brasileiro, é chato falar que o Brasil tem uma série de problemas, gargalos, infraestrutura muito ruim… Porém, quando a gente olha sob a ótica do investidor, vemos o outro lado da moeda: um país com pouca infraestrutura e um sistema tributário complexo faz com que a gente tenha um ambiente competitivo menos ferrenho do que em países mais bem estruturados. E eu diria que, onde você tem menos competição, os retornos tendem a ser maiores. O Brasil ainda é um lugar que, a despeito da dificuldade de crescer, você encontra excelentes retornos pela falta de competição. Por isso a gente evita olhar pra essa questão de pessimismo ou otimismo, estamos mais voltados para os fundamentos de cada negócio, evitando a generalização e olhando para o caso a caso, tentando obviamente se adaptar a um mundo que tende a mudar e muda cada vez mais rápido”.
10) Fazer o que ama faz toda diferença. “O nosso desafio para o futuro é continuar fazendo a mesma coisa. A Dynamo foi um negócio que se tornou perene, não tem um cara que diz ‘vou me aposentar, já ganhei dinheiro…’ a Dynamo é um estilo de vida, é muito mais do que um trabalho. Aqui é um lugar onde as pessoas podem fazer disso sua extensão das suas vidas… tem sido assim, já estamos na segunda geração e já tem uma terceira geração que já estão seguindo esse caminho, tem pessoas conosco há 10 anos, pessoas há 5 anos, pessoas que vieram da faculdade… Então é isso, o desafio é a gente continuar nessa conjugação desse estilo de vida, num lugar saudável, bacana, que todo mundo tem prazer de trabalhar mas ao mesmo tempo um lugar onde competição, busca por retorno e excelência é mais importante do que tudo. Essa sintonia fina é o grande desafio”.