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Diworsification

É preferível ter poucas ações, mas entendê-las profundamente, do que ter muitas ações e mal conhecê-las

Por Matheus Soares

20 Sep 2022 11h59 - atualizado em 20 Sep 2022 02h41

A primeira vez que eu li essa palavra esquisita que virou título desta CompoundLetter foi durante a minha primeira viagem de carro para Florianópolis – eu estava no banco do passageiro e não do motorista. Na ocasião, eu lia pela primeira vez o livro One Up On Wall Street ou, na versão traduzida para o português, “O Jeito Peter Lynch de Investir”, um dos meus livros favoritos. 

O livro foi escrito pelo próprio Peter Lynch, considerado um dos maiores investidores de todos os tempos. Ele foi o gestor responsável pela carteira do Fidelity Magellan Fund entre 1977 e 1990. Durante esses 13 anos ele bateu o mercado em 11, conseguindo uma performance de 29% ao ano. Não à toa, o fundo saiu de US$14 milhões para US$18 bilhões em ativos sob gestão.

Dos vários  ensinamentos que ele traz no livro, um deles é que para ser bem sucedido investindo em ações você deve investir somente naquilo que conhece. Uma das formas de se fazer isso é buscando entender os fundamentos de uma empresa presente no seu dia-a-dia e que você tenha interesse em estudar. Dessa forma, será mais prazeroso entender se o produto ou serviço que a empresa vende é bom, se os clientes estão satisfeitos, se ela cresce receita com rentabilidade, se a ação oferece algum potencial de retorno etc.

Apesar do histórico consistente do fundo, poucos cotistas (se é que houve algum) conseguiram obter o mesmo resultado. O próprio Lynch diz que calculou que o cotista médio do fundo ganhou cerca de 7% durante o mesmo período. Isso aconteceu porque, na média, o cotista entrava quando a cota do fundo estava nas alturas e saía nas mínimas. Não é novidade que o investidor tem uma tendência comportamental de comprar na alta e vender na baixa.

Embora eu goste de estudar sobre vieses comportamentais, meu objetivo na CompoundLetter de hoje é falar sobre o tal diworsification.

Pro gringo a palavra é intuitiva: diversification significa diversificação e worse significa pior. Ao combinar as duas, temos algo como ‘pior diversificação’. Logo, essa palavra esquisita explica o fenômeno que acontece quando a diversificação mais atrapalha do que ajuda. Essa má alocação de capital pode acontecer não só em uma carteira de ações, como também no dia-a-dia de uma empresa. A IMC – dona do Viena, Frango Assado e Pizza Hut no Brasil – que o diga.

Nas palavras do próprio CEO da empresa, ao crescer comprando vários negócios em vários países diferentes (EUA, Panamá, Colômbia, México e Porto Rico), a IMC “virou uma empresa com um portfólio vasto mas complexo, com negócios muito diferentes e sem sinergias”.

Apesar disso, o anúncio não deixa de ser um bom indicativo pra frente já que a IMC mostra que não está insistindo no erro – e, cá entre nós, nem se quisesse – dado o atual nível de alavancagem com um juro alto corroendo o resultado.

A pergunta que fica é: será que ela vai conseguir vender os ativos da Colômbia ou será que, ciente do atual endividamento da companhia, um futuro comprador vai esperar mais um pouquinho pra fazer uma oferta? Eu tendo a ficar mais com a segunda opção. A ver.

Apesar dos pesares, esse é um exemplo clássico de uma empresa que diversificou mal, mas que agora está tentando corrigir os erros cometidos no passado.

Trazendo esse conceito para uma carteira de ações, apesar de muito se falar em “não deixar todos os ovos no mesmo cesto” e de minimizar o erro adicionando novas ações descorrelacionadas entre si, eu sou do time que acredita que é preferível ter poucas ações, mas entendê-las profundamente, do que ter muitas ações e mal conhecê-las.

Eu não estou falando para você colocar todo o seu dinheiro em uma tese de investimento até porque você tem que evitar ao máximo o risco da ruína (da falência, propriamente dita). Mas coloque dinheiro em algo somente se souber os motivos pelos quais está investindo naquilo.

Recorro (mais uma vez) à Peter Lynch para sustentar esse argumento.

Na página 239 da versão em inglês do livro, ele diz que é preferível comprar quantas ações você desejar desde que atenda aos seguintes requisitos:

(a) você tenha alguma vantagem; e (b) você tenha descoberto uma oportunidade interessante que passou pelo seu processo de análise. Talvez seja uma única ação, ou talvez seja uma dúzia de ações. Talvez você tenha decidido se especializar em turnarounds [casos transformacionais] ou ativos cíclicos e decidiu comprar vários deles. Não adianta diversificar em empresas desconhecidas apenas pela diversidade. Uma diversidade tola é o “duende” dos pequenos investidores. Dito isto, não é seguro carregar apenas uma ação, porque apesar do seu esforço analítico, a que você escolher pode ser vítima de circunstâncias imprevistas. Em carteiras menores, eu me sentiria confortável em possuir entre três e dez ações.

Se você conseguir encontrar 20 teses de investimento e entendê-las profundamente, vá em frente. Só cuidado para não ‘diworsificar’ a sua carteira, pois o cesto de ovos pode estar furado.

Food For Thought

Charlie Munger, o sócio bilionário de Warren Buffett e uma grande inspiração para mim, não é apenas um dos melhores investidores do mundo, mas também um dos maiores sábios que o mundo já viu. Em 2007, em um discurso de 37 minutos para os formandos da USC law school, Munger discorre sobre alguns valores universais que o ajudaram durante sua vida. Entre eles, a constante busca por conhecimento dos mais variados assuntos.


Constantemente vejo pessoas subindo na vida que não são as mais inteligentes, às vezes nem as mais diligentes, mas são máquinas de aprendizado. Elas vão para a cama todas as noites um pouco mais sábias do que eram quando se levantaram, e cara, isso ajuda, especialmente quando você tem uma longa corrida pela frente. […] Então, se a civilização só pode progredir com um método avançado de invenção, você só pode progredir quando aprende o método de aprendizagem. Nada me serviu melhor em minha longa vida do que o aprendizado contínuo. Passei a vida praticando constantemente (porque se você não praticar, você perde) a abordagem multidisciplinar e não posso dizer a vocês o quanto isso fez por mim. Tornou a vida mais divertida, tornou-me mais construtivo, tornou-me mais útil para os outros e tornou-me imensamente rico.”

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Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br