Notícia
7min leitura
Inflação no Brasil: por que o BC deve iniciar ciclo de corte de juros no segundo semestre de 2023
Os 5 principais motivos que abrem espaço para queda da Selic
Colunista convidado: José Faria Júnior (@jrfariajr), sócio e analista da Wagner Investimentos
Caros amigos, hoje venho falar sobre a inflação no Brasil.
O Banco Central do Brasil (BC) começou a subir os juros em março de 2021, época em que os principais Bancos Centrais do mundo, como o Fed (EUA) e o BCE (zona do euro), pregavam a tese de inflação provisória devido o atraso gerado nas cadeias de suprimentos com o surgimento da Covid e, desta forma, não viam necessidade de subir juros. A decisão do nosso BC se provou acertada, já que a inflação acelerava no Brasil (e no mundo).
O regime de metas de inflação foi instituído em 21 de junho de 1999 e, assim, tivemos implantado o “tripé macroeconômico”: regime de meta de inflação + meta fiscal + câmbio flutuante. Em 24 de fevereiro de 2021 a Lei Complementar 179 concedeu autonomia ao BC e determinou que seu objetivo fundamental é “assegurar a estabilidade de preço” e que também deve atuar para “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.
As rusgas atuais entre o BC e o governo se devem, do lado do BC, à crítica desde o goveno anterior da questão da sustentabilidade da dívida pública (questão ligada ao tripé macroeconômico) e, do lado do governo, pelo crescimento da economia (questão ligada a nova Lei).
Fonte: BC
1) Inflação de demanda: queda no desemprego e aumento da massa salarial
A massa salarial em termos reais está aproximadamente 3% acima do nível de antes da Covid. A taxa de desemprego vem caindo consistemente após sofrer um súbito aumento em 2020 e agora está em torno de 8,8%, bem abaixo da média de 10,5% da série histórica (PNAD contínua). Estes são sinais de mercado de trabalho se fortalecendo e de existência do componente de inflação de demanda no Brasil.
2) IPCA x núcleo da inflação x índice de difusão
Observamos que o IPCA mensal (linha vermelha) e o núcleo das médias aparadas (medida central da inflação – linha azul) caem fortemente nos últimos meses. Em linhas gerais, a média aparada exclui os preços que menos subiram e os preços que mais subiram, sendo útil para analisar o comportamento da inflação sem a influência de “outliers”. Adicionalmente, quando a inflação cai observamos menos preços subindo, conforme mostra o índice de difusão (linha verde). Assim, temos boas sinalizações de desinflação no Brasil.
É importante destacar que a inflação antes de cair irá subir porque em julho, agosto e setembro de 2022 tivemos deflação acumulada de 1,4% e é por isso que o IPCA subirá dos atuais 4,2% (IPCA-15) para algo em torno de 6,0% ao final de 2023.
Fonte: BC
3) IPCA x IGP-M x dólar
Outra forma de se observar a desinflação é acompanhar a evolução do IGP-M, medida não oficial de inflação e muito tradicional no Brasil. O IGP-M não é um índice de preço da inflação do consumidor, como o IPCA, mas um índice composto da seguinte forma: 60% Índice de preços ao produtor amplo (“atacado”); 30% Índice de Preços ao Consumidor (semelhante ao IPCA) e 10% Índice Nacional de Custo da Construção Civil. Assim, devido a sua composição, o IGP-M é bem afetado pelo dólar.
Abaixo temos a evolução do IGP-M (linha vermelha), do IPCA (linha azul) e do câmbio real, sem o efeito da inflação (linha verde). Quando o dólar sobe (linha verde sobe), o IGP-M sobe e “puxa” o IPCA. Hoje vemos movimento contrário, de queda do dólar, do IGP-M e, consequentemente, do IPCA. Mais um sinal de desinflação.
Fonte: BC
4) O que diz a curva de juros e a provável surpresa positiva da gasolina
Fonte: Wagner Investimentos
Pelo gráfico acima (DI 2025), há boa possibilidade de reversão da tendência de alta dos juros que dura mais de dois anos e que começou antes do início do ciclo de aperto monetário. A curva de juros indica chance de cortes de fato a partir do Copom de agosto, com as seguintes “apostas” arredondadas:
Copom – 03 de agosto – Selic meta de 13,50%
Copom – 21 de setembro – Selic meta de 13,25%
Copom – 03 de novembro – Selic meta de 12,75%
Copom – 14 de dezembro – Selic meta de 12,25%
Adicionalmente, observamos que a gasolina está muito acima do preço de paridade de importação. Segundo a Abicom, no dia 09 de maio a gasolina estava 13% mais cara no Brasil e, apesar da previsão do aumento do ICMS no início de junho, a Petrobras tem condições de reduzir seu preço.
Observando o passado como guia, a administração anterior subia ou cortava os preços quando a diferença entre o preço interno e o preço externo estava acima de 10%. Combustível equivale a aproximadamente 5% do IPCA e corte nos preços seria surpresa positiva.
5) Ventos contrários para a atividade no Brasil: inadimplência e preço das commodities
Segundo o comunicado da reunião do Copom de 03 de maio de 2023, um risco de baixa para a inflação é uma desaceleração mais forte na concessão de crédito. Pelas estatísticas do BC, as famílias estão com os maiores níveis de endividamento em relação à renda e de comprometimento da renda com a amortização da dívida da série histórica. Estes são sinais que as famílias estão praticamente sem capacidade de aumentar as dívidas, fato que pode ser bom para baixar a inflação, mas que é ruim para atividade.
Outro ponto destacado no comunicado do Copom sobre risco de baixa da inflação é “uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local”. Pelo gráfico abaixo, o índice que mede o preço da cesta de commodities foi “inflado” o ano passado devido à guerra e agora está em tendência de baixa.
Em resumo, minério de ferro, petróleo, soja, milho e café estão bem mais baratos em dólares a partir do 2º bimestre deste ano. O Brasil é um país produtor e exportador de commodities e há uma correlação positiva entre preço das commodities, PIB e arrecadação. Assim, apesar da queda nos preços das commodities favorecerem a queda da inflação, em algum momento isto irá pesar na atividade e reduzir a arrecadação. Mas, este não é assunto deste artigo.
Fonte: Wagner Investimentos
6) Conclusão
Esperamos que o BC inicie o ciclo de corte de juros em agosto ou setembro devido:
- Processo de desinflação no mundo (https://mmakers.com.br/noticia/inflacao-americana-o-pior-ja-passou/);
- Processo de desinflação no Brasil;
- Queda nos preços das commodities;
- Provável queda da atividade no Brasil devido ao aumento da inadimplência e a queda nos preços das commodities;
- Juros reais estão muito altos. A média dos juros reais, que desconsidera o efeito da inflação, ficou em torno de 4% entre 2010 e 2019 e hoje estão em quase 8%, o dobro do observado no passado.
É difícil calcular a magnitude do ciclo de corte de juros devido a vários fatores, incluindo a eventual mudança no regime de metas de inflação (o Conselho Monetário Nacional tem até 29 de junho para qualquer alteração) e o desempenho fiscal do Brasil, ou seja, se o novo arcabouço fiscal será ou não bem sucedido em conter a expansão da dívida.
Se a inflação convergir para perto do centro da meta da inflação, em torno de 3%, seria possível taxa Selic no longo prazo abaixo de 8% e juro real anual máximo de 5% em meio a um ambiente global de juros mais altos.
Glossário (fonte: BC):
– Índice de difusão: Percentual de subitens do IPCA com variação positiva no mês.
– Índice da taxa de câmbio real efetiva: taxa de câmbio real em relação a um conjunto de países e moedas (cesta de países e moedas), em geral escolhidos conforme sua importância no comércio exterior.
– Núcleo de médias aparadas com suavização (MS): exclui 20% da variação de preços dos itens do IPCA de ambas as caudas da distribuição mensal (preços que mais subiram e mais caíram), após a suavização de componentes com variações infrequentes e de grandes magnitudes, como combustíveis, energia elétrica residencial e serviços pessoais.