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A grande fusão, dois anos depois
O que o mercado ainda espera da união entre Hapvida e NotreDame Intermédica
Quando os planos de fusão entre Hapvida e NotreDame Intermédica se tornaram públicos, em janeiro de 2021, o mercado de ações brasileiro se empolgou. Exercendo nosso ofício de ouvir diariamente gestores e analistas, fomos testemunhas auriculares do nascimento do tesão pela tese.
Eram duas operadoras de saúde geograficamente complementares, verticalizadas (donas da operadora, hospitais e laboratórios, portanto menos expostas ao conflito de incentivos do setor), bem administradas, oferecendo serviços que os brasileiros mais desejam e precisam — até hoje a penetração dos planos no país gira perto dos 25% — por preços acessíveis.
“Não é sempre que um negócio assim acontece”, ouvíamos, depois de protocolares “o risco é dar problema na integração”.
Entre o vazamento das negociações na coluna de Lauro Jardim, em 8 de janeiro de 2021, e esta semana, aquela paixão deu lugar a um relacionamento morno e cheio de desconfianças. A segunda-feira começou com cara de divórcio entre o mercado e a companhia: HAPV3 caiu 11% depois de ser metralhada pelo sell side com rebaixamento triplo na recomendação da ação (Bradesco, JP Morgan e Bank of America).
Mas o que aconteceu nesses dois anos? Como o tesão virou desânimo? Para tentar entender, eu e o Matheus Soares conversamos com 6 gestores e analistas que acompanham o papel de perto há muito tempo, e o que encontramos é uma excelente lição sobre expectativas versus realidade . Neste grupo há quem esteja short, mas a maioria permanece com o papel, apesar de ter reduzido a exposição recentemente.
Sinergias
Muito antes de a fusão ser anunciada, o mercado já sonhava com ela, pelos motivos já citados. Contas de sinergia que chegavam a R$ 30 bilhões apareceram e foram levadas muito a sério pela companhia e analistas.
A previsão equivale hoje quase ao valor total de mercado da empresa, o que não parece despropositado, uma vez que as duas companhias tinham margem operacional perto de 20%, um fenômeno para um setor que lida com uma inflação severa e intensa regulação.
Descompasso
Então as consequências da pandemia começaram a aparecer em uma dinâmica surpreendente de receitas e custos. Com a covid, em 2020, os procedimentos eletivos ou de baixa gravidade foram suspensos, diminuindo custos das empresas (o que não era nem um pouco intuitivo); por causa dessa diminuição, os preços dos planos tiveram de ser reajustados para baixo em 2021, ao mesmo tempo que os procedimentos que estavam suspensos voltavam a ser realizados.
Com mais dinheiro e menos receitas, as margens obviamente sofreram.
Novo normal
A fusão foi apresentada ao mercado quando os últimos números públicos disponíveis eram os do terceiro trimestre de 2020 (quase o topo do ciclo), momento no qual a margem de Hapvida era de 17,8%, ou 6,8 pontos maior que a do mercado — números excelentes, e com perspectivas de aumentar ainda mais por causa das sinergias esperadas.
Olhando as margens do passado e o descompasso do presente, o novo normal passou a ser esperar quando essa margem irá se normalizar (ou seja, voltar aos patamares anteriores à pandemia). Oito trimestres depois, isso ainda não aconteceu.
Se no passado, com a ação valendo quase 40 vezes o lucro, Hapvida era uma tese que precisava mostrar crescimento combinado com aumento de rentabilidade, hoje, tudo que os investidores querem é algum sinal de que a margem vai voltar. O consenso parece ser o de ela deve melhorar, no entanto não é possível saber quanto ou em que momento. Os analistas se dividem, sim, quanto à paciência para esperar: alguns acham que a companhia já teve tempo demais, outros ainda topam esperar mais um ano.
Contexto
Não custa lembrar que essas expectativas que já citamos foram criadas em um contexto macroeconômico totalmente diferente. Em janeiro de 2021, a Selic era de 2% ao ano, com inflação anual de 4,52% (IPCA), ambiente no qual qualquer empresa tem mais chance de crescer e gerar mais receitas que o atual, de taxa básica de 13,75% ao ano e inflação de 5,8%.
Comando
Também não se pode esquecer que, enquanto isso, a Hapvida está absorvendo a NotreDame Intermédica, uma empresa praticamente do mesmo tamanho que ela, o que não é uma tarefa trivial nem para quem já gere uma operadora verticalizada há décadas, como a família Pinheiro.
Quando a fusão foi anunciada oficialmente, já em março de 2021, o plano era manter dois CEOs trabalhando juntos por dois anos. O prazo, no entanto, foi reduzido pela metade e ficou claro para o mercado que é o estilo de gestão da compradora, focado em controle obsessivo de custos, que será imposto à adquirida, que dava mais liberdade a seus gestores.
Desconfiança
Com isso, associado à dificuldade de normalizar margens, o mercado se ateve a um fantasma do passado, chamado Grupo São Francisco.
A São Francisco é uma operadora do interior de São Paulo adquirida em 2019 pela Hapvida por R$ 5 bilhões. Ao comprá-la, a companhia fez o que sempre faz: otimizou custos e verticalizou o máximo que podia. As margens subiram como sempre, mas o market share na região acabou caindo, fruto da insatisfação do público com os serviços.
Apesar de a companhia já ter feito inúmeras aquisições com sucesso no passado, muita gente no mercado hoje se pergunta se a NotreDame não pode ser um grande São Francisco e se a atual gestão, familiar e de “barriga no balcão”, será capaz de fazer a maior integração de sua história e manter os clientes.
Conclusão
Ao mesmo tempo que o mercado se questiona sobre margens, sinergias e gestão, ele reconhece que dois dos principais pilares da tese permanecem intactos: a subpenetração dos planos de saúde no Brasil e a eficiência do modelo verticalizado. Reconhece também que grande parte dos problemas vêm do contexto macroeconômico.
Sim, os relatórios do sell side divulgados nos últimos dias fizeram barulho e preço, mas a ação já voltou para o patamar de sexta-feira. O mercado, portanto, já ajustou suas expectativas, agora resta saber quanto a companhia pode entregar.