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Entre milagres e décadas perdidas: Kahneman explica o Brasil

Nem 0, nem 10, apenas continuaremos sendo o país mediano de sempre

Josué Guedes

Por Josué Guedes

17 Aug 2022 11h09 - atualizado em 17 Aug 2022 11h09

Bastaram algumas revisões nas estimativas de crescimento do Brasil e um rali do Ibovespa (fomos dos 96 mil pontos para os 113 em um mês) para o clima no Condado da Faria Lima voltar a ter ares de Suíça — investidores da Fintwit captaram essa mudança de “temperatura”.

E é justamente nesses momentos que Daniel Kahneman, psicólogo israelense que ganhou o Nobel de Economia em 2002, e o capítulo 17 (Regressão à Média) do seu livro Rápido e Devagar me vêm à memória. Poucas ideias universais explicam tão bem o Brasil quanto aquela. Claro que a regressão à média não é algo restrito a esse país tropical, porque o fenômeno serve para explicar de temas relacionados à genética ao desempenho dos pilotos de caças.

Esse conceito traz uma clareza tão assombrosa sobre a breve história de 522 anos do nosso país que desconfio que sir Francis Galton, descobridor do fenômeno, incluiria facilmente o “caso Brasil” em suas apresentações acadêmicas se tivesse tido oportunidade de desenvolver um estudo profundo sobre a mediocridade brasileira.

Galton descobriu a regressão à média estudando genética, já Kahneman teve seu momento “eureca!” sobre o mesmo assunto quando ensinava psicologia do treinamento eficaz a instrutores de voo da Força Aérea Israelense.

Após explicar como “recompensas por desempenho aperfeiçoado funcionam melhor do que punição por erros”, um dos instrutores comentou que não concordava, pois em várias ocasiões em que elogiou um cadete por uma execução perfeita de manobra, a seguinte execução da mesma manobra não era tão boa — o desempenho piorava.

O que o instrutor estava observando, mas não sabia, era justamente o fenômeno da regressão à média na prática.

Ele só elogiava um cadete cujo desempenho estava muito acima da média. Mas esse cadete provavelmente apenas tivera sorte naquela tentativa particular e desse modo era provável que piorasse, independentemente de ter ou não sido elogiado. De modo similar, o instrutor gritava na comunicação por rádio com um cadete apenas quando o desempenho deste era singularmente ruim e desse modo com probabilidade de melhorar independentemente do que o instrutor fizesse”, explica Kahneman em seu livro.

Ou seja, o cadete simplesmente regredia ao seu desempenho médio após uma execução brilhante ou péssima.

No caso do Brasil, entre milagres e décadas perdidas, o desempenho do país é uma eterna regressão à média de um cadete do tipo mediano (aquele nota 5).

De tempos em tempos chega aquele momento em que tiramos um 9 ou 10: aprovamos reformas, modernizamos a legislação etc. Os cidadãos ficam felizes e um ar de Suíça toma conta de alguns setores do país imaginando que a promessa de sermos o país do futuro, finalmente, se tornará verdade.

No entanto, pouco tempo depois, o país cumpre sua sina e tira uma nota abaixo da média: afrouxamos o fiscal, projetos retrógrados voltam a ser debatidos etc. De volta à realidade, aqueles que gritaram “agora vai!” passam a cultivar um pessimismo digno daquelas fossas mais profundas.

Para os realistas, nem lá, nem cá: o Brasil segue seu caminho medíocre como aquele aluno que entre notas altas e baixas sempre irá conseguir a nota mínima para passar de ano.

Esperar que os próximos 4, 8 ou 16 anos transformem o Brasil numa Suíça, ou numa Venezuela, é negar nosso empenho, ou trabalho profissional — como bem definiu Marcos Lisboa — para continuarmos sendo um país pobre, mediano.

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